10.6.07

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PERÍCIA PELO MÉTODO DNA NÃO REALIZADA, ANTE O NÃO COMPARECIMENTO DO INVESTIGADO.

APELAÇAO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. INVESTIGADO RESIDENTE NOS ESTADOS UNIDOS. PERÍCIA PELO MÉTODO DNA NÃO REALIZADA, ANTE O NÃO COMPARECIMENTO DO INVESTIGADO, INOBSTANTE DEVIDAMENTE INTIMADO NA PESSOA DE SEU PROCURADOR. Tendo o réu utilizado de artimanhas para criar entraves ao andamento regular do feito, chegando a ponto de questionar a qualidade dos exames de DNA realizados no Brasil, não lhe é lícito suscitar nulidade do feito por ausência de intimação pessoal, quando existente decisão interlocutória reconhecendo que o seu procurador possuía poderes para tal. Deixando o réu de comparecer ao exame devidamente aprazado pelo juízo, demonstrando com isso resistência e temor quanto ao resultado da perícia, contra ele milita a presunção de paternidade, à qual, aliada a prova dos autos, revela que, definitivamente, é pai da autora.
RECURSO ESPECIAL RETIDO NÃO CONHECIDO. O recurso especial retido, quando interposto contra decisão interlocutória no processo de conhecimento, como ocorreu na espécie, deve ser reiterado nas razões ou contra-razões que eventualmente poderão ser apresentadas em recurso especial ou extraordinário interposto contra decisão final, e não nas razões ou contra-razões de recurso de apelação. Exegese do art. 542, § 3º, do CPC.
ALIMENTOS. CABIMENTO, NO CASO CONCRETO. INVESTIGANTE MAIOR DE IDADE. Ainda que a autora tenha implementado a maioridade civil, estando demonstrada nos autos a necessidade de perceber a verba alimentar, que tem como finalidade principal auxiliá-la no custeio da faculdade, e atento a que o alimentante possui condições de suportar o encargo, visto que é pastor de renome internacional da Igreja assembléia de deus, o qual viaja por diversos países, é autor de livros, tendo gravado vídeos e DVD’S, impõe-se a manutenção dos alimentos estabelecidos pelo juízo de origem. cabível, ainda, estender a obrigação alimentar por mais dois anos, contados da data do trânsito em julgado da sentença, tendo em vista que a autora permaneceu ao longo de vinte anos completamente desassistida pelo seu pai, o qual não desconhecia a paternidade, e considerando que a investigante pretende cursar faculdade, não mais podendo contar com o custeio da sua avó materna.
MANUTENÇAO DO PATRONÍMICO DA GENITORA NO REGISTRO DE NASCIMENTO. POSSIBILIDADE. Possível a manutenção do apelido da família materna do registro civil da demandante, em homenagem a sua avó, que sempre a criou, constituindo a pretensão exercício de direito de personalidade, não encontrando, ademais, o pedido, óbice na lei.
LITIGÂNCIA DE MÁ-FE CARACTERIZADA NOS AUTOS. Verificado na conduta do réu as hipóteses previstas nos incisos II, III, IV, VI e VII do art. 17 do CPC, imperiosa a sua condenação às penas por litigância de má-fé.
Recurso da autora provido, recurso do réu desprovido, com averbação a ele de pena por litigância de má-fé, e recurso especial retido não conhecido.

Apelação Cível

Sétima Câmara Cível
Nº 70016641540

Comarca de Porto Alegre
D.S.O.
..
APELANTE/APELADO
J.Y.S.
..
APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao recurso da autora e negar provimento ao recurso do réu, averbando-lhe pena por litigância de má-fé, não conhecendo do recurso especial retido.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Maria Berenice Dias (Presidente e Revisora) e Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves.
Porto Alegre, 25 de abril de 2007.


DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL,
Relator.

