31.5.07

APLICAÇÃO DE TÉCNICA DE PERMANENTE PARA CABELOS. DANIFICAÇÃO DOS FIOS, QUE RESTARAM “QUEIMADOS” PELO PRODUTO.

CONSUMIDOR. REPARAÇÃO DE DANOS. APLICAÇÃO DE TÉCNICA DE PERMANENTE PARA CABELOS. DANIFICAÇÃO DOS FIOS, QUE RESTARAM “QUEIMADOS” PELO PRODUTO. ACIDENTE DE CONSUMO. ART. 14, DO CDC.
1. Complexidade da causa não verificada. Elementos probatórios suficientes para a formação de juízo sobre o mérito da causa, não se afigurando imprescindível a realização de perícia.
2. Fato do serviço. Hipótese em que inaplicáveis os prazos previstos no art. 26 do CDC, não havendo falar em decadência.
3. Direito à reparação integral dos danos em virtude de o serviço não ter apresentado a segurança que dele se esperava e de o fornecedor não ter advertido a consumidora dos possíveis riscos. Responsabilidade objetiva Exegese do art. 14, do CDC.
RECURSO IMPROVIDO.

Recurso Inominado

Terceira Turma Recursal Cível
Nº 71001070192

Comarca de Canoas
REFLEXUS

RECORRENTE
MARLEI SARAIVA SANTANNA

RECORRIDO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Juízes de Direito integrantes da Terceira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Dra. Maria José Schmitt Sant Anna (Presidente) e Dr. João Pedro Cavalli Júnior.
Porto Alegre, 23 de janeiro de 2007.


DR. LUIZ ANTÔNIO ALVES CAPRA,
Relator.

RELATÓRIO
(Oral em Sessão.)

VOTOS
Dr. Luiz Antônio Alves Capra (RELATOR)
Recorre a ré da sentença que, julgando parcialmente procedente o pedido indenizatório deduzido em seu desfavor, condenou-a ao pagamento da importância de R$ 773,00.
Segundo consta da inicial, a autora contratou os serviços da ré para a realização da técnica de permanente em seus cabelos. Ocorre que o resultado do procedimento foi lamentável, uma vez que os cabelos da autora ficaram queimados por uma reação ao produto utilizado. Pretende, pois, seja a requerida condenada à reparação dos danos advindos de tal acidente de consumo, pagando à autora o valor necessário para um tratamento de recuperação dos fios. - R$ 1.180,00.
Não há falar em complexidade da matéria, como aventa a ré em razões de recurso. Desnecessária a realização da perícia quando, para a formação de juízo acerca do mérito da causa, tem-se por suficientes os elementos probatórios constantes dos autos. A incompetência dos juizados especiais para o processamento do feito somente deve ser reconhecida quando a perícia se afigurar imprescindível ao deslinde do feito. No caso concreto, embora a ele pudesse ser útil, tem-se que a resolução da lide pode ser extraída do conjunto probante produzido, notadamente porque, tendo em vista o benefício econômico que se pretende auferir, seria totalmente desarrazoado remeter-se as partes à justiça comum, quando os custos da realização de uma prova técnica certamente superariam, em muito, o valor dado à causa.
Acresça-se a circunstância de que tal prova, a esta altura, porque já desfeito o objeto periciado, se mostraria inócua.
Equivocada, também, a preliminar de decadência. Não se discute, aqui, vício do serviço, mas sim responsabilidade pelo fato do serviço (artigo 14 do CDC), de modo que se deve cogitar, ao menos na terminologia utilizada pelo Código, quanto à prescrição, o disposto no artigo 27 do CDC[1].
No mérito, é incontroverso que a autora contratou com a ré a realização da técnica de permanente de cabelos (ou suporte, na terminologia utilizada pela recorrente). Embora a requerida tente convencer de que nenhum resultado danoso fora ocasionado à autora por ocasião da aplicação do produto, disso não é o que dá conta a prova colhida.
A testemunha DARLENE, que indicou os serviços da ré à autora, conta que esteve presente no salão de beleza na data dos fatos, e que “quando a profissional retirou um rolo o cabelo estava como plástico.” Refere, aliás, que os seus cabelos sofreram os mesmos estragos ao se submeter à técnica, embora em menor grau.
Tem-se, assim, como devidamente demonstrados os danos advindos à autora, consistentes na danificação dos seus cabelos em razão do procedimento realizado pela ré.
Trata-se, no caso, de acidente de consumo, uma vez que o serviço não apresentou a segurança dele esperada, deixando o fornecedor, aliás, de informar o consumidor dos riscos que dele se esperava. Aplica-se, pois, o disposto no art. 14, caput e parágrafo 1º do CDC, valendo salientar que, contrariamente ao que aduz a ré em razões de recurso, a responsabilidade, no caso, independe da existência de culpa, perfectibilizando-se apenas com os elementos conduta, dano e nexo.
A reparação deve albergar não só a restituição do valor pago pelo tratamento frustrado, mas também aquilo que será necessário para a autora recuperar os cabelos danificados. A especificação de tais dispêndios consta do laudo técnico que instrui a inicial (fl. 03), devendo ser mantida a condenação equivalente à soma dos montantes necessários a toda a reestruturação capilar indicada por profissional da área.
Resta, assim, apenas confirmar a decisão a quo pelos seus fundamentos, negando-se provimento ao recurso interposto.
Posto isso, voto por negar provimento ao recurso.
Imponho à recorrente o pagamento das custas processuais. Deixo de condená-lo à verba honorária, tendo em vista que a autora litigou desacompanhada de procurador.


Dra. Maria José Schmitt Sant Anna (PRESIDENTE) - De acordo.
Dr. João Pedro Cavalli Júnior - De acordo.

DRA. MARIA JOSÉ SCHMITT SANT ANNA - Presidente - Recurso Inominado nº 71001070192, Comarca de Canoas: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME."


Juízo de Origem: JUIZADO ESPECIAL CIVEL CANOAS - Comarca de Canoas
[1] Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

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APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. PRESCRIÇÃO

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. PRESCRIÇÃO.
Resta reconhecida a relação de consumo no caso em tela, tendo a autora sofrido danos físicos quando viajava como passageira em ônibus da empresa demandada. Pedido indenizatório fundamentado no defeito do serviço, caracterizado, em tese, no caso concreto. Incidência do prazo prescricional do art. 27 do CDC, mais favorável ao consumidor do que aquele previsto no Código Civil de 2002.
APELO PROVIDO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.

Apelação Cível

Décima Segunda Câmara Cível
Nº 70017893470

Comarca de Santo Ângelo
AMéLIA ALMEIDA CAVALHEIRO

APELANTE
VIAÇÃO OURO E PRATA S/A

APELADA

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao recurso para desconstituir a sentença.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des. Orlando Heemann Júnior (Presidente) e Des. Cláudio Baldino Maciel.
Porto Alegre, 08 de fevereiro de 2007.


DES.ª NAELE OCHOA PIAZZETA,
Relatora.

RELATÓRIO
Des.ª Naele Ochoa Piazzeta (RELATORA)
Trata-se de apelação interposta por AMÉLIA ALMEIDA CAVALHEIRO em face da sentença em que foi reconhecida a prescrição de sua pretensão nos autos da ação de reparação de danos causados em acidente de trânsito movida contra VIAÇÃO OURO E PRATA S/A.
Em suas razões, a apelante afirma que o fato ocorreu sob a vigência do Código Civil de 1916, aduzindo que o art. 177 deste foi revogado pelo art. 205 do diploma de 2002. Indica que o prazo prescricional é de dez anos, como base no Código Civil de 2002 ou de cinco anos, de acordo com o CDC. Pleiteia a reforma da sentença (fls. 110-119).
O recurso é recebido (fl. 122) e respondido pela demandada, que sustenta restar caracterizada a prescrição, colaciona jurisprudência e requer seja mantida a decisão (fls. 124-129).
VOTOS
Des.ª Naele Ochoa Piazzeta (RELATORA)
Eminentes Colegas.
Aprecio o presente recurso, visto que preenchidos os requisitos de admissibilidade.
Verifico que foi reconhecida a prescrição da pretensão da autora, uma vez que o acidente ocorreu em 29.03.02 e a ação somente foi proposta em 15.02.06.
O entendimento do juízo a quo foi no sentido da aplicabilidade do prazo prescricional previsto no art. 206, §3º, V, do Código Civil, tendo em vista o disposto no art. 2028 deste diploma. Isso porque o acidente ocorreu sob a vigência do Código Civil de 1916 e o prazo, que seria de vinte anos, conforme disposto em seu art. 177, ainda não tinha transcorrido em sua metade quando da entrada em vigor da lei nova.
Entretanto, tenho que outra solução deva ser dada ao caso em tela ante a incidência do Código de Defesa do Consumidor, não obstante a posição que vinha sendo adotada pelo E. STJ no sentido de que o prazo previsto no art. 27 do citado diploma não se aplicava às pretensões relativas aos danos físicos causados em passageiro em decorrência de conduta culposa de preposto de empresa transportadora, uma vez que não seria a atividade desta a causa do dano. Neste sentido: AgRg no Ag 464193 / RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, julgado em 11.11.02.
Ocorre que não há como ser afastada a incidência do CDC ao caso concreto, tendo em vista que a autora era passageira em coletivo da requerida, identificando-se como consumidora (art. 2º), enquanto a transportadora figura como fornecedora de serviço (art. 3º).
Observo que a norma consumerista busca justamente dar maior proteção à parte mais fraca na relação de consumo, qual seja, o consumidor. Assim, sob a égide do Código Civil de 1916 era cabível o entendimento de que deveria ser aplicado o prazo prescricional vintenário a pretensões decorrentes de acidente como no caso em tela, pois quatro vezes maior ao previsto no CDC. Tal interpretação resultava em proteção ao consumidor, justamente o fim almejado pela citada lei.
No entanto, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o prazo prescricional para demandas envolvendo responsabilidade civil restou reduzido para apenas três anos, menor do que o previsto no CDC, que é de cinco anos. Assim, afastar a incidência de suas regras ao caso concreto significaria afastá-lo de seu próprio fim.
Com efeito, em se tratando de relação de consumo, há de ser buscada a interpretação mais favorável ao consumidor e que, portanto, esteja de acordo com a finalidade da norma. Tal desiderato somente é alcançado com a aplicação do prazo prescricional do art. 27 do CDC.
Observo que o caso em comento se caracteriza, em tese, como fato do serviço, sendo que o fundamento é o defeito em sua prestação, uma vez que não teria fornecido a segurança que a demandante podia esperar, já que tinha a expectativa de ser conduzida incólume ao seu destino.
Vale destacar que a própria apelada admite a incidência do CDC à relação entabulada entre as partes, conforme se verifica em contestação.
Assim, é de ser afastado o reconhecimento da prescrição, observando-se que não decorreu o prazo de cinco anos entre a data do evento e a propositura da demanda.
Desta forma, é de ser desconstituída a sentença para que sejam colhidas as provas e apreciado o pedido de denunciação da lide apresentado pela demandada.
Por tais fundamentos, dou provimento ao apelo, desconstituindo a sentença.

Des. Cláudio Baldino Maciel (REVISOR) - De acordo.
Des. Orlando Heemann Júnior (PRESIDENTE) - De acordo.

DES. ORLANDO HEEMANN JÚNIOR - Presidente - Apelação Cível nº 70017893470, Comarca de Santo Ângelo: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA DESCONSTITUIR A SENTENÇA. UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: GIANCARLO CARMINATI BARETTA

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ACIDENTE DE CONSUMO. incêndio. máquina de lavar roupas.

