6.6.07

RESPONSABILIDADE CIVIL. REGISTRO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES SEM PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO INTERESSADO. DANO MORAL.

Apelação Cível nº 70013605803 – 5ª Câmara Cível – Santa Rosa


RESPONSABILIDADE CIVIL. REGISTRO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES SEM PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO INTERESSADO. DANO MORAL.

Verificado que o nome do autor foi lançado em cadastro de inadimplentes sem prévia comunicação ao mesmo, deve a ré reparar o dano moral provocado. Documentos juntados pela ré que não têm o condão de comprovar o cumprimento da exigência do art. 43, § 2º, do CDC, já que, além de não identificarem o conteúdo, dizem respeito a período posterior à inclusão cadastral. Apelação provida.



José Valci Hemsing, apelante – Base Lar Eletromóveis Ltda., apelada.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam, os magistrados integrantes da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em prover o apelo. Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), o eminente Sr. Des. Pedro Luiz Rodrigues Bossle e o eminente Sr. Dr. Ney Wiedemann Neto.

Porto Alegre, 08 de fevereiro de 2006.

Leo Lima, Relator.


RELATÓRIO

Des. Leo Lima (Relator) – José Valci Hemsing ajuizou ação de indenização contra a Base Lar Eletromóveis Ltda. Diz que, no dia 23-12-04, foi fazer compras no comércio onde reside e teve o crédito negado, em razão de seu nome constar dos cadastros do SPC, por provocação da ré, em virtude de débito atinente ao Contrato nº 12.370/12, sem valor definido.

Refere que a inclusão ocorreu em 03-12-04, não tendo recebido prévia comunicação, tampouco conta detalhada do débito.

Alega que, de acordo com o art. 43, § 2º, do CDC, o consumidor deve ser comunicado da abertura do registro, para não ser surpreendido e procurar a solução adequada.

Frisa que a própria portaria do Ministério da Justiça resguarda o direito do consumidor em ser previamente notificado antes da inscrição em órgãos de restrição ao crédito. Pondera que essa portaria também estabelece que a empresa deve comprovar que emitiu o comunicado ao cliente, a fim de oportunizar o pagamento ou correção da anotação.

Registra que a violação ao art. 43, § 2º, do CDC configura flagrante e intolerável abuso de direito, ensejando o dever de indenizar. Observa que o dano moral decorre do constrangimento e da angústia experimentados, ao ser surpreendido pela inscrição negativa, questionando sua credibilidade e honestidade ao realizar compras.

Pede a antecipação de tutela, a fim de proibir a ré de emitir títulos de crédito em seu nome e determinar a exclusão de seu nome dos órgãos de restrição ao crédito, sob pena de multa; a condenação da demandada ao pagamento de indenização por dano moral, na quantia de R$ 10.000,00, acrescida de correção monetária pelo IGP-M e juros de mora, a partir da data do cadastramento indevido, à razão de 6% ao ano, até o advento do novo Código Civil, quando deverá incidir em 1% ao mês, por força do art. 406, c/c o art. 161, § 1º, do CTN; e a concessão da assistência judiciária gratuita.

O benefício da gratuidade foi concedido, porém, a tutela antecipada restou indeferida.

Na contestação, a ré sustenta que o autor foi inscrito por dívida vencida há 46 dias, tendo havido prévia notificação, conforme exigido por lei. Frisa que o demandante tem outros registros no SPC. Pondera que agiu de acordo com a Constituição Federal, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor.

Esclarece que o demandante adquiriu um kit de cozinha seis portas e um refrigerador, para pagamento em 18 parcelas. A partir da 12ª parcela, com vencimento em 18-10-04, houve atraso. Diz que aguardou a manifestação do autor, para saldar o débito, mas o mesmo não entrou em contato com a loja nem telefonou, tampouco solicitou prorrogação de prazo.

Aduz que exerceu regularmente seu direito de inscrever o nome do autor nos cadastros de inadimplentes. Afirma que nada de anormal ou indevido aconteceu, na medida em que a dívida existiu, ocorreu excessiva demora, procedeu-se à notificação do autor e, depois de 46 dias, inscreveu seu nome no cadastro.

Destaca que, ao contrário do alegado na inicial, o demandante não foi "surpreendido pela inscrição", porquanto simplesmente deixou de quitar o débito, tendo sido notificado do atraso, mas se manteve em silêncio. Outrossim, enfatiza que não praticou ato ilícito, a ensejar a pretendida reparação. Por fim, impugna o valor pretendido, por excessivo. O autor se manifestou sobre a contestação.

Lançada a sentença, a ação acabou julgada improcedente, sendo o autor condenado ao pagamento das custas processuais e da verba honorária de R$ 364,62, com suspensão da exigibilidade, por litigar ao abrigo da gratuidade de Justiça.

Inconformado, o autor apelou, reforçando os argumentos já externados. Respondido o recurso, os autos vieram à apreciação desta Corte. É o relatório.