RELATÓRIO
Des. Ricardo Raupp Ruschel (RELATOR)
Trata-se de apelação cível interposta por DANIELA SCHÜTZ DE OLIVEIRA, nos autos da ação de investigação de paternidade que move em face de JOSUÉ YRION DOS SANTOS, contra sentença da lavra da MM. Juíza de Direito da 4ª Vara de Família e Sucessões que julgou procedente em parte a demanda, para o fim de declarar a paternidade do réu com relação à autora, a qual passará a se chamar DANIELA OLIVEIRA DOS SANTOS, sendo seus avós paternos JESUS PUJOL CORSINO DOS SANTOS e MARIA IONE DURGANTE MINUSSI, fixando pensão alimentícia em favor da requerente na quantia equivalente a três salários mínimos mensais, a ser paga pelo período de dois (02) anos, através de depósito na conta-corrente da autora, retroagindo à data da citação.
Sucumbente, restou o réu condenado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estipulados em 15% sobre uma anuidade alimentar. Determinou-se, por fim, após o trânsito em julgado, a extração de mandado de averbação junto ao Registro Civil competente.
Em suas razões de apelação de fls. 524/527, a demandante busca a reforma da decisão no tocante ao nome registral que lhe foi declarado, o qual pretende seja mantido o sobrenome anterior SCHÜTZ, em homenagem à sua avó materna, que foi quem a criou. Além disso, narra ser conhecida pelo referido patronímico nas empresas em que trabalhou.
Requer a modificação da sentença também no que tange aos alimentos fixados, aduzindo ter sido demitida da empresa TAM Transportes Aéreos em dezembro de 2005, conforme informado na petição de 01/01/2006, estando atualmente desempregada, não cobrindo o auxílio desemprego sequer as mensalidades da faculdade, onde pretende retornar, porém não possui recursos financeiros.
Alega que sua avó materna está gravemente adoentada e não mais possui condições de auxiliá-la, tampouco sua genitora, que passa por problemas psicológicos e não possui emprego fixo.
Relata que seu pai, ao contrário, e conforme comprovado nos autos, possui plenas condições de arcar com pensão alimentícia em valor acima do que foi fixado pelo juízo, visto ser Pastor Evangélico, com igreja própria.
Pede, assim, o provimento ao recurso e a reforma da decisão recorrida, nos pontos acima destacados, declarando-se o nome da requerente como DANIELA SCHÜTZ DE OLIVEIRA DOS SANTOS, fixando-se pensão alimentícia por mais quatro (04) anos, no valor de três salários mínimos mensais.
Recebida a apelação, a magistrada houve por bem deixar de intimar o réu, visto que não se encontrava representado nos autos não obstante tivesse ciência da renúncia do seu procurador, razão que justifica a fluência dos prazos independentemente de intimação (fls. 528).
Manifestou-se o Ministério Público às fls. 529/535, opinando pelo parcial provimento ao recurso interposto pela autora, apenas para o fim de constar no registro de nascimento o nome de Daniela Schütz de Oliveira dos Santos.
Às fls. 536/563, o réu informou acerca de seu novo procurador nos autos, Dr. Jorge Alexandre Kappes Hoffmann, constituído em 24 de maio de 2006 (fls. 537/538), quando então restou intimado para oferecer contra-razões, momento em que interpôs recurso de apelação (fls. 541/563), reiterando, incialmente, as razões do recurso especial interposto na forma retida às fls. 425/441, requerendo o seu processamento.
No mérito, aduziu os seguintes tópicos: 1) Que a decisão na ação de investigação de paternidade possui efeito ‘ex tunc’, devendo a verba alimentar incidir somente a partir da data do trânsito em julgado da sentença que os fixou, não retroagindo à data da citação; 2) Que a apelada, ao ingressar com a presenta demanda, já contava com vinte anos de idade, quando o réu não mais detinha o Pátrio Poder, cessando, além do mais, a sua menoridade, não sendo, portanto, devidos os alimentos pleiteados; 3) Que a demandante não mais necessita de verba alimentar, possuindo profissão definida e rentável; 4) Que o feito deve ser anulado, tendo em vista a ausência de intimação do apelante acerca da sentença, afirmando que possui endereço certo e determinado, sendo que a ausência de cumrpimento da Carta Rogatória se deu em razão da morosidade da Justiça e/ou da inércia do juízo singular, não podendo tal responsabilidade ser transferida ao recorrente; 5) Que o procurador do apelante jamais aceitou o encargo de receber, em nome deste, qualquer citação, intimação ou notificação, sendo irrelevante o fato de o instrumento de mandato conter poderes para tanto; 6) Relata acerca da desconsideração do juízo com relação aos dispostiviso legais cogentes respeitantes às Cartas Rogatórias e à intimação pessoal das partes; 7) Que o feito deve ser anulado também em razão da ausência de representação processual, tendo sido violados os princípios constitucionais da igualdade entre as partes, da ampla defesa e do devido processo legal; 8) Que o requerido nunca se negou a fazer o exame de DNA, não tendo sido bem interpretado ou entendido pelo representante do Ministério Público e pelo juízo; 9) Nega ter mantido qualquer relacionamento sexual com a genitora da requerente, o que sempre sustentou desde a contestação, apontando para contradição na sentença quando, primeiro, afirmou que o réu negou ter mantido relação com a mãe da autora, e, depois, referiu que o mesmo teria confessado a existência de relacionamento íntimo com esta. Concluiu não haver nos autos prova mínima acerca da aventada paternidade; 10) Refuta a presunção de paternidade aplicada ao caso, afirmando ter sempre se manifestado favorável ao exame de DNA, porém, desde que fosse realizado conforme à sua exigência (nos Estados Unidos, onde reside, e em laboratório especializado em genética Forense), deixando de comparecer ao exame marcado por não ter-lhe sido dado ciência da data; 11) Por fim, insurge-se contra o valor fixado a título de pensão alimentícia, alegando ser demasiado e além das suas possibilidades, visto não ser pessoa abastada, o que não se pode deduzir do fato de viajar para inúmeros países, gravar vídeos, alegando não ser um artista, mas uma pessoa que prega a Palavra de Deus e que trabalha para a sua Igreja. Repudia as alegações da apelada quanto à necessidade da verba alimentar, salientando ser ela pessoa apta ao trabalho, não havendo demonstração nos autos acerca de nenhuma situação excepcional que autorize a percepção de alimentos de três salários mínimos.
Pede, por fim, o provimento ao recurso e a reforma da decisão recorrida, a fim de que seja julgada improcedente a ação, invertendo-se os ônus sucumbenciais.
Recebido o recurso em ambos os efeitos e intimada a apelada para oferecer contra-razões, apresentando arrazoado às fls. 570/579, interveio novamente o Ministério Público, exarando parecer às fls. 571/580, opinando pelo desprovimento do recurso interposto por Josué Yrion dos Santos.
Subiram os autos, os quais foram conclusos ao Órgão Ministerial que atua nesta Instância, o qual lançou parecer às fls. 582/591, pugnando pelo conhecimento e parcial provimento ao recurso interposto pela autora Daniela Schütz de Oliveira, e pelo conhecimento e improvimento do recurso interposto pelo réu Josué Yrion dos Santos, com aplicação a este das penas por litigância de má-fé.
Vieram os autos conclusos para julgamento.
Registre-se, por fim, que foi cumprido o comando estabelecido pelos artigos 549, 551 e 552, do CPC.
É o relatório.
VOTOS
Des. Ricardo Raupp Ruschel (RELATOR)