CONSUMIDOR. fato do PRODUTO. ACIDENTE DE CONSUMO. incÊndio. máquina de lavar roupas. nexo causal. comprovaÇÃO. PROVA INDICIÁRIA. ELEMENTO DE CONVENCIMENTO DO JULGADOR. Art. 12 do cdc. RESPONSABILIDADE DA FABRICANTE. nulidade da sentença afastada. CONDENAÇÃO REDIMENSIONADA.
1. Tendo o magistrado a quo fixado a condenação em salários mínimos, conseqüência será a conversão dos valores em moeda corrente, e não a decretação de nulidade do ato sentencial. Preliminar de nulidade rejeitada.
2. Nexo causal. Elementos probatórios colacionados ao feito que permitem a conclusão de que o fogo iniciou-se na máquina de lavar roupas. Consta dos autos, ademais, que as instalações elétricas na residência do casal achavam-se em perfeitas condições de funcionamento. Indícios suficientes quanto à caracterização do nexo causal. Análise da prova em seu conjunto. Prova indiciária conclusiva.
3. Compensação. Valor fixado na sentença a título de reparação por danos morais que vai reduzido para R$ 20.000,00, em atenção às circunstâncias do caso concreto e aos parâmetros adotados pela Câmara.
4. Juros. Termo inicial. Nos termos da Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça, em se tratando de relação extracontratual, os juros de mora fluem a partir do evento danoso.
APELO PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO ADESIVO NÃO CONHECIDO.


Apelação Cível

Décima Câmara Cível
Nº 70017463464

Comarca de São Leopoldo
MULTIBRAS S/A ELETRODOMéSTICOS

APELANTE/RECORRIDO ADESIVO
ALZIRA DE FREITAS NERBAS

RECORRENTE ADESIVO/APELADO
RICARDO NERBAS

RECORRENTE ADESIVO/APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar a preliminar de nulidade da sentença, em dar parcial provimento ao apelo da ré, e em não conhecer do recurso adesivo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana e Des. Luiz Ary Vessini de Lima.
Porto Alegre, 15 de fevereiro de 2007.


DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN,
Relator.

RELATÓRIO
Des. Paulo Antônio Kretzmann (RELATOR)
Adoto o relatório de fls. 280/284, aditando-o como segue.
Sobreveio sentença julgando parcialmente procedente a ação de responsabilidade civil, ajuizada por Alzira de Freitas Nerbas e Ricardo Nerbas em face de Multibrás S/A Eletrodomésticos, para o fim de condenar a ré ao pagamento de 400 salários mínimos nacionais, a título de reparação por dano moral, vigentes ao tempo do efetivo pagamento, sendo 200 salários mínimos para cada um dos autores.
Os demandantes foram condenados ao pagamento de ¼ das custas processuais e de honorários advocatícios, ao patrono da ré, fixados em 10% sobre a diferença entre o valor da causa atualizado e o valor da condenação; e a ré foi condenada ao pagamento do restante das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da condenação, deferida a compensação.
Opostos embargos declaratórios (fls. 292/297), foram desacolhidos (fl. 298).
Inconformada, a ré apelou (fls. 302/318). Em suas razões recursais afirmou que a sentença prolatada no feito é nula, já que estabeleceu a condenação em salários mínimos, o que é vedado pelo sistema jurídico.
Sustentou, de outra parte, que o nexo de causalidade não restou demonstrado, acrescentando que o laudo exarado pelo Corpo de Bombeiros, assim como a prova testemunhal, apenas indicam que havia um foco de incêndio no local onde supostamente encontrava-se a máquina de lavar roupas produzida pela ré. Disse que jamais restou comprovado que o incêndio foi gerado por um defeito no produto.
Aduziu que nenhuma das testemunhas ouvidas é engenheiro elétrico ou pessoa capaz de proferir um parecer técnico acerca da origem do incêndio, não sendo, pois, aptas a comprovar o nexo de causalidade.
Asseverou que o ônus da prova rege-se pelo disposto no art. 333 do CPC, alegando que os autores impossibilitaram a realização da prova técnica ao jogar a máquina no lixo.
Salientou que a ausência de comprovação efetiva de que o fogo iniciou-se em decorrência de um defeito na máquina de lavar roupas, jamais poderia levar à procedência da ação indenizatória.
Disse que a pretensão indenizatória é totalmente descabida e se constitui em tentativa de locupletamento injusto, de enriquecimento sem causa.
Ressaltou que os autores foram devidamente indenizados dos danos materiais sofridos.
Discorreu sobre os critérios de fixação da reparação por danos morais, requerendo a redução da quantia arbitrada.
Intimados, os autores contra-arrazoaram (fls. 323/333) e recorreram adesivamente (fls. 336/340), sustentando que a condenação deve ser convertida em moeda corrente, atualizado o valor pelo IGP-M e acrescido de juros legais, desde a data do fato.
A ré contra-arrazoou (fls. 343/352).
Os autos vieram conclusos em 01 de novembro de 2006.
É o relatório.
VOTO
Des. Paulo Antônio Kretzmann (RELATOR)
Colegas.
1. Da nulidade da sentença.
A preliminar argüida pela apelante não merece acolhida.
Efetivamente o valor da compensação não pode ter qualquer vinculação com o salário mínimo, nos termos do inciso IV do art. 7º da Constituição Federal[1] e do art. 3º da Lei nº 7.789, de 03 de julho de 1989[2].
Entretanto, tendo o magistrado a quo fixado a condenação em salários mínimos, conseqüência será a conversão dos valores em moeda corrente, e não a decretação de nulidade do ato sentencial, como inadvertidamente sustenta o apelante.
Afasto, pois, a preliminar.
2. Da responsabilidade da ré.
A responsabilidade do fabricante decorre, in casu, do fato do produto e vem assim prevista no art. 12 do Diploma Consumerista:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Daí que, ao acolhimento do pleito inicial, bastaria aos autores comprovar a ocorrência do dano, do defeito no produto e do nexo de causalidade, ônus do qual se desincumbiram a contento.
O incêndio no imóvel dos autores e os diversos danos materiais que daí advieram são de ocorrência induvidosa, restando devidamente comprovados através das fotos acostadas aos autos (fls. 21/40 e 183/189), da certidão do corpo de bombeiros (fl. 56), do laudo técnico produzido pela seguradora (fl. 61), como também da prova oral (fls. 233/235).
O contexto probatório é igualmente uníssono quanto ao fato de ter o incêndio se originado na máquina de lavar roupas fabricada pela demandada. Vejamos cada uma das circunstâncias.
O levantamento fotográfico apresentado pelos demandantes, principalmente as fotografias acostadas às fls. 23, 31, 184 e 185, deixam claro que o foco do incêndio estava localizado na área de serviços, bem onde achavam-se dispostas as máquinas de lavar e secar roupas.
A certidão de ocorrência lançada pelo corpo de bombeiros (fl. 56), embora não seja concludente, indica que “há probabilidade de o incêndio ter iniciado na máquina de lavar roupas”.
Por seu turno, o laudo técnico realizado por solicitação da seguradora noticia que “A causa do incêndio foi na máquina de lavar roupa, provavelmente no circuito de comando, devido ao indício de concentração de fogo”. Logo a seguir o mesmo laudo ainda descarta a origem por curto-circuito da rede elétrica, afirmando que os cabos de energia e tomadas estavam intactos. Ainda consignou que “foi realizado verificação das instalações elétricas e estas não apresentam nenhuma irregularidade de instalação” (fl. 61).
É de ser feito referência, ainda, à circunstância de ter a requerida realizado recall de máquinas de lavar roupas, fabricadas no mesmo ano da máquina dos autores, justamente em razão da possibilidade de curto-circuito (fl. 50). Destaca-se que a única diferença entra as máquinas objeto do recall e a lava roupas dos demandantes, consoante informação prestada pela própria ré, diz com a voltagem dos equipamentos.
Ao final, tem-se a prova testemunhal e, ao contrário do que alega o recorrente, a testemunha Hiltom Xavier Simões (fl. 234) é engenheiro técnico, tendo sido contratado, pela seguradora, para prestar atendimento no local. Tal testemunha, em seu depoimento em juízo, reiterou as conclusões expendidas no laudo técnico antes referido, acrescentando que o lado da máquina que estava mais derretido era justamente onde estariam os comandos do equipamento. Também declarou que “não existia outra possível origem no local do incêndio”.
Já a testemunha João Henrique Lange (fl. 235), este sim sem conhecimento técnico, apenas confirmou que as “labaredas de fogo saiam da máquina de lavar roupas”.
Portanto, muito embora não tenha sido apurado o defeito do equipamento propriamente, todos os elementos probatórios colacionados ao feito apontam na mesma direção, qual seja, o fogo iniciou-se na máquina de lavar roupas.
É de se observar, ademais, que o estado da máquina após o incêndio, consoante se denota das fotografias de fls. 184 e 185, dificilmente permitiria que se localizasse o defeito que acarretou o fogo. Aliás, também por esse fundamento, é que os demandantes livraram-se da máquina tão logo lhes foi possível, não podendo se lhes exigir que na posse da mesma permanecessem para a realização de eventual perícia.
A ausência de qualquer defeito na parte elétrica da residência e as declarações uniformes no sentido de que o foco do incêndio era na máquina de lavar roupas, não deixam dúvidas de que apenas um defeito no eletrodoméstico poderia ter acarretado o evento em questão.
Na hipótese presente, tenho que a prova indiciária mostra-se bastante para atestar a veracidade do fato alegado, apresentando-se como meio idôneo a embasar o édito condenatório.
A propósito da prova indiciária no tocante ao convencimento do julgador cabe mencionar os seguintes precedentes:

DIREITO CIVIL – DIREITO PROCESSUAL CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – SAQUE ELETRÔNICO EM TERMINAL BANCÁRIO DE AUTO-ATENDIMENTO – DINHEIRO NÃO RETIRADO PELO CORRENTISTA, QUE, MESMO ASSIM, TEVE O VALOR DEBITADO DE SUA CONTA-CORRENTE – INDÍCIOS SUFICIENTES À DEMONSTRAÇÃO DE QUE O SAQUE NÃO SE DEU POR CULPA DO CORRENTISTA, MAS SIM POR DEFEITO NO REGISTRO DA TRANSAÇÃO – RESSARCIMENTO DEVIDO – 1 – Se há indícios que apontam no sentido de que o dinheiro não foi retirado pelo correntista, tendo havido, apesar disso, lançamento de débito na sua conta-corrente, impõe-se a condenação da instituição bancária a ressarcir o valor levado indevidamente a débito. 2. Não tendo havido prova em sentido contrário pelo banco prestador do serviço para excluir sua responsabilidade objetiva de reparar o dano – e essa prova a ele competia, por força da regra de inversão constante do art. 14, § 3º, do Código do Consumidor -, a prova indiciária tem relevância jurídica e, bem assim, força probante, dela podendo servir-se o juiz para solucionar a controvérsia. 3. Recurso improvido. Sentença confirmada. Conhecer o recurso. Negar provimento. Maioria. (TJDF – ACJ 83899 – T.R.J.E. – Rel. Des. Arnoldo Camanho de Assis – DJU 19.10.2000 – p. 60)

RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO AMBIENTAL – APURAÇÃO DE CULPA – IRRELEVÂNCIA – PROVAS PERICIAL E TESTEMUNHAL – INDÍCIOS – IDONEIDADE E SUFICIÊNCIA – CORREÇÃO MONETÁRIA – JUROS DE MORA – ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA – Merece parcial reforma a decisão monocrática, pois a apreciação das provas testemunhal e pericial é suficiente para se concluir pela responsabilidade do réu. Tratando-se de dano ambiental, que tem especial proteção constitucional, a apuração da culpa é irrelevante. A hipótese é de responsabilidade objetiva, a obrigação de indenizar decorre do § 1º do art. 14 da L. 6.938/81. Também é objetiva a responsabilidade em relação ao bem exterminado, não havendo necessidade da perfeita identificação da vítima. A prova indiciária tem idoneidade como fator de convencimento para um juízo condenatório. A contestação mostrou-se tecnicamente falha, com argumentos falaciosos ou irrelevantes. Condenado o réu a indenizar a União Federal pela morte de um leão-marinho, em montante a ser fixado em liquidação de sentença, e destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, D. 1.306/94; sobre a importância apurada incidirá correção monetária e juros de 6% ao ano, desde a data do ato ilícito, custas e honorários de 10% sobre o valor da indenização. (TRF 4ª R. – AC 96.04.08378-3 – RS – 5ª T. – Relª Juíza Marga B. Tessler – DJU 29.01.1997)