VOTO

Des. Leo Lima (Relator) – Procede o apelo. O lançamento do nome do autor em cadastro de inadimplentes, sob o controle do SPC, por provocação da ré, está estampado na informação da fl. 15. Tal inclusão, segundo essa informação, foi efetivada em 03-12-04 (fl. 15). A consulta trazida pela requerida, fl. 31, confirma que o registro data de 03-12-04.

Ocorre que não há comprovação, nos autos, de que o autor tenha sido previamente comunicado do cadastramento, conforme dispõe o art. 43, § 2º, do CDC, que diz: "Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.

"[...] § 2º. A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele".

Ora, os documentos juntados pela ré não comprovam essa comunicação prévia (fls. 33/34). Primeiro, porque não identificam a que se referem, ou seja, não identificam o conteúdo da correspondência que teria sido enviada ao autor. Tudo isso, embora tenha sido encaminhada ao endereço que confere com aquele declinado na inicial.

Segundo, porque, inobstante relacione o nome do autor, trata-se de correspondência que compreende o período de 03-12-04 a 05-12-04 (fl. 33), ou seja, refere-se à mesma data da inscrição (fl. 15) ou à data posterior.

Frise-se que o demonstrativo da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, juntado à fl. 34, indica que os serviços prestados dizem respeito ao período de 07-12-04, quando a anotação já tinha sido lançada. Assim, não servindo de prova, nas circunstâncias, de que o autor fora devidamente comunicado de futura restrição, para que pudesse evitá-la.

Desse modo, considerando o fim ao qual se destina a apontada norma, qual seja, cientificar o consumidor sobre a abertura de cadastro, possibilitando o exercício do direito à retificação dos dados e, até mesmo, o pagamento da dívida, a comunicação há de ser prévia ao lançamento.

Por outro lado, a própria ré admite a inclusão cadastral do autor, sob a alegação de inadimplência. Por certo, tal alegação seria aceitável se houvesse o cumprimento da exigência legal. E mais, se a correspondência tivesse mesmo chegado às mãos do devedor.

Nas circunstâncias, então, não se mostrou legítimo o lançamento levado a efeito pela ré. Sendo assim, o dano moral resta perfeitamente caracterizado, não necessitando de nenhum outro elemento complementar, a autorizar a reparação perseguida.

O lançamento do nome do autor, em tais circunstâncias, consubstanciou, no mínimo, um abuso de direito que, por isso mesmo, não pode ser tolerado. Quanto mais, diante das conhecidas conseqüências negativas daí advindas, não só para a honra do interessado, como para a obtenção de novos créditos.

O ato ilícito está, inegavelmente, presente na ação da ré, agindo culposamente no lançamento do nome do autor em cadastro de inadimplentes, sem a prévia comunicação, causando-lhe, só por isso, indesmentível dano moral e havendo claro nexo de causalidade entre esse dano e o comportamento do ré. Trata-se de situação vexatória e injusta. Tudo, como previsto no art. 186 do novo CC.

Cabe destacar que o fato de o autor ter outro registro cadastral, como mostra o documento da fl. 31, não tem o condão de afastar a pretendida reparação nas circunstâncias, na medida em que tal anotação foi lançada depois, em 22-02-05.

Também perde relevância o documento da fl. 63, indicando que o registro em tela foi efetuado em 14-12-04, tendo em vista a informação da fl. 15, disponibilizada ao autor, e o documento da fl. 31, juntado pela própria demandada, apontando como data da inclusão o dia 03-12-04.

Estabelecido isso, passo ao valor da reparação. Conforme conhecida lição de Caio Mário da Silva Pereira: "A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo Juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva". (Responsabilidade Civil, nº 49, p. 60, 4ª ed.,1993)

Não parece ser outra, a preocupação de Sergio Cavalieri Filho, ao tratar do arbitramento do dano moral: "Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão.

"Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o Juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes". (Programa de Responsabilidade Civil, item 19.5, pp. 97/98, 3ª ed., 2002)

Diante de tais parâmetros, arbitro o valor da reparação em R$ 9.000,00, equivalentes a 30 salários mínimos nacionais, corrigidos monetariamente pelo IGP-M, desde esta data, além dos juros de mora de 1% ao mês, conforme o art. 406 do novo CC, c/c o art. 161, § 1º, do CTN, a incidir da data do evento danoso, ou seja, da inscrição indevida, nos termos da Súmula nº 54 do STJ.

Ante o exposto, dou provimento ao apelo, para julgar procedente a ação. Com isso, devendo, a ré, suportar as custas processuais e a verba honorária de 15% sobre o valor da condenação, presentes os parâmetros do art. 20, § 3º, do CPC. Enfim, com exclusão cadastral do nome do autor.

Des. Pedro Luiz Rodrigues Bossle (Revisor) – De acordo.

Dr. Ney Wiedemann Neto – De acordo.

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