DO RECURSO INTERPOSTO PELO RÉU

Inicialmente, por questão de ordem lógica da matéria em discussão, procedo ao exame do recurso de apelação interposto pelo réu JOSUÉ YRION DOS SANTOS.

Preliminarmente – Do Recurso Especial Retido

Reitera o réu, preliminarmente, as razões do recurso especial interposto na forma retida contra acórdão proferido no agravo de instrumento n.º 70010964351, que manteve decisão interlocutória que havia determinado a intimação do réu na pessoa de seu procurador.
Não é de ser conhecido do recurso, vez que suscitado pela via inadequada.
Primando pela melhor técnica e exegese da legislação processual civil vigente, in casu, artigo 542, parágrafo terceiro, o recurso especial retido, quando interposto contra decisão interlocutória no processo de conhecimento, como ocorreu na espécie, deverá ser reiterado nas razões ou contra-razões que eventualmente poderão ser apresentadas em recurso especial ou extraordinário interposto contra decisão final, e não nas razões ou contra-razões de recurso de apelação, como procedeu o recorrente, equivocadamente.
A propósito, válido trazer à colação a interpretação do dispositivo legal supramencionado realizada por Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, lançada no parecer do Ministério Público, in verbis:


...(/n Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 5a ed., Ed. Revista dos Tribunais, item 8, pp. 1.054-1.055 no seguinte sentido:


"Proferido acórdão em agravo de instrumento, a decisão interlocutória restou decidida pelo tribunal 'a quo'. Em tese é cabível o REsp (STJ 86) ou o RE, conforme o caso, desde que presentes os requisitos constitucionais (CF 102 111 e 105 ITT). O recurso é interponivel no próprio tribunal 'a quo', que deverá remetê-lo ao primeiro grau, onde se encontram os autos principais. Ainda não é o momento de o tribunal 'a quo' proferir juízo de admissibilidade do RE ou do REsp. Cabe-lhe, tão-somente enviar o RE ou REsp retido ao primeiro grau para que, juntado aos autos do processo, nele fique retido até que sobrevenha decisão final, da qual caberá outro RE ou Resp. Nas razões ou contra-razões desse outro RE ou Resp deverá o recorrente requerer a apreciação do RE ou Resp que ficará retido. Caso não haja a reiteração, aquele RE ou Resp retido não poderá ser processado e, conseqüentemente, não será conhecido, a exemplo do que ocorre no sistema do agravo retido do CPC 523.”

Portanto, não conheço do recurso especial retido.
No mérito, não merece prosperar a apelação do réu JOSUÉ YRION.
Examinando detidamente o feito, verifico o excelente e minucioso trabalho realizado tanto pela magistrada que conduziu o processo quanto pelo Ministério Público, de modo que irretocáveis os argumentos expendidos com relação ao exame da prova acostada e aos aspectos formais aventados pelo réu, merecendo aqui inteiro prestígio, visto que dizer mais seria incorrer em repetição absolutamente desnecessária.
Assim, no que respeita às nulidades suscitadas pelo apelante, peço vênia para adotar os fundamentos do parecer exarado pela Procuradora de Justiça, Dra. Eva Margarida Brinques de Carvalho, na parte que assim refere:

“...Razão não assiste ao recorrente no que diz respeito à alegada nulidade absoluta do feito, seja ela decorrente da ausência de intimação pessoal, ou de representação processual.

A falta de intimação pessoal para a audiência de instrução e julgamento não afeta a sentença. Isso porque, ainda que se considere nulo o ato, o fundamento jurídico que embasa a procedência da demanda não passa, necessariamente, pela prova nele produzida. Foram a negativa do réu em submeter-se à realização de exame de DNA, e os próprios fatos narrados na contestação, que culminaram na procedência da demanda.

Além disso, a forte evidência do desrespeito do réu para com os atos processuais, não pode vir em benefício seu. Observe-se que o investigado, ora apelante, "apareceu e desapareceu" do processo a seu bel prazer. Citado (fl. 81), apresentou contestação (fls. 29-49). Intimado para a audiência designada na pessoa de seu procurador, em conformidade com decisão proferida por este egrégio Tribunal no Agravo de Instrumento n." 70010964351 (fls. 403-405), em 06 de maio de 2005 (fl. 407), interpôs recurso especial (fls. 425-438), o qual foi recebido na forma retida (fl. 440). Em 14 de julho de 2005, o causídico acostou aos autos petição dando conta da sua renúncia (fls. 442-443), da qual o apelante teve ciência em 05 de julho de 2005 (fls. 446-447), deixando, contudo, de constituir novo patrono. Proferido o decisum, dele teve ciência, outorgando nova procuração ao advogado que o representava. Nos termos do que dispõe o artigo 243 do Código de Processo Civil, "Quando a lei prescrever determinada forma, sob pena de nulidade, a decretação desta não poderá ser requerida pela parte que lhe deu causa".

Embora tenha manifestado desejo em submeter-se à prova pericial, alegando inclusive "que tudo fará para a sua realização" (fl. 94), sempre que instado a tanto o recorrente procurou criar embaraços à realização do exame de DNA. Quando não pela indisponibilidade de agenda, suscitando dúvidas infundadas a respeito da confiabilidade do teste realizado por laboratórios brasileiros. Nesse sentido, aliás, vale trazer à colação trecho do documento da fl. 201, subscrito pelo Diretor do Laboratório CTN Genética na qual além de referir que "os resultados apresentados aqui e documentados no laudo após a análise do DNA das partes serão os mesmos encontrados em qualquer parte do mundo" e que "totalmente desaconselhável que as partes colham amostras de sangue em laboratórios separados", informou que "após 10 anos de experiência nas áreas técnicas e de consultoria em testes de Investigação de Paternidade utilizando técnica de DNA, esta foi, sem dúvida, a maior de todas as tentativas que já presenciei de um advogado impedir a realização de um exame de DNA para investigação de paternidade". Todo esse comportamento torna imperiosa a aplicação da Súmula n.° 301 do Superior Tribunal de Justiça, de acordo com a qual "Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção júris tantum de paternidade." Outro fato que demonstra, sem sombra de dúvida, que o recorrente não pretende, de fato, submeter-se à perícia é o de que utilizou a ausência do exame sempre como fundamento para nulificar o feito, sem postular a realização da prova ainda que em momento tecnicamente inoportuno, hipótese admitida excepcionalmente pela jurisprudência.