De outra parte importa referir que, além de terem os demandantes logrado comprovar os fatos constitutivos de seu direito, nos termos do art. 333, I, do Código de Processo Civil, não comprovou a ré a caracterização das excludentes do dever de indenizar, assim previstas no § 3º do art. 12 do CDC:
§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Não comprovada qualquer destas hipóteses, a procedência da ação era impositiva.
3. Dos danos morais.
Os danos morais são absolutamente incontroversos e decorrem do próprio fato, tal como narrado pelos autores na exordial.
Não fosse a preocupação causada na ocasião e o próprio risco à integridade física dos demandantes, o incêndio acarretou diversos inconvenientes e aborrecimentos, quer pela destruição de parte dos móveis e objetos, quer pelo deslocamento do casal para outra moradia durante o período de limpeza.
A reparação pelo dano moral, de sua vez, deve corresponder à realidade dos fatos trazidos a lume, ao caso concreto, mormente porque cada um difere do outro. É sabido, objetiva reparar os prejuízos da vítima, bem como evitar a prática reiterada dos atos lesivos.
Em relação à fixação da indenização, dificuldade enfrentada pela doutrina, traduz a jurisprudência a resposta que, se já não formada, e tão distante de encontrar limites objetivos, repousa indubitavelmente no arbítrio judicial, ou, resumindo, em subjetivismo puro.
Ensina Wilson Melo da Silva, in “O Dano Moral e sua Reparação” (n.º 231 pág. 513, 2ª edição), que: “Para a fixação, em dinheiro, do quantum da indenização, o julgador haveria de atentar para o tipo médio do homem sensível da classe”.
Segue conceituando: “... seria aquele cidadão ideal que tivesse a igual distância do estóico ou do homem de coração seco de que fala Ripert, e do homem de sensibilidade extremada e doentia.”
Do que se conclui que, para alguns, os mais sensíveis, no aproveitar da qualificação supra, o dano moral se apresenta mais profundo, mais ferino; para outros, nem tanto.
Assim é que, cotejados vários elementos, múltiplas variáveis, e tendo como padrão do legitimado à indenização o homo medius, devem ser analisadas as circunstâncias gerais e especiais do caso em concreto, a saber: gravidade do dano, o comportamento do ofensor e do ofendido - dolo ou culpa, sua posição social e econômica, a repercussão do fato à vista da maior ou menor publicidade, a capacidade de absorção por parte da vítima, etc.
Nesse particular já decidiu a 10ª Câmara Cível na Apelação nº 598128056, na qual fui relator, e cuja ementa diz:

“DANO MORAL. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. PROTESTO DE TÍTULO JÁ LIQUIDADO PELO SACADO. ARBITRAMENTO JUDICIAL. PARÂMETROS.
Na ausência de critérios legais predeterminados na fixação do quantum, na indenização por dano moral puro, caberá ao julgador o arbitramento, à vista das circunstâncias do fato, da razoabilidade, tendo como padrão a sensibilidade do homo medius. Apelo desprovido.”

E mais. O valor a ser arbitrado deve atender a dois objetivos: a) reparação do mal causado e b) coação para que o autor do dano não o volte a repetir.
Como base nas premissas estabelecidas acima, entendo que o valor fixado a título de reparação por danos morais apresenta-se demasiado. Assim, tendo em vista as peculiaridades do caso concreto, observado o dano sofrido, as pessoas dos autores, e a capacidade econômica da ré, reduzo a condenação para 20.000,00, cabendo a metade de tal valor a cada um dos autores (R$10.000,00).
Nos termos da Súmula 54 do STJ[3], o valor deverá ser acrescido de juros moratórios, a contar do evento danoso (03/09/2002), na razão de 6% ao ano e até o advento do novo Código Civil, quando passaram para 12% ao ano. O montante deverá ser acrescido de correção monetária, a partir dessa sessão de julgamento.
Da sucumbência.
Em razão do encaminhamento do voto, vai redimensionada a sucumbência fixada na sentença, para o fim de condenar a demandada ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono dos autores, os quais arbitro, em atenção aos ditames do § 3º do art. 20 do CPC, em 10% incidente sobre o valor atualizado da condenação, nesta Corte reduzida para R$ 20.000,00.
A propósito, cabe menção ao disposto na Súmula 326, “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca”.
2. Do recurso adesivo.
O adesivo, de sua banda, é intempestivo. A intimação deu-se no dia 12 de junho de 2006 – fl. 322. A postagem ocorreu em 28 do mesmo mês – fl. 336, verso. Logo, a destempo. Dele não conheço.
Dispositivo.
Diante do exposto, voto em:
a) Rejeitar a preliminar de nulidade da sentença;
b) dar parcial provimento ao apelo da ré, para reduzir o montante da condenação, nos moldes supra;
c) não conhecer do adesivo, por intempestivo.


Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana (REVISOR) - De acordo.
Des. Luiz Ary Vessini de Lima - De acordo.

DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN - Presidente - Apelação Cível nº 70017463464, Comarca de São Leopoldo: "REJEITADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA RÉ E NÃO CONHECERAM DO ADESIVO.UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: PATRICIA FRAGA MARTINS
[1] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.
[2] Art. 3º Fica vedada a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, ressalvados os benefícios de prestação continuada pela Previdência Social.

[3] “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade civil extracontratual”.

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Cha de emagrecimento com PRAZO DE VALIDADE VENCIDO.

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MATERIAL E MORAL. Cha de emagrecimento com PRAZO DE VALIDADE VENCIDO. indicação de funcionário da requerida. ACIDENTE DE CONSUMO. FATO DO PRODUTO. reações alérgicas provocadas com a ingestão do produto. DANO MORAL IN RE IPSA. INOCORRÊNCIA DE EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO COMERCIANTE.
A validade do produto datava de mais de cinco anos anteriores à venda, vindo consequentemente a causar danos irreparáveis à saúde do consumidor, correta a decisão de primeiro grau que concluiu pela procedência da ação, pois evindente o acidente de consumo, por defeito do produto .
Com relação ao quantum indenizatório deverá ser adaptado aos parâmetros desta Turma.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Recurso Inominado

Primeira Turma Recursal Cível
Nº 71001048909

Comarca de Bagé
DROGARIA SAO FRANCISCO

RECORRENTE
GLACY AVILA FERREIRA

RECORRENTE
GISELDA DA SILVA MADRUGA

RECORRIDO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Juízes de Direito integrantes da Primeira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Dr. Ricardo Torres Hermann (Presidente) e Dr. Eduardo Kraemer.
Porto Alegre, 15 de fevereiro de 2007.


DR. CARLOS EDUARDO RICHINITTI,
Relator.

RELATÓRIO
Trata-se de ação indenizatória movida por GISELDA DA SILVA MADRUGA contra DROGARIA SÃO FRANCISCO e GLACY ÁVILA FERREIRA, sustentando a autora a aquisição de medicamento com o prazo de validade expirado junto a primeira requerida. Informa a autora, que após a ingestão do referido medicamento começou a sentir náuseas e dores de cabeça, o que acarretaram sua internação hospitalar e a constatação de intoxicação medicamentosa.
A demanda foi julgada procedente para condenar as requeridas ao pagamento de 10 salários mínimos a título de danos morais e danos materiais no valor de R$ 4,88 (quatro reais e oitenta e oito centavos).
Recorrem as demandadas alegando nulidade do feito e, no mérito,pedindo a improcedência.
Subiu o recurso sendo acolhida a preliminar no sentido de afastar a revelia, por esta Turma Recursal, sendo desconstituída a decisão, para determinar o prosseguimento do feito.
Prolatada nova sentença foi o feito julgado parcialmente procedente, para condenar a ré ao pagamento e R$5.250,00, a título de danos morais. ( fls.126/130).

VOTOS
Dr. Carlos Eduardo Richinitti (RELATOR)

Merece parcial provimento ao recurso somente no tocante ao quantum arbitrado, a título de danos morais, acolhendo, como razão de decidir, no mais, integralmente a sentença recorrida, em especial no que se refere as preliminares argüidas.
Não pairam dúvidas acerca da existência de defeito do produto adquirido pela recorrida, uma vez que, estando com o prazo de validade expirado em mais de dois anos, evidente que não apresentou a segurança que dele era esperado. A medida que o comerciante oferece produto vencido aos seus clientes, correto que arque com qualquer prejuízo por estes causado.
Transcrevo decisão prolatada em caso análogo:
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MATERIAL E MORAL. ALIMENTO COM PRAZO DE VALIDADE VENCIDO. PROBLEMAS ESTOMACAIS. ACIDENTE DE CONSUMO. FATO DO PRODUTO. DEVER DE QUALIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MATERIAL COMPROVADO. DANO MORAL IN RE IPSA. INOCORRÊNCIA DE EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO COMERCIANTE. A venda de alimento com prazo de validade vencido, que causa sérios danos à saúde do consumidor, configura acidente de consumo por defeito do produto, uma vez que este não ofereceu a segurança que dele podia legitimamente se esperar. Considerando-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso em tela, impõe-se a responsabilização do fornecedor na forma objetiva, o que significa a dispensa da prova de culpa para restar evidenciado o dever de indenizar, bastando a existência do dano e do nexo de causalidade. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71000857086, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 25/05/2006)
Cabe transcrever parte do voto que elucida situação típica, como a dos autos evidenciando acidente de consumo:
“Dessa forma, a imputação da responsabilidade da recorrida, na condição de fornecedora, encontra-se determinada no artigo 18, “caput” e seu §6º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, nos seguintes termos:
Art. 12 - O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§ 1º - O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - sua apresentação;
II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi colocado em circulação.
§ 2º - O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.
§ 3º - O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Art. 13 - O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:
I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;
III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Nesse sentido os seguintes precedentes do nosso Tribunal de Justiça:
“APELAÇÃO CÍVEL. DANO MORAL. CDC. VENDA DE PRODUTO VENCIDO AO CONSUMIDOR. DENUNCIAÇÃO DA LIDE AO FABRICANTE. Responsabilidade pela venda de produto com prazo de validade vencido é do comerciante. Situação não se enquadra a nenhuma das hipóteses do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor. Preliminar afastada. Ônus da prova não é do consumidor, pelo que não se pode exigir dele produção de provas, especialmente laboratoriais e do efetivo consumo do produto vencido. Negligência do supermercado ao não retirar das gôndolas mercadoria sem condições de consumo. Dano moral não há que ser demonstrado: em ocorrendo o ilícito, deve ser presumido. Agravo retido prejudicado. Apelo desprovido” (Apelação Cível Nº 70003736386, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 24/03/2004).

“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ALIMENTO COM PRAZO DE VALIDADE VENCIDO. PROBLEMAS ESTOMACAIS. ACIDENTE DE CONSUMO. FATO DO PRODUTO. DEVER DE QUALIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL IN RE IPSA. INOCORRÊNCIA DE EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO COMERCIANTE. QUANTUM INDENIZATÓRIO. A venda de alimento com prazo de validade vencido, que causa sérios danos à saúde do consumidor, configura acidente de consumo por defeito do produto, uma vez que este não ofereceu a segurança que dele podia legitimamente se esperar. A mais nova e moderna doutrina aponta o dever de qualidade nas relações de consumo como um dos grandes nortes instituídos pelo código de defesa do consumidor. Considerando-se a aplicação da legislação especial ao caso em tela, impõe-se a responsabilização do fornecedor na forma objetiva, o que significa a dispensa da prova de culpa para restar evidenciado o dever de indenizar, bastando a existência do dano e do nexo de causalidade. Não pode o consumidor ser responsabilizado de forma concorrente pela grave negligência praticada pelo comerciante, ao manter em suas prateleiras e comercializar produto com prazo de validade vencido há mais de vinte dias, considerando também a condição de hipossuficiente do consumidor na relação de consumo. Mesmo porque, segundo ensinamento de Carlos Roberto Gonçalves, na obra responsabilidade civil, Editora Saraiva, 2003, pág.31: `só se admite como causa exonerativa da responsabilidade a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, não a culpa concorrente, adotando-se o mesmo sistema do decreto legislativo n. 2.681, de 1912, que trata da responsabilidade das estradas de ferro.¿ O valor arbitrado na indenização por danos morais deve atender a uma dupla finalidade: reparação e repressão. E, portanto, deve ser observada a capacidade econômica do atingido, mas também dos ofensores, de molde a que não haja enriquecimento injustificado, mas que também não lastreie indenização que não atinja o caráter pedagógico a que se propõe, razão pela qual se eleva o valor fixado em sentença para montante equivalente a 20 salários mínimos. APELO PARCIALMENTE PROVIDO” (Apelação Cível Nº 70011135241, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 18/05/2005).

Do corpo do segundo aresto supracitado extrai-se o seguinte ensinamento, que peço vênia à eminente relatora para transcrever:
“(...)A mais nova e moderna doutrina aponta o dever de qualidade nas relações de consumo como um dos grandes nortes instituídos pelo Código de Defesa do Consumidor. Tal dever de qualidade encontra-se visceralmente ligado à necessidade de se conferir segurança aos consumidores, notadamente em práticas relacionadas ao consumo de alimentos, como o é o caso dos autos.
Sobre o tema, vale transcrever o magistério constante na obra conjunta dos doutrinadores Antônio Hermen V. Benjamin e Cláudia Lima Marques:
“Realmente, a responsabilidade do fornecedor em seus aspectos contratuais e extracontratuais, presentes nas normas do CDC (art. 12 a 27), está objetivada, isto é, concentrada no produto ou no serviço prestado, concentrada na existência de um defeito (falha na segurança) ou na existência de um vício (falha na adequação, na prestabilidade). Observando a evolução do direito comparado, há toda uma evidência de que o legislador brasileiro inspirou-se na idéia de garantia implícita do sistema da commom law (implied warranty). Assim, os produtos ou serviços prestados trariam em si uma garantia de adequação para o seu uso, e, até mesmo, uma garantia referente à segurança que deles se espera. Há efetivamente um novo dever de qualidade instituído pelo CDC, um novo dever anexo à atividade dos fornecedores. (...)”.[1]

Ao tratar-se da segurança nas relações de consumo, não se pode perder de vista os riscos inerentes à sociedade de massa, os quais, sabe-se, são impossíveis de eliminar, cumprindo ao Poder Judiciário o difícil papel de controlá-los. Como bem salientou o doutrinador acima aludido, “o objetivo da teoria da qualidade – na vertente de proteção à incolumidade físico-psíquica do consumidor – não é reduzir todos os riscos associados com produtos ao patamar zero, já que o custo seria muito maior do que aquele que os indivíduos e a sociedade podem arcar. O que se pretende é que todos os esforços sejam encetados no sentido de assegurar que os riscos mantenham-se no limite do razoável”[2](...)”.
A responsabilidade da fornecedora, ademais, se dá de forma objetiva, haja vista a incidência do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, desnecessária prova de culpa, bastando a existência do dano e o nexo causal para caracterizar o dever de indenizar.”
No tocante ao dano moral não resta dúvidas de que a responsabilidade do comerciante é objetiva, portanto, passível de condenação.
Contudo, no que diz respeito ao “quantum” indenizatório a título de danos morais, tenho como adequado fixá-lo em R$ 1.750,00, adequando aos parâmetros adotados por esta Turma Recursal, levando em conta, ainda, o tipo de prejuízo sofrido e a capacidade financeira da parte demandada.
Até por precaução, considerando o fato verificado, entendo conveniente oficiar-se à Secretaria da Saúde, para que o setor responsável pela Vigilância Sanitária, verifique se o estabelecimento comercial não possui outros produtos, em iguais condições.
Em face do exposto, voto no sentido de dar-se parcial provimento ao recurso, julgando parcialmente procedentes o pedido da autora, para o fim de condenar a ré ao pagamento do valor da quantia de R$ 1.750,00 (um mil setecentos e cinqüenta reais) a título de danos morais, corrigida pelo IGP-M a contar do ajuizamento da ação, incidindo sobre ambas as parcelas juros de 1% ao mês a contar da citação.
Sem sucumbência, em face do resultado.


Dr. Eduardo Kraemer - De acordo.
Dr. Ricardo Torres Hermann (PRESIDENTE) - De acordo.

DR. RICARDO TORRES HERMANN - Presidente - Recurso Inominado nº 71001048909, Comarca de Bagé: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME."


Juízo de Origem: 1.VARA CIVEL BAGE BAGE - Comarca de Bagé
[1] Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: RT, 2002, p. 222.
[2] Comentários ao código de proteção ao consumidor, coordenador Juarez de Oliveira, São Paulo: Saraiva, 1991,p. 45

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ACIDENTE DE CONSUMO. QUEDA NA SAÍDA DE SUPERMERCADO.

CONSUMIDOR. ACIDENTE DE CONSUMO. QUEDA NA SAÍDA DE SUPERMERCADO. DANO MATERIAL NÃO DEMONSTRADO DOCUMENTALMENTE. DANO MORAL CONFERIDO NA SENTENÇA EM R$ 2.000,00.
1. Aplicável o CODECON no caso concreto, não fosse pela relação de consumo entre as partes - o que não pressupõe necessariamente a efetiva aquisição de produtos -, ao menos em face do evento danoso ocorrido em suas dependências (no local de ingresso e saída de veículos), por força do contido no art. 17[1] da Lei nº 8.078/90.
2. Demonstrou a autora, modo suficiente, o nexo causal entre o dano e a queda na saída do estabelecimento comercial, fato corroborado por atendimento médico e por testemunha presencial do evento.
3. As fotos revelam o quão impróprio é o local destinado à circulação de pedestres, não por seu tamanho, mas porque inserido em um canto da própria saída de veículos assim sinalizada. A foto traduz exata noção da importância que a ré confere aos seus consumidores, cujo acesso que lhes é destinado chega a ser inconcebível para a lógica dos próprios consumidores pedestres. Não é a toa que as fotos retratam vários deles passando ao lado do acesso, justamente por sobre o acesso dos veículos. E o funcionário a serviço da ré, como se vê na foto de fl. 18, permanece impassível diante de uma criança e de sua mãe retirando-se do local, desavisadamente, pelo acesso veicular.
4. A falta de informação e de advertência ao consumidor, a desídia na fiscalização relativa à segurança dos pedestres, a inadequação e impropriedade daquilo que a ré intitula de acesso de pedestres, levam à imputação da responsabilidade objetiva frente ao dano experimentado pela autora. A culpa do consumidor somente eximiria tal responsabilidade caso fosse exclusiva, o que, evidentemente, não é o caso dos autos.
5. A agressão à incolumidade física da pessoa, inquestionavelmente, traduz ofensa de cunho moral, por violação a direito de personalidade. Uma senhora de 68 anos, que tem o pé preso entre dois canos de ferro e por isso sofre uma queda, vindo a fraturar o pulso e a lesionar o rosto, a toda evidência, deve ser compensada com quantia de maior relevância do que aquela conferida na sentença. Não se olvida o fato de que mora sozinha, segundo alega, e que um braço imobilizado, para alguém na terceira idade, incute sofrível convalescença. Sem contar a dor, o trauma e todas as nuances que permeiam episódios dessa ordem.
6. Assim considerando, deve ser majorada a condenação por dano moral ao principal de R$ 5.000,00(cinco mil reais), a ser corrigido pelo IGP-M a contar da presente data e acrescido de juros de 1% ao mês da data do fato danoso (2.3.2006).
PROVIDO O RECURSO DA AUTORA.
IMPROVIDO O RECURSO DA RÉ.


Recurso Inominado

Segunda Turma Recursal Cível – jec
Nº 71001168624

Comarca de Porto Alegre
TEOTONIA CARDOSO DE OLIVEIRA

RECORRENTE/RECORRIDa
WMS SUPERMERCADOS BRASIL S.A

RECORRIDO/RECORRENTE

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Juízes de Direito integrantes da Segunda Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA e NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ.
Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores Dra. Maria José Schmitt Sant Anna e Dr. Eduardo Kraemer.
Porto Alegre, 28 de fevereiro de 2007.


DR.ª MYLENE MARIA MICHEL,
Presidente e Relatora.

RELATÓRIO
(Oral em Sessão.)

VOTOS
Dr.ª Mylene Maria Michel (PRESIDENTE E RELATORA)

Dou provimento ao recurso da autora, para majorar o principal condenatório. Nego provimento ao recurso da ré, confirmando os fundamentos da sentença, com os acréscimos e alterações constantes da ementa supra.
Sucumbência pela ré recorrente, com honorários de 20% sobre o valor da condenação.
É o voto.


Dra. Maria José Schmitt Sant Anna - De acordo.
Dr. Eduardo Kraemer - De acordo.

DR.ª MYLENE MARIA MICHEL - Presidente - Recurso Inominado nº 71001168624, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ. UNÂNIME.."


Juízo de Origem: 2.JUIZADO ESPECIAL CIVEL PORTO ALEGRE - Comarca de Porto Alegre
[1] Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

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produto alimentício com prazo de validade vencido. mal-estar (náuseas, vômitos, dor de estômago) causado pela ingestão do produto.

ação de reparação por danos morais. ACIDENTE DE CONSUMO. produto alimentício com prazo de validade vencido. mal-estar (náuseas, vômitos, dor de estômago) causado pela ingestão do produto. caso em que não se sustenta a decisão exarada na origem, de extinção do feito sem resolução de mérito, com fulcro no art. 40, inc. II, da lei nº 9.099/95. processo suficientemente instruído. julgamento de plano pelo colegiado. INOCORRÊNCIA DE EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO COMERCIANTE. recurso parcialmente provido para levantar o decreto extintivo e, no mérito, reconhecendo a ocorrência do DANO MORAL puro (“IN RE IPSA”), fixar a reparação em patamar inferior ao postulado na inicial.


Recurso Inominado

Segunda Turma Recursal Cível - jec
Nº 71001215524

Comarca de Uruguaiana
CLECI VAZ DE ANDRADE

RECORRENTE
SUPERMERCADO SIMONE LTDA

RECORRIDO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Juízes de Direito integrantes da Segunda Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores Dr. Eduardo Kraemer e Dr. Clóvis Moacyr Mattana Ramos.
Porto Alegre, 18 de abril de 2007.


DR.ª MYLENE MARIA MICHEL,
Relatora.

RELATÓRIO
(Oral em Sessão.)