A demonstração do relacionamento é alcançada por meio da presunção a que alude referida Súmula. Também por não ter o apelante trazido aos autos qualquer hipótese que pudesse excluir, por completo, a paternidade, admitindo, ao revés a troca de carícias íntimas com a genitora da recorrida, que culminaram com a sua ejaculação...”

Ainda neste tocante, e no que respeita aos demais aspectos da prova, considerando os judiciosos argumentos da sentença da lavra da Dra. Carmem Maria Azambuja Farias, dela também aproveito como razões de decidir, na parte que assim fundamenta:
“...Antes de adentrar no mérito, chamo atenção para o comportamento nada recomendável do réu que, usando de artimanhas, criou vários entraves para o regular andamento do feito.

Primeiro, sem jamais comparecer pessoalmente a qualquer ato processual, fazendo-se representar por seu procurador, concordou com a realização do exame de DMA - prova que dá segurança ao juízo para decidir causas dessa natureza - não tendo, no entanto, comparecido, em que pese todo o empenho do juízo que acatou inclusive sugestão de data proposta pelo réu, que, não satisfeito, questiona a qualificação técnica dos laboratórios existentes no País, postulando a realização do exame em laboratório situado nos Estados Unidos da América, o que não foi acolhido pelo juízo, conforme decisão das fls. 158/159, na qual constou também que, em caso de não compareci mento do réu, seria aplicado o disposto no artigo 232 do Código Civil.

Verifica-se dos termos do ofício de fl. 161 que o réu não compareceu na data e hora marcada para a realização do exame de DNA, frustrando a produção desta prova.

Posteriormente, diante do reiterado comportamento procrastinatório do réu, foi determinada a intimação deste para a audiência de instrução na pessoa de seu procurador e não através de carta rogatória como ele pretendia, o que ensejou mais uma manobra procrastinatória do réu, com a renúncia de seu procurador com o objetivo claro de frustrar a realização da audiência de instrução designada, desiderato não atingido, já que o ato foi realizado, restando prejudicado o depoimento do réu, que foi representado na oportunidade por defensor público.

Cumpre salientar que o comportamento reprovável do réu foi notado - como não poderia deixar de ser - pela superior instância, por ocasião do julgamento dos recursos interpostos, a ponto de assim manifestar-se em seu voto o Dês. Luiz Felipe Brasil Santos no julgamento do Agravo de Instrumento n° 70009584541: "Esse conjunto de atitudes processuais leva à convicção de que, como sói, com indesejável freqüência, ocorrer (mas surpreende aqui quando se está diante de um ministro religioso, pregador das virtudes morais, que, no entanto, parecem valer somente para os outros...), o investigado está fugindo da prova" (fl. 367).

Dito isso, passo a examinar o mérito.

Sabe-se que a jurisprudência, já há algum tempo, e agora a lei substantiva, erige uma presunção em desfavor daquele que se recusa a fornecer material para exame pericial.

O art. 232 do Código Civil determina que a recusa injustificada do investigado em submeter-se ao exame pericial supre a prova que se pretendia obter. Além disso, constitui conduta processual que leva a forte convicção acerca da paternidade. Tal comportamento, inverte o ônus da prova, ou seja, cabe ao réu produzir prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito pleiteado.

É esse o entendimento do nosso Tribunal:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECUSA DA SUCESSORA DO APELANTE NA REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA. PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE. APLICAÇÃO DE DISPOSITIVOS DO NOVO CÓDIGO CIVIL APELO DESPROVIDO. A recusa injustificada do apelante para com a realização de exame de DNA, em inúmeras oportunidades, aliada às provas constantes dos autos, dá ensejo a que seja reconhecida a paternidade da investigante. Inteligência dos artigos 231 e 232 do Novo Código Civil, e artigos 333, II e 339, ambos do Código de Processo Civil. Apelo desprovido. (Apelação Cível N9 70007267834, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: António Carlos Stangler Pereira. Julgado em 1Ï05/2004)

Já o Superior Tribunal de Justiça sacramentou tal questão no enunciado n° 301:

Em ação investígatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção júris tantum de paternidade.

Para derrubar essa presunção, é necessária a existência de prova robusta em contrário, o que não se encontra nos autos, porquanto o investigado admite o relacionamento íntimo com a mãe da autora, ainda que consistente em um único encontro.

Por sua vez a mãe da autora relatou, de forma dramática, como ocorreu a única relação sexual que resultou na concepção da autora, dizendo que o ato sexual foi realizado com ela e o investigado em pé, não tendo durado nem dez minutos, confirmando, porém, a ocorrência da penetração, referindo que "ele penetrou sim, mas ele mal colocou e eu empurrei, então ele depois tinha a mania de me dizer 'eu nem fiz, tu nem deixou eu fazer'". Afirma que era virgem e que, depois disso, sua vida foi "correr atrás desse cara". Explica o fato de não ter ingressado antes com a investigação de paternidade, por ter sido desaconselhada por um conhecido que afirmava que a ação não daria em nada, pois não tinha qualquer prova do relacionamento e também ainda não era comum a realização de exame de DNA. (fis. 462/466)

A testemunha Asaph Roque Souza Borba disse que passou a acompanhar a vida da autora e de sua mãe a partir de 1992, ocasião em que a mãe da autora encontrava-se "em total desespero, era uma pessoa desesperada, totalmente desequilibrada emocionalmente...". A pedido da autora refere que tentou entrar em contato com o investigado, mas nunca foi recebido por este.

Já a testemunha Dora Suzana Blauth da Rocha conta que já ouvira falar do que havia acontecido com a mãe da autora quando se aproximou dela, ocasião em que esta encontrava-se "absolutamente deprimida".

Nota-se, do exame da prova, que, em que pese não ter existido sequer relação de namoro entre a mãe da autora e o investigado, o episódio do qual resultou o ato sexual ocorreu e, a meu ver, da forma narrada pela mãe da autora, já que a versão do réu não merece credibilidade, pois, tivesse ele certeza da inexistência da conjunção carnal, não teria se negado em submeter-se ao exame de DNA, prova esta que, caso verdadeira sua versão, levaria com certeza à exclusão da paternidade.

Desse modo, demonstrada á existência da relação sexual entre a mãe da autora e o investigado à época da concepção, aliada à presunção de paternidade pela recusa do réu em submeter-se ao exame de DNA, concluo pela declaração de paternidade, ressaltando, ainda, que resultou esvaziada de qualquer elemento de prova a alegação de exceptio plurium concentium...”



Nada mais é preciso acrescentar.
Portanto, nego provimento ao recurso.