VOTOS
Dr.ª Mylene Maria Michel (RELATORA)

A autora, ao apresentar o cupom de compra do produto (fl. 08) e o pote plástico do doce parcialmente consumido (a própria julgadora menciona, na fl. 57, 1º parágrafo, a embalagem “com tampa de doce de pêssego cremoso, marca CBS”, embora o receptáculo não tenha subido com os autos), fez a prova que lhe era possível no sentido de indicar o prazo vencido da mercadoria. Tenho, por outro lado, que não se encontra amparado por prova escorreita o argumento defensivo, de que “o produto alegado pela autora não pertencia ao estoque de venda da empresa ré, pois os produtos da marca CBS com a codificação de barra descrita na inicial e demonstrada na nota fiscal (doc. acostado) venceriam apenas em setembro de 2006.”. Restou insatisfeita a condição de que fala o art. 333, inc. II, do Código de Processo Civil.
Tudo leva à conclusão de que o produto adquirido pela recorrida apresentava-se impróprio ao consumo, uma vez estando com o prazo de validade expirado em aproximadamente dois meses. Não apresentou a segurança que dele era esperado.
Ao contrário do que aduz o comerciante na contestação, que os sintomas sofridos pela autora “são exatamente os sintomas apresentados por quem sofre dessas alterações secundárias causadas pela hipoglicemia”, (fl. 41, 3º parágrafo), a consumidora aduziu na inicial ter experimentado “muita dor de estômago, náusea, vômitos” (fl. 02), nada a ver, portanto, com os sintomas da hipoglicemia que o recorrido elencou na fl. 41, tais como visão turva, pensamento lento, formigamentos, dificuldade de concentração etc.
Evidente, portanto, que a sintomatologia dada a conhecer nos autos (roborada pela prova documental nas fls. 19/23), guarda relação com o consumo de alimento em condições impróprias, e não com o quadro de hipoglicemia apresentado pela consumidora. De qualquer maneira, restando consubstanciado o vencimento do produto, o dano moral é presumido, porquanto configurado “in re ipsa”, nos termos do aresto cuja ementa transcrevo a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ALIMENTO COM PRAZO DE VALIDADE VENCIDO. PROBLEMAS ESTOMACAIS. ACIDENTE DE CONSUMO. FATO DO PRODUTO. DEVER DE QUALIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL IN RE IPSA. INOCORRÊNCIA DE EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO COMERCIANTE. QUANTUM INDENIZATÓRIO. A venda de alimento com prazo de validade vencido, que causa sérios danos à saúde do consumidor, configura acidente de consumo por defeito do produto, uma vez que este não ofereceu a segurança que dele podia legitimamente se esperar. A mais nova e moderna doutrina aponta o dever de qualidade nas relações de consumo como um dos grandes nortes instituídos pelo código de defesa do consumidor. Considerando-se a aplicação da legislação especial ao caso em tela, impõe-se a responsabilização do fornecedor na forma objetiva, o que significa a dispensa da prova de culpa para restar evidenciado o dever de indenizar, bastando a existência do dano e do nexo de causalidade. Não pode o consumidor ser responsabilizado de forma concorrente pela grave negligência praticada pelo comerciante, ao manter em suas prateleiras e comercializar produto com prazo de validade vencido há mais de vinte dias, considerando também a condição de hipossuficiente do consumidor na relação de consumo. Mesmo porque, segundo ensinamento de Carlos Roberto Gonçalves, na obra responsabilidade civil, Editora Saraiva, 2003, pág.31: ‘só se admite como causa exonerativa da responsabilidade a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, não a culpa concorrente, adotando-se o mesmo sistema do decreto legislativo n. 2.681, de 1912, que trata da responsabilidade das estradas de ferro.’
(...)
APELO PARCIALMENTE PROVIDO.
(Apelação Cível Nº 70011135241, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 18/05/2005)


Assim, restando caracterizado o vencimento da data de validade do produto comestível, bem como o fato de que a autora apresentou problemas estomacais logo após consumi-lo, necessitando ser medicada e realizar exame endoscópico, tem-se que o mesmo deixou de apresentar a segurança que dele era esperado, colocando em risco a integridade física (a saúde) da consumidora. Caracterizado o acidente de consumo pelo fato do produto, modo a ensejar a responsabilização do estabelecimento demandado - na condição de fornecedor -, nos termos do artigo 18, “caput” e seu §6º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. Verbis:

Art. 12 - O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§ 1º - O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - sua apresentação;
II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi colocado em circulação.
§ 2º - O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.
§ 3º - O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Art. 13 - O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:
I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;
III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Responde o recorrido, nos termos do CDC, de forma objetiva, sendo desnecessária a prova da culpa, porquanto suficiente a existência do dano e o nexo causal para que exista o dever de reparação. A rigor, sequer seria exigível que a irresignada demonstrasse o consumo do alimento; competia-lhe – ônus do qual se desincumbiu – a prova da compra do produto com a validade vencida, sendo presumível, portanto verossímil, a ingestão. Completamente despiciendo e equivocado o entendimento de que que seria necessário providenciar laudos médicos/periciais para apurar o nexo causal.
No que tange aos danos morais, considerando que estes se deram na modalidade “in re ipsa”, sem que se perquira sobre a real extensão dos mesmos (as circunstâncias do fato é que lhes configuram), tenho que não autorizam deferimento de verba muito elevada, mesmo para os parâmetros do JEC. Suficientemente reparatória, na espécie, a quantia de R$ 3.000,00.
Julga-se o mérito de plano, na esteira do art. 515, § 3º, do CPC, uma vez que o processo se encontra suficientemente instruído.
Comporta parcial reforma, ante o exposto, a r. sentença recorrida.

Voto pelo parcial provimento do recurso, no sentido de levantar o decreto extintivo e, no mérito, condenar o réu a indenizar a autora em R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de dano moral, valor a ser corrigido monetariamente pelo IGP-M da data do ajuizamento, acrescido de juros legais de 1% ao mês da citação.
Sem sucumbência, na exegese do art. 55, da Lei nº 9.099/95.


Dr. Eduardo Kraemer - De acordo.
Dr. Clóvis Moacyr Mattana Ramos - De acordo.

DR.ª MYLENE MARIA MICHEL - Presidente - Recurso Inominado nº 71001215524, Comarca de Uruguaiana: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME."


Juízo de Origem: 1. VARA CIVEL URUGUAIANA URUGUAIANA - Comarca de Uruguaiana

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extintor de incêndio defeituoso. falta de pressão. destruição parcial do veículo.

ação de reparação de danos. acidente de consumo. extintor de incêndio defeituoso. falta de pressão. destruição parcial do veículo. inexistência de complexidade da causa. impertinência da perícia requerida. prova oral a sustentar a tese do autor.
1. Não se mostra oportuna a realização de perícia, para a verificação de lacre e de pressão em extintor de incêndio, após a utilização deste em incêndio ocorrido em automóvel. Tendo sido o equipamento utilizado, embora defeituosamente, a reconstituição dos fatos só é possível de forma indiciária, o que possível através de prova testemunhal.
2. Tratando-se de extintor de incêndio que se encontrava no prazo de validade e que havia sido comprado há menos de trinta dias, não há como afirmar tenha o autor concorrido negligentemente, por não se certificar das boas condições desse equipamento de uso obrigatório, já que ao fabricante e ao comerciante se impõe a obrigação primeira de verificar a idoneidade do produto vendido, mormente dele dependendo a segurança do consumidor.
Sentença confirmada por seus próprios fundamentos.
Recurso improvido.

Recurso Inominado

Primeira Turma Recursal Cível
Nº 71001117217

Comarca de Igrejinha
COMERCIO DE EXTINTORES GAUCHO LTDA

RECORRENTE
COMERCIAL DE COMBUSTIVEIS ALBERTON LTDA

RECORRENTE
VALERIO EDINGER

RECORRIDO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Juízes de Direito integrantes da Primeira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Dr. Heleno Tregnago Saraiva e Dr. João Pedro Cavalli Júnior.
Porto Alegre, 19 de abril de 2007.


DR. RICARDO TORRES HERMANN,
Relator.

RELATÓRIO
(Oral em Sessão.)

VOTOS
Dr. Ricardo Torres Hermann (RELATOR)
A sentença merece ser confirmada por seus próprios fundamentos, o que se faz na forma do disposto no art. 46, da Lei nº 9.099/95 que assim estabelece: O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.
Aduzo, em respeito às razões de recurso, as seguintes considerações.
Não prospera a preliminar de incompetência deduzida, porque seria necessária a realização de perícia, a fim de verificar a pressão do extintor de incêndio e se o mesmo possuía lacre.
Ora, tendo o equipamento sido utilizado, mesmo que de forma defeituosa, por certo que o lacre foi rompido e o mecanismo foi acionado, prejudicando eventual exame que pudesse pretender reconstituir as condições anteriores à sua utilização. Assim sendo, impertinente seria a realização de perícia com tal propósito, sendo os dados indiciários ainda existentes apuráveis por prova testemunhal, como corretamente conclui o Julgador Singular.
No mérito, também não merece qualquer reparo a decisão.
As testemunhas, embora não compromissadas, são uníssonas em asseverar que o extintor de incêndio, comprado a há menos de um mês do dia do acidente, não funcionou na hora em que o autor tentou conter o incêndio verificado em seu veículo, o que acarretou a perda quase que completa de tal bem.
E, tratando-se de extintor de incêndio que se encontrava no prazo de validade e que havia sido comprado há menos de trinta dias, não há como afirmar tenha o autor concorrido negligentemente, por não se certificar das boas condições desse equipamento de uso obrigatório, já que ao fabricante e ao comerciante se impõe a obrigação primeira de verificar a idoneidade do produto vendido, mormente dele dependendo a segurança do consumidor.
Voto, pois, no sentido de negar-se provimento ao recurso, condenando os recorrentes ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do patrono do autor que fixo em 20% sobre o valor da condenação.


Dr. Heleno Tregnago Saraiva - De acordo.
Dr. João Pedro Cavalli Júnior - De acordo.

DR. RICARDO TORRES HERMANN - Presidente - Recurso Inominado nº 71001117217, Comarca de Igrejinha: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."


Juízo de Origem: VARA IGREJINHA IGREJINHA - Comarca de Igrejinha

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Acidente em estádio de futebol, onde um torcedor caiu sobre uma torcedora, que restou paraplégica.

Apelação cível. Ação de indenização por danos materiais e morais. Acidente em estádio de futebol, onde um torcedor caiu sobre uma torcedora, que restou paraplégica. Acidente de consumo que impõe responsabilidade objetiva do clube de futebol. Responsabilidade legal do próprio torcedor, que, alcoolizado, subiu na mureta e caiu, dando causa direta ao evento, sendo condenado criminalmente por isso. Ausência de responsabilidade do Estado do Rio Grande do Sul, não demonstrada a sua omissão, bem como da Federação Gaúcha de Futebol, que não tem ingerência sobre tal aspecto relativo à segurança dos estádios de futebol. Readequação dos encargos de sucumbência e do modo de cálculo e composição da dívida. Inexistência de obrigação regressiva do Estado do Rio Grande do Sul em face do clube de futebol, não sendo cabível a denunciação da lide. Agravo retido desprovido. Apelo da autora provido em parte. Apelo da ré Federação Gaúcha de Futebol provido. Apelo do réu Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense provido em parte. Apelo do réu Marco Antônio Boizonave desprovido. Sentença declarada de ofício.

Apelação Cível

Sexta Câmara Cível – Regime de Exceção

Nº 70012669123

Comarca de Porto Alegre
MARCO ANTONIO BOIZONAVE

APELANTE / APELADO
MARIA JOSé APARECIDA DE MENDONCA

APELANTE / APELADO
GRêMIO FOOT-BALL PORTO ALEGRENSE

APELANTE / APELADO
FEDERAçãO GAúCHA DE FUTEBOL

APELANTE / APELADO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

APELADO


ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Sexta Câmara Cível - Regime de Exceção do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao agravo retido, dar parcial provimento ao apelo da autora, dar provimento ao apelo da ré Federação Gaúcha de Futebol, dar parcial provimento ao apelo do réu Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, negar provimento ao apelo do réu Marco Antônio Boizonave e declarar a sentença de ofício.
Custas na forma da lei.
Porto Alegre, 26 de abril de 2007.


DR. NEY WIEDEMANN NETO,
Relator.


DES. OSVALDO STEFANELLO,
Presidente e Revisor


DES. ARTUR ARNILDO LUDWIG,
Vogal.


RELATÓRIO
Dr. Ney Wiedemann Neto (RELATOR)

MARIA JOSÉ APARECIDA DE MENDONÇA ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra MARCO ANTONIO BOIZONAVE, GRÊMIO FOOT-BALL PORTO ALEGRENSE, FEDERAÇÃO GAUCHA DE FUTEBOL e ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, alegando que, em 20 de dezembro de 1992 quando assistia um “GRENAL”, nas arquibancadas sociais do Estádio Olímpico, o réu MARCO, alcoolizado, no mesmo local, porém, nas cadeiras cativas, ala social, na parte superior do estádio, exatamente acima de onde se encontrava a autora, subiu na mureta de proteção, caindo sobre as costas da demandante, causando-lhe enormes danos físicos. Aduziu que em função do acidente sofreu fratura na coluna ficando paraplégica. Discorreu sobre os fundamentos da responsabilidade civil de cada um dos réus. Referiu todas as dificuldades que vem passando com perda de emprego, gastos com tratamentos médicos e necessidades materiais decorrentes da invalidez. Postulou a condenação dos requeridos ao pagamento de indenização pelos danos morais e materiais que especificou.
Marco Antonio Boizonave contestou, às fls. 98-117, referindo ausência de culpa pelo acidente, pois também se considerou vítima. Frisou que não estava embriagado na ocasião, mas havia ingerido uma lata de cerveja.
Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense contestou, pedindo a denunciação da lide do Estado do Rio Grande do Sul e do réu Marco Antonio Boizonave. No mérito, disse ser só da Brigada Militar a responsabilidade pela segurança do estádio. Alegou ausência de irregularidades no Estádio Olímpico Monumental, já que a mureta que o torcedor se dependurou não era destinada a servir de passarela.
Federação Gaúcha de Futebol contestou, alegando a ausência de responsabilidade com relação ao evento danoso, já que este ocorreu fora do âmbito de sua competência.
O Estado do Rio Grande do Sul contestou, às fls. 236-256, alegando que em nada concorreu para a ocorrência do evento danoso. Frisou que o fato de ter sido o Estado chamado a prestar segurança no evento, a pedido de seus organizadores, não significava objetivamente que fosse responsável por todos os incidentes ocorridos.
O juiz, à fl. 314, indeferiu o pedido de denunciação do Estado, feita pelo Grêmio, o qual apresentou agravo retido, às fls. 325-337.
A autora, às fls. 410-450, postulou antecipação de tutela para o deferimento de pensão mensal devido a dificuldades financeiras. O juiz deferiu a antecipação nas fls. 452-453, para ser adimplida pelos réus MARCO e GRÊMIO, no valor mensal de R$ 1.000,00. A decisão foi mantida pelo TJRS em agravo de instrumento.
Houve instrução processual, com coleta de prova oral e pericial.
Sobreveio sentença, às fls. 841-850, proferindo o seguinte dispositivo:

Isso posto, acolho a preliminar de ilegitimidade do Estado do R.G.S. para excluí-lo do pólo passivo da demanda, nos termos do inciso I do artigo 269 do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS proposta por MARIA JOSÉ APARECIDA DE MENDONÇA contra o GRÊMIO FOOT-BALL PORTO ALEGRENSE, MARCO ANTONIO BOIZANAVE e a FEDERAÇÃO GAÚCHA DE FUTEBOL reconhecendo a responsabilidade solidária dos requeridos pela ocorrência do evento danoso, condenando-os no pagamento de:
1-Indenização pela incapacidade laboral da autora, através de uma pensão mensal equivalente a 4,72 salários mínimos no valor vigente na data do pagamento. Incidindo no montante apurado juros compostos desde a data do evento danoso. Sem correção monetária, pois a indenização foi fixada em salários mínimos no valor vigente na data do pagamento;
2-Uma pensão a título de gastos necessários com medicamentos, tratamentos médicos, psicológicos e de fisioterapia na autora, cujo montante será apurado em liquidação por artigos;
3-Todos os gastos com medicamentos e tratamento médico-hospitalar da autora, em razão da ocorrência do evento danoso (documentos das fls. 43 a 61). Os valores apurados na análise dos documentos dos autos serão corrigidos monetariamente pelo índice IGP-M, desde a data do seu desembolso, e acrescidos de juros compostos desde a data do evento danoso (20/12/1992). O montante devido será apurado em liquidação de sentença por arbitramento;
4-Indenização por dano moral a ser paga por cada um dos requeridos, no equivalente a 200 (duzentos) salários mínimos no valor vigente na época do pagamento, montante acrescido de juros compostos incidentes desde a data do evento danoso.
5-Indeferido o pedido de constituição de um fundo de pensão sobre a indenização pleiteada nos autos, pois não comprovada a situação de insolvência civil dos requeridos.
6-Na apuração do montante devido pelos requeridos serão descontados os valores já recebidos pela autora a título de antecipação de tutela e a doação feita pela FEDERAÇÃO GAÚCHA do aparelho “ARGO”.
Considerando a sucumbência da autora e dos requeridos MARCO ANTONIO, GRÊMIO e da FEDERAÇÃO GAÚCHA, na proporção de 2/6 para a autora e de 4/6 para os requeridos, condeno-os no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do Procurador do Estado e de ambas as partes, ora arbitrados em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da condenação, sem possibilidade de compensação da verba honorária, considerando na sua fixação os parâmetros estabelecidos nas alíneas “a”, “b” e “c” do parágrafo 3º do art. 20 do CPC. Suspendo a exigibilidade do pagamento dos ônus sucumbenciais pela autora e pelo requerido MARCO ANTONIO, pois lhes concedo o benefício da A.J.G.

A autora interpôs embargos de declaração às fls. 854-856, os quais foram acolhidos parcialmente, à fl. 857, para determinar o percentual de 6% ao ano aos juros de mora e referir acerca da vitaliciedade da pensão de 4,72 salários mínimos.
O réu Marco Antônio Boizonave apresentou apelação, às fls. 859-865, postulando a reforma da sentença. Referiu que não praticou qualquer ato capaz de resultar em queda. Disse que na qualidade de consumidor, decorrente da aquisição do ingresso para o espetáculo esportivo, teria também o direito de ser protegido da falta de segurança do estádio, ou, ainda, de si mesmo.
A autora apelou, às fls. 873-881, postulando a condenação do Estado do Rio Grande do Sul e a readequação dos honorários advocatícios.
Apelou o réu Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, pedindo o julgamento do agravo retido interposto com relação ao pedido de denunciação da lide ao Estado do Rio Grande do Sul. Referiu a ausência de responsabilidade por não ter contratado seguranças particulares. Impugnou a condenação ao pagamento de juros compostos por não ter suporte legal.
A Federação Gaúcha de Futebol apelou, às fls. 903-910, referindo inexistir qualquer dever seu de ingerência na segurança do estádio de futebol.
Foram apresentadas as contra-razões das partes nas fls. 919-965.
O Ministério Público de 2º Grau, às fls. 970-984, opinou pelo desprovimento de todos os recursos.
Subiram os autos, com distribuição ao Exmo. Sr. Des. Artur Arnildo Ludwig, que determinou a redistribuição, em 28.04.2006, em virtude da portaria nº 09/2006, que instaurou regime de exceção para esta Câmara.
Após tal determinação, vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.



VOTOS

Dr. Ney Wiedemann Neto (RELATOR)
Destaco o exame dos recursos.
1. APELO DA AUTORA.
1.1. Improcedência do pedido para o Estado do R.G.S.
O caso telado é de responsabilidade subjetiva, e não objetiva, já que o fato envolve uma suposta omissão do Estado, e não uma conduta positiva. O Estado não foi negligente na medida em que estava presente no local, atuando na preservação da ordem. Os policiais haviam abordado o réu Marco, o qual, durante a ação policial, acabou por subir na mureta e cair na ala inferior do estádio. A prova oral colhida judicialmente não fornece maiores elementos de convicção no sentido de que teria o Estado tido possibilidade de impedir o acidente, e, tampouco, atuar na hipótese como garantidor universal, não servindo a teoria do risco integral para amparar a pretensa condenação reclamada pela autora. Ainda, o acidente ocorreu em 1992, não cabendo invocar o disposto na Lei nº 10.671/2003 – Estatuto do Torcedor – que refere no art. 14 a responsabilidade pela segurança da entidade mantenedora do mando de jogo, que deve solicitar segurança ao poder público. Essa lei, além de não retroagir, em nada altera o suporte fático da situação diante da ausência de omissão estatal, como já referido.

1.1.1. Responsabilidade subjetiva.
A responsabilidade civil se divide em objetiva e subjetiva. A responsabilidade civil objetiva tem amparo constitucional no artigo 37, §6º, da Magna Carta e se refere ao tipo de responsabilidade em que a culpa não é auferida e nem importante, exigindo tão-somente o fato do serviço. Já a responsabilidade civil subjetiva, baseada na culpa ou dolo, não está englobada no dispositivo constitucional, mas incide toda a vez que haja omissão por parte do ente público obrigado a agir no caso concreto. No que diz respeito a este processo cabe mencionar que não ocorreu falta do serviço ou falha do serviço ou culpa do serviço. Muito pelo contrário, os policiais estavam em serviço e atuando conforme o padrão de empenho exigido na situação. Dessa forma, não há que se falar em responsabilidade subjetiva porque não ocorreu omissão alguma que pudesse caracterizar a culpa estatal. Ademais, como para esta modalidade de responsabilidade é necessária a averiguação de culpa, em não havendo negligência, imprudência ou imperícia, não há o que se condenar, ou melhor, a quem se condenar. Os policiais da Brigada Militar, no contexto da partida de futebol, tentaram conter a ação do torcedor, o réu Marco, mas pela atitude irresponsável do próprio torcedor e pela falta de proteção do estádio, o acidente aconteceu.

1.2. Honorários advocatícios.
Tem razão a autora quando pede que o Tribunal modifique a sistemática para quantificação dos honorários advocatícios, que na sentença não restou clara. Foram fixados em 15% sobre o valor da condenação, sem maiores esclarecimentos. Não se sabe no que consiste tal condenação, se engloba ou não as parcelas que se venceram após a sentença, o que seria vedado pela Súmula nº 111 do STJ, por exemplo. Tampouco os honorários têm liquidez, já que há duas rubricas que pendem de liquidação, uma inclusive por artigos. Assim, os honorários devem ser tornados líquidos e a única forma possível é pelo arbitramento em reais, pela exegese conjunta dos parágrafos 3º e 4º do art. 20 do CPC. Em face do zelo profissional dos advogados da autora, a duração da causa (mais de doze anos), a complexidade, e o valor da condenação, arbitro os honorários advocatícios em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), com correção monetária pelo IGP-M a contar da data deste julgamento.

2. APELO DO RÉU MARCO ANTONIO BOIZONAVE.

2.1. Ausência de responsabilidade civil.
O réu MARCO é o causador direto do dano. Foi condenado criminalmente, por lesões corporais culposas. A sentença penal condenatória transitou em julgado (fls. 804 e s.). A responsabilidade dele é, portanto, legal (art. 1.525 do CC de 1916). A condenação criminal importa em obrigação de reparar o dano civilmente. O réu MARCO, portanto, não tem possibilidade de não ser condenado. As alegações de que foi vítima de uma situação, que o estádio não era seguro ou que tinha que ser protegido de si mesmo, porque estava alcoolizado, são irrelevantes. Por fim, o réu MARCO explicou que é pobre e sem condições de pagar as indenizações a que foi condenado, motivo pelo qual nem possui interesse em discutir os valores. Esse último aspecto seria o único no qual teria ele interesse de recorrer, já que a sua obrigação de indenizar é inarredável. Diante disso, seu apelo não tem o menor cabimento.