DO RECURSO INTERPOSTO PELA AUTORA

De início, com relação à gratuidade judiciária postulada pela autora e não examinada pelo juízo a quo, é de ser concedida, nos termos da promoção ministerial de fls. 585, tendo em vista as provas acostadas, que demonstram a hipossuficiência financeira da requerente, a considerando as declarações de pobreza juntadas às fls. 14 e 84.
No mérito, busca a recorrente a modificação da sentença quanto a dois aspectos: a manutenção do patronímico SCHÜTZ no registro de nascimento e a dilação do prazo fixado para a obrigação alimentar de dois para quatro anos.
O recurso merece prosperar.
Com relação ao nome registral da autora, a sentença houve por bem determinar constasse DANIELA OLIVEIRA SANTOS, suprimindo o sobrenome antes existente SCHÜTZ.
Efetivamente, nenhuma objeção se verifica para atender ao desiderato da demandante, que apenas pretende manter a sua identidade com a família materna, por razões obviamente relevantes, visto que foi criada pela sua avó materna ELSE SCHÜTZ DE OLIVEIRA, e também por razões de natureza personalíssima, haja vista ser conhecida por todos pelo patronímico SCHÜTZ.
Cabe ressaltar, como bem dito pela Procuradora de Justiça que atuou na origem, Dra. Beatriz Duro Gick, que o nome é um exercício da personalidade, atrelado à dignidade e à história da autora, havendo inclusive possibilidade de a autora, caso assim o quisesse, dispensar a inclusão do apelido do investigado diante da natureza da ação, consoante tem entendido a jurisprudência dominante.
Ademais, a pretensão tampouco encontra óbice legal, não contrariando a dicção dos artigos 54 e 56 da Lei dos Registros Públicos, assim dispondo este último: O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.
Portanto, dou provimento ao recurso, no ponto, a fim de declarar que o nome da autora assim deverá constar: DANIELA SCHÜTZ DE OLIVEIRA DOS SANTOS.
Com relação à extensão da obrigação alimentar, com a devida vênia ao entendimento esposado pelo Órgão ministerial, tenho merecer acolhida a pretensão da demandante.
Com efeito, a autora ingressou com a ação investigatória quando já havia implementado 20 (vinte) anos de idade. Independentemente dos motivos pessoais pelos quais não intentou a ação anteriormente, tenho que o decurso do tempo não pode militar em seu desfavor, pois, ao longo de todos esses anos, passou completamente desamparada moral e materialmente pelo pai.
Consoante consta nos autos, a apelante foi criada pela avó materna, que certamente logrou esforços em suprir a ausência da figura paterna e poder dar educação e sustento não só à neta, mas, ao que tudo indica, à filha, que, desde a gravidez, enfrentou e enfrenta até hoje transtornos psicológicos. Além disso, há notícias de que a mãe da autora, após os fatos, teria sido “discriminada” no meio religioso que freqüentava.
Apesar disso, a autora conseguiu contornar uma sucessão de problemas, sobretudo o da rejeição e abandono total por parte do pai, obtendo êxito profissional, o que se verifica pelo fato de que, recentemente, exercia a profissão de comissária de bordo junto à conhecida empresa aérea TAM.
Atualmente, manifesta a requerente desejo em cursar Psicologia, necessitando do custeio de seu genitor para poder freqüentar a faculdade sem comprometer sua subsistência e sem impor nova carga onerosa à sua avó.
Entretanto, dentro do contexto delineado nos autos, e vislumbrando que a requerente está bem longe de incorrer em ócio, buscando nada mais que uma “ajuda de custo” de seu pai (é assim que se pode denominar os alimentos que ora se discute, não sob o aspecto econômico em si, mas sob o ponto de vista temporal), nada mais justo que a obrigação alimentar venha a se estender por mais dois anos, como pretende a autora, mostrando-se quatro anos um período razoável para que possa cursar a faculdade almejada, ainda que durante este período reingresse no mercado de trabalho.
Assim sendo, provejo a inconformidade também no ponto, para o fim de determinar que a obrigação alimentar perdurará pelo período de quatro (04) anos, contados do trânsito em julgado da sentença, sob pena de prejuízo manifesto à autora, tendo em vista que as apelações foram recebidas em ambos os efeitos.
Finalmente, não há como deixar de observar nos autos o proceder doloso do réu, para o qual a lei processual prevê reprimenda, estando suficientemente caracterizadas as hipóteses previstas no artigo 17, são elas: alterar a verdade dos fatos (II); usar do processo para conseguir objetivo ilegal (III); opor resistência injustificada ao andamento do feito (IV); provocar incidentes manifestamente infundados (VI); interpor recurso com intuito manifestamente protelatório (VII).
Diante disso, condeno o demandado ao pagamento de multa de 1% sobre o valor da causa, bem como ao pagamento de indenização de 20% também sobre o valor da causa, nos termos do artigo 18 do CPC.
Verificado no comportamento do réu todas essas rubricas acima descritas, causa estranheza as agressões por ele perpetradas contra o Poder Judiciário as fls. 549/550, merecendo verdadeiro repúdio e dispensando qualquer comentário.
Do exposto, dou provimento ao recurso interposto pela autora e nego provimento ao recurso interposto pelo réu, averbando-lhe pena por litigância de má-fé, não conhecendo do recurso especial retido.




Des.ª Maria Berenice Dias (PRESIDENTE E REVISORA) - De acordo.
Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves - De acordo.

DES.ª MARIA BERENICE DIAS - Presidente - Apelação Cível nº 70016641540, Comarca de Porto Alegre: "POR UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA AUTORA E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO RÉU, AVERBANDO-LHE PENA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, NÃO CONHECENDO DO RECURSO ESPECIAL RETIDO."


Julgador(a) de 1º Grau: CARMEM MARIA AZAMBUJA FARIAS

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