3. APELO DA RÉ FEDERAÇÃO GAÚCHA DE FUTEBOL.

3.1. Ausência de nexo causal entre o acidente e a atuação da Federação.
A atuação da FGF está relacionada com a organização e fiscalização do campeonato de futebol. Tem relação com a escalação de árbitros e fiscalização do cumprimento dos regulamentos nos certames. Porém, nada há de concreto a definir que a Federação tenha responsabilidade, ainda que indireta, por um acidente ocorrido em um estádio de futebol, mesmo que durante partida de campeonato por ela administrado. A solidariedade não se presume e, mesmo sob a ótica da relação consumeirista, não consigo perceber a FGF como um dos fornecedores da relação de consumo que levou a autora ao estádio de futebol. Na jurisprudência de nossa Corte, há condenações da FGF na devolução do preço de ingressos de uma partida de futebol entre Brasil e Argentina, onde foram vendidos mais ingressos do que a lotação permitida do estádio Beira-Rio. Aqui, não obstante, a situação é diversa e não vejo ingerência ou possibilidade de controle da FGF sobre a segurança dos estádios, que é responsabilidade direta do clube de futebol, o que agora já está pacificado pelo Estatuto do Torcedor, lei que na época ainda não existia.

3.2. Readequação da sucumbência.
Julgo improcedente o pedido da autora contra a Federação Gaúcha de Futebol, suportando a primeira os honorários do advogado desta ré, que arbitro em R$ 5.000,00, com correção pelo IGP-M a contar da data deste julgamento, cuja exigibilidade fica suspensa por gozar de AJG.

4. APELO DO RÉU GRÊMIO FOOT-BALL PORTO ALEGRENSE.
4.1. Agravo retido.
O agravo retido deve ser desprovido, por dois motivos. Primeiro porque a sentença julgou improcedente o pedido contra o Estado do Rio Grande do Sul, entendendo que, por se tratar de responsabilidade subjetiva, era necessária a comprovação da omissão estatal, o que não ocorreu. Em meu voto, estou confirmando a sentença nesse aspecto. Não há direito de regresso do Grêmio se o Estado do R.G.S. não tem responsabilidade. Segundo porque a hipótese ventilada não se enquadra em nenhuma das hipóteses do art. 70 do CPC. Acrescento que o mesmo raciocínio (segunda hipótese) vale quanto ao pedido de denunciação da lide feito pelo Grêmio ao réu Marco, embora não tenha sido expressamente reiterado no presente recurso.

4.2. Pedido de condenação do Estado do R. G. S.
No julgamento do apelo da autora, já manifestei os fundamentos para confirmar a sentença na parte que julgou o pedido improcedente para o Estado do R.G.S., cuja responsabilidade era subjetiva, não havendo provas de conduta omissiva. Aqui, reporto-me ao teor de tal entendimento já esposado.

4.3. Ausência de responsabilidade civil do Grêmio.
Sem razão o apelante quando imputa ao Estado a responsabilidade, procurando interpretar o Estatuto do Torcedor, que sequer existia na época, não retroagindo ao fato, além do que o art. 14 da mencionada Lei é claro ao estabelecer a responsabilidade direta do clube pela segurança no estádio. Sobre as condições físicas do estádio, estavam aquém do mínimo exigido pela Lei Complementar nº 284/92, quanto à altura do peitoril de onde o réu Marco caiu. Depois disso o clube retirou a primeira fila de cadeiras e aumentou a altura do peitoril com um corrimão, aumentando a segurança. De qualquer modo, é objetiva a responsabilidade do Grêmio, por ser o proprietário do estádio em que aconteceu o acidente durante partida envolvendo o seu próprio time, onde havia cobrado ingresso para a entrada dos torcedores. Aplica-se, no caso, o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Nesse sentido:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL E MATERIAL. TUMULTO EM ESTÁDIO DE FUTEBOL. LESÃO CORPORAL EM TORCEDOR. A Lei nº 10.671/03 (Estatuto de Defesa do Torcedor) foi editada em complementação à Lei nº 8.078/90, razão pela qual as respectivas normas devem ser aplicadas em conjunto. Por conseqüência, a responsabilidade da entidade desportiva, por danos causados ao torcedor, é objetiva, a teor do art. 14 do CDC. Havendo prova de que o serviço foi mal prestado, do dano e do nexo de causalidade, há o dever de reparação. Falha na prestação do serviço que está consubstanciada na venda excessiva de ingressos aos torcedores do time adversário e da visível desorganização do clube diante dessa situação. Lucros cessantes que precisam ser apurados com amparo em critérios razoáveis, na busca de uma indenização justa, a partir da prova produzida. Art. 402 do novo CC. Valor da reparação do dano moral mantida. Responsabilidade que, no caso, é contratual, incidindo, os juros moratórios, a partir da citação. Art. 219 do CPC. Agravo retido não conhecido e apelo provido em parte. (Apelação Cível Nº 70010299618, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leo Lima, Julgado em 10/03/2005)

RESPONSABILIDADE DO CLUBE DEMANDADO. CDC. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. TORCEDOR DA CORÉIA LANÇADO NO FOSSO EM MOMENTO DE EUFORIA DA TORCIDA DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. QUANTUM. É responsável o Clube pela segurança dos torcedores que, mediante pagamento de ingresso, acorreram ao estádio para assistir à partida de futebol. Tal responsabilidade, tratando-se de prejuízos causados pela falha na segurança, é objetiva, nos moldes preceituados no art. 14 do CDC, que diz com a responsabilidade objetiva do fornecedor por defeitos no fornecimento de produtos ou na prestação de serviço. O acidente descrito na inicial e suas conseqüências restaram devidamente comprovados nos autos, pelas provas testemunhais, documentais e fotográficas acostadas, não vingando a tese do demandado, reiterada em razões recursais, de que não houve comprovação que o infortúnio ocorrera nas dependências do Clube. Valor da reparação que vai reduzido para importância compatível com a grandeza do ocorrido. APELO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDO. IMPROVIDO O DO AUTOR. (Apelação Cível Nº 70014192389, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 08/06/2006)

APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ASSALTO E LESÕES CORPORAIS PERPETRADAS EM ESTÁDIO DE FUTEBOL. DANO MORAL. FALHA NA SEGURANÇA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ENTIDADE DESPORTIVA. LEI 10.671/03 E LEI 8.078/90. 1. O autor busca ser indenizado pelos danos materiais e morais sofridos em razão de ter sido agredido fisicamente por cinco assaltantes dentro do Estádio Olímpico, durante a realização de um jogo de futebol Gre-Nal. 2. São aplicáveis ao caso as Leis° 10.671/03 - Estatuto de Defesa do Torcedor - e a Lei n° 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor -. Como se vê do texto dos artigos 3º e 14 da Lei n° 10.671/03, o Estatuto do Torcedor faz expressa remissão ao microssistema consumeirista, equiparando a entidade responsável pela organização da competição ao fornecedor. 3. A responsabilidade pela segurança do torcedor durante a realização de evento esportivo é da entidade detentora do mando de jogo. E tal responsabilidade, tratando-se de prejuízos causados pela falha na segurança, é objetiva, ensejando a aplicação, além das regras específicas do Estatuto do Torcedor, do disposto nos arts. 12 a 14 do CDC, que dizem, por sua vez, com a responsabilidade - objetiva - do fornecedor por defeitos no fornecimento de produtos ou na prestação de serviço. 4. E não há falar que a mera solicitação de segurança ao Poder Público (art. 14, I, da Lei n° 10.671/03), pela entidade desportiva, transfere a responsabilidade pela segurança ao Estado. A solicitação de segurança ao Estado é um dos deveres da entidade desportiva, que lhe é imposto justamente por ser sua ¿ e isto decorre de expressa imposição legal (caput do art. 14 da Lei antes mencionada) - a responsabilidade pela segurança durante a realização do evento. 5. Considerando que um evento esportivo de grande porte reúne enorme contingente de pessoas, de todos os meios sociais e culturais e com os mais diversos "ânimos", qualquer tipo de ilícito que ocorra no local é, sim, previsível. Não se pode afastar a hipótese de que, durante um jogo de futebol, ocorram roubos, furtos e lesões corporais, dentre outras infrações. Daí a incorreção em concluir-se que o fato ocorrido com o autor consistiu em caso fortuito. Ora, se era previsível e provável que fatos desta espécie ocorressem, e cabia ao réu promover a segurança do local, é a ele imputável a responsabilidade pelo dano perpetrado ao autor. 6. Ainda, mesmo tendo sido requisitada segurança ao Poder Público e estando esta efetivamente presente no estádio, se o ilícito ocorreu é de se concluir que a segurança prestada era insuficiente ou defeituosa, ensejando, assim, na forma do art. 19 da Lei n° 10.671/03, combinado com o art. 14 da Lei n° 8.078/90, o dever de indenizar da entidade desportiva. 7. O autor, muito embora tenha alegado prejuízo material, consistente em despesas com médicos e medicamentos, não declina o montante do dano, nem comprova que efetivamente tenha se produzido. Improcede, pois, o pedido de ressarcimento de dano material. 8. O dano moral, por sua vez, está ínsito na própria ofensa, configurando-se, neste caso, in re ipsa. O fato de o autor ter sofrido grave agressão física, que lhe causou afundamento dos ossos da face e lhe impôs a necessidade de implantação de pinos e placas de metal no rosto, é, por si só, fato suficientemente idôneo a gerar abalo moral. 9. Considerando as peculiaridades do caso em tela, fixo o quantum indenizatório por danos morais em R$ 15.000,00, que deverão sofrer correção pelo IGP-M, desde esta data, e acréscimo de juros moratórios de 1% ao mês, desde a citação. PROVIDO EM PARTE O APELO. PREJUDICADO O RECURSO ADESIVO. (Apelação Cível Nº 70013709761, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Íris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 25/01/2006).

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAL E MATERIAL. CONFUSÃO EM SAÍDA DE ESTÁDIO DE FUTEBOL. 1. Restando evidenciado, nos autos, que o autor foi pisoteado em saída de estádio de futebol, após larga goleada do time visitante, o que ocasionou confusão generalizada na saída do jogo, merece ser julgado procedente o pedido inicial. 2. Se o réu agiu de forma imprudente, ao permitir a lotação do estádio em capacidade superior ao seu limite físico, responde pelos danos que advêm deste proceder. Lição doutrinária de José Dias de Aguiar. 3. A falta de segurança garantida ao público e aos participantes do jogo, uma vez que até o estádio foi depredado e os próprios atletas do réu tiveram sua integridade física ameaçada, caracteriza, de forma flagrante, negligência, dando ensejo à reparação de danos. 4. Dano moral, no caso, consubstanciado na falta de auxílio ao autor, que se submeteu a moroso tratamento de dois anos pelos SUS, quando a lesão, rompimento de ligamentos, poderia ser facilmente tratada pelo demandado em tempo muito inferior, ante a existência de notório departamento médico e ortopédico em suas dependências, havendo testemunha a declarar, inclusive, que o contexto repercutiu de forma negativa no casamento do autor, tendo este, inclusive, perdido o emprego em padaria. 5. Danos materiais, consistentes na aquisição de uma bengala, que devem ser indenizados. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70009420092, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 19/08/2004).

4.4. Readequação do valor da condenação.

4.4.1. Proporcionalidade.
Não tem aplicação o disposto no art. 944 do Código Civil de 2002, visto que o acidente aconteceu em 1992, não podendo a lei material retroagir. Além disso, não se discutem graus de culpa no caso em que a responsabilidade do Grêmio, proprietário do estádio e organizador do evento, é objetiva. Logo, a indenização, sendo solidária, deverá ser suportada no mesmo valor imposto ao réu Marco, causador direto do dano.

4.4.1.1. Readequação de ofício do fator de correção e solidariedade quanto à indenização por dano moral.
O valor arbitrado está correto, equivalente a 200 salários mínimos, ante a gravidade do fato, não havendo motivo algum para a sua redução. Apenas faço correção de dois erros materiais da sentença. Primeiro tal condenação deve ser solidária entre o Grêmio e Marco, e não 200 salários mínimos devidos por cada um. Segundo o salário mínimo não pode ser usado como fator de correção monetária. Há de se converter o valor em reais, pelo equivalente a 200 salários mínimos em março de 2005, com correção monetária pelo IGPM desde então. Os juros terão tratamento diferenciado, como adiante será explicitado. Nesses dois pontos, estou declarando de ofício a sentença.

4.4.2. Juros de mora.

4.4.2.1. Juros compostos.
Os juros compostos são juros capitalizados mês a mês e estavam previstos no art. 1.544 do Código Civil de 1916. Não há mais juros compostos a partir da entrada em vigor do novo Código Civil. Tem razão o Grêmio ao insurgir-se contra tal extensão condenatória da sentença. Aplico o disposto na Súmula nº 186 do STJ e excluo da condenação imposta ao Grêmio os juros compostos: “Nas indenizações por ato ilícito, os juros compostos somente são devidos por aquele que praticou o crime”.

4.4.2.2. Esclarecimento de ofício quanto aos juros compostos.
Declaro a sentença, de ofício, para esclarecer que o réu MARCO pagará os valores a que foi condenado com juros compostos, desde a data do acidente, mas os juros passarão a ser contados de forma simples, ou seja, não capitalizados, a partir de 11 de janeiro de 2003, quando entrou em vigor o novo Código Civil, que aboliu tal prática.

4.4.2.3. Esclarecimento de ofício quanto à taxa de juros.
Entendo oportuno fazer o devido esclarecimento acerca dos juros de mora. São eles da ordem de 6% ao ano (aplicável o art. 1.062 do CC de 1916, pela data do fato), até a data em que entrou em vigor o novo Código Civil. A partir daí, passam a ser de 1% ao mês, pela exegese do art. 406 do Código Civil de 2002, c/c art. 161, § 1º, do CTN. Nesse sentido, já há pronunciamento do nosso egrégio TJRS, consoante o acórdão proferido no julgamento da apelação cível nº 70006223473, da 2ª Câmara Cível, em que foi relator o eminente Desembargador Antônio Janyr Dall’Agnol Júnior. Subsidiariamente, invoco o magistério de WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA, na sua obra “Direito Intertemporal”, Ed. Forense, 1ª ed., 1980, p. 329, em que ensina que os juros moratórios subordinam-se ao princípio da incidência imediata da lei nova (ressalvadas as hipóteses de juros contratuais, que se subordinam ao princípio da sobrevivência da lei vigente ao tempo do nascimento da obrigação).

4.4.2.4. Termo inicial dos juros de mora para o Grêmio.
Diferentemente da situação do réu Marco, causador direto do dano sofrido pela autora e autor do ato ilícito, a responsabilidade do réu Grêmio é contratual. Por tal motivo, em relação ao Grêmio, os juros de mora são devidos somente a contar da citação, pela exegese do art. 219 do CPC. De qualquer sorte, importa manter a condenação ao pagamento de juros sobre todas as parcelas vencidas e as que se vencerem até o efetivo pagamento. Os juros não podem contar sobre os pagamentos mensais de pensão, quando adimplidos no tempo e modo corretos, hipótese em que não haverá a mora.

4.4.3. Termo final da condenação ao pensionamento. Esclarecimento de ofício.
Não tem razão o réu Grêmio ao reclamar que a condenação ao pagamento de uma pensão mensal equivalente a 4,72 salários mínimos não poderia ser ilimitada no tempo. A própria autora explicou que a pensão deveria ser concedida até a data de seu óbito, em caráter vitalício.
A doutrina de Rui Stoco é elucidativa quando aborda o tema, in verbis:
“Para o estabelecimento do termo ad quem ter-se-á de analisar o caso concreto, pois inexiste um critério padrão, posto que a pensão tanto poderá ser vitalícia quanto por tempo certo de duração (...).
Se a vítima sobrevive mas fica total ou parcialmente incapacitada para o trabalho, deve receber pensão vitalícia, ou seja, enquanto viver, sem qualquer limitação temporal.
E a razão é simples: se ela é incapaz hoje em razão do infortúnio, o será aos 25 anos de idade, bem como quando alcançar 65 anos.
Se hoje não tem condições de exercer uma atividade produtiva e remunerada, muito menos as terá quando estiver com idade mais avançada.
Ora, nada justifica estabelecer em tempo provável de vida àquele que necesitará para o resto de sua vida amparo mensal. A ficção não pode se sobrepor à realidade.”[1](grifo meu)

Outrossim, cito jurisprudência que bem ilustra o caso dos autos:
“A pensão fixada a título de indenização decorrente de acidente do trabalho deverá ser vitalícia e não somente até o autor completar 65 (sessenta e cinco) anos, caso em que seria devida aos beneficiários se o acidentado falecesse. (2º TACSP – 7ª C. – Ap. – Rel. Américo Angélico – j. 09.09.1997 – RT749/315)”

Então, declarando a sentença de ofício, esclareço que os valores concedidos à autora à título de pensão são vitalícios.





4.4.4. Abatimento dos valores antecipados pelo Grêmio.
Em sendo solidária a condenação dos réus, é elementar que os valores que desde 2003 o Grêmio já está pagando à autora, como antecipação de tutela, haverão de ser abatidos. Não há como determinar que tais pagamentos somente ao Grêmio aproveitem, e não ao co-réu Marco, visto que há solidariedade entre eles e não poderia a autora cobrar do outro o que do primeiro já recebeu.

4.4.5. Readequação da sucumbência.
Até por decorrência do arbitramento em reais, com relação aos honorários dos advogados da autora, toda a sucumbência neste processo deve ser retificada. A autora pagará 1/3 das custas e os réus Marco e Grêmio os 2/3 restantes (além dos honorários dos advogados da autora, já fixados em R$ 50.000,00). A autora pagará honorários ao advogado da FGV (que já foram arbitrados em R$ 5.000,00) e os honorários do Procurador do Estado, os quais arbitro em R$ 5.000,00, com correção pelo IGP-M a contar da data deste julgamento. Em face da autora e do réu Marco, está suspensa a exigibilidade dos ônus de sucumbência porque gozam de AJG. Não há compensação de honorários, ante a pluralidade de partes, onde não há sucumbência recíproca.

5. DISPOSITIVO DE VOTO.

Voto no sentido de negar provimento ao agravo retido, dar parcial provimento ao apelo da autora, dar provimento ao apelo da ré Federação Gaúcha de Futebol, dar parcial provimento ao apelo do réu Grêmio Foot-ball Porto Alegrense, negar provimento ao apelo do réu Marco Antônio Boizonave e declarar a sentença de ofício.

Des. Osvaldo Stefanello (PRESIDENTE E REVISOR)
Peço vista.

Des. Artur Arnildo Ludwig
Aguardo.

VISTA
Des. Osvaldo Stefanello (PRESIDENTE E REVISOR)
Eminentes Colegas, a complexidade e a relevância da causa me compeliram a pedir vista dos autos, mercê do extenso e fundamentado voto do Relator, ao efeito de um exame mais apurado dos argumentos e provas.
Então, após detida análise, cheguei a mesma conclusão construída de forma percuciente pelo nobre Juiz Relator, ao efeito de prover em parte o apelo da autora; prover o apelo da Federação; acolher em parte o recurso do réu Grêmio Porto Alegrense e desprover a apelação vertida pelo réu Marco Antônio.
A propósito, vale discorrer as seguintes considerações:
1) Apelo do demandado Marco Antônio:
“O Futebol é dito o esporte nacional, motivo de inflamadas paixões e, muitos torcedores reunidos em um estádio utilizam o espetáculo como uma espécie de catarse de todos os seus problemas, comportando-se de modo aparentemente irado e próximo do irracional, o que para o espectador distante e desapaixonado assemelha-se à embriaguez ou mesmo à loucura”, fl. 747 (Marco Antônio, em seus memoriais).

Manifestação que expressa com absoluta fidelidade seu estado de espírito nos momentos que antecederam sua queda sobre a autora, causando-lhe todos os traumas que está hoje a viver e enfrentar.
Confissão expressa do estado de alucinação em que se encontrava e de sua inafastável responsabilidade pelos danos físicos e de extra-físicos, patrimoniais e morais que à autora ocasionou.
Estado de ser absolutamente injustificável para um ser humano, já que o futebol deve ser encarado como passatempo, como diversão. Esporte é também cultura, é lazer, é educação (pelo menos deveria ser), tendo, inclusive proteção constitucional – Cap. III do Título VIII, da CF.
E o local em que se pratica esporte, mormente o futebol, pelo grande número de torcedores que agrega e atrai, não é, definitivamente, lugar para o extravasar ímpetos bestiais ou de evasão de outros sentimentos menos nobres.
2) Grêmio Futebol Porto Alegrense:
A mureta de proteção da qual caiu o réu Marco Antônio, por não ser suficientemente alta, não oferecia a segurança indispensável ao torcedor que dela se aproximasse.
Por certo, houvesse no local um sistema físico de proteção adequado e correto, a queda de Marco Antônio teria sido evitada, ou, ao menos, obstaculizada, mesmo estando embriagado, como realmente estava. A prova o comprova.
Fator que implica responsabilidade subjetiva do Grêmio, uma vez que não tomara as devidas precauções quanto a este item pontual da segurança dos torcedores que ao Estádio compareceram.
3) Federação:
Não vejo na hipótese, como bem realçado pelo eminente Relator, como atribuir responsabilidades à Federação pelo lamentável fato ocorrido e que se está a examinar.
4) Estado do Rio Grande do Sul:
Lembro: Segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos... (art. 144 da CF – art. 124 da C. Estadual).
Hipótese de culpa subjetiva, não objetiva, art. 37, XXII, § 6º da CF.
Lição de Hely Lopes Meirelles citado na contestação de fls. 241/242:
“Daí a jurisprudência, mui acertadamente, tem exigido a prova da culpa da Administração nos casos de depredações por multidões e de enchentes e vendavais que, superando os serviços públicos existentes, causam danos aos particulares (cfe. TJSP RT 54/336; 275/319). Nestas hipóteses a indenização pela Fazenda Pública só é devida se se comprovar a culpa da Administração. E na exigência do elemento subjetivo culpa, não há qualquer afronta ao princípio objetivo da responsabilidade sem culpa, estabelecido no art. 37, § 6º, da Constituição da República, porque o dispositivo constitucional só abrange a atuação funcional dos servidores públicos e não os atos de terceiros e os fatos da natureza. Para situações diversas, fundamentos diversos” (grifo do citante).

No caso, os policiais que se encontravam presentes agiram de forma adequada.
ACOMPANHO O VOTO DO RELATOR.

Des. Artur Arnildo Ludwig
TAMBÉM ACOMPANHO O RELATOR.

DES. OSVALDO STEFANELLO - Presidente - Apelação Cível nº 70012669123, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA AUTORA, DERAM PROVIMENTO AO APELO DA RÉ FEDERAÇÃO GAÚCHA DE FUTEBOL, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DO RÉU GRÊMIO FOOT-BALL PORTO ALEGRENSE, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DO RÉU MARCO ANTÔNIO BOIZONAVE E DECLARARAM A SENTENÇA DE OFÍCIO. UNÂNIME."



Julgador(a) de 1º Grau: CRISTINA LUISA M DA SILVA MININI
[1] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 1288.

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