2.6.07

suspensão do fornecimento de energia elétrica. EQUÍVOCO DO FUNCIONÁRIO DA CONCESSIONÁRIA, QUE CONFUNDIU O ENDEREÇO DO AUTOR COM O DO REAL DEVEDOR.

apelação cível. RECURSO ADESIVO. responsabilidade civil. suspensão do fornecimento de energia elétrica. EQUÍVOCO DO FUNCIONÁRIO DA CONCESSIONÁRIA, QUE CONFUNDIU O ENDEREÇO DO AUTOR COM O DO REAL DEVEDOR, SEU VIZINHO. RESTAURANTE. CORTE DE ENERGIA NO HORÁRIO DO ALMOÇO. OFENSAS PERPETRADAS PELO FUNCIONÁRIO DA RÉ. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM.
1. O funcionário da ré confundiu o prédio indicado para o corte com o prédio em que funcionava o restaurante do autor. Daí que o fornecimento de energia elétrica do restaurante foi suspenso às 13h15min, e, tão logo identificada a falha no procedimento, foi restabelecido, às 13h28min. Resta configurada a atuação ilícita da ré, que, sem qualquer fundamento, por erro de procedimento de seu preposto, cortou a energia do estabelecimento comercial do requerente. Tal estabelecimento trata-se de um restaurante e o corte ocorreu das 13hs15min às 13hs28min, período que, mesmo curto, é bastante significativo, considerada a natureza da atividade explorada e o horário.
2. A prova testemunhal dá conta de que o estabelecimento estava cheio naquele horário e que, diante da escuridão e da falta de funcionamento das máquinas – televisão, chapa da comida, churrasqueira, etc. -, os clientes começaram a sair. Além disso o autor foi chamado de “sem vergonha” porque “não paga as contas” pelo funcionário da ré que efetivou o corte.
3. Configurado o ato ilícito da concessionária do serviço público, que, por falha de procedimento, cortou a energia elétrica do estabelecimento do autor quando o devedor, na verdade, era seu vizinho.
4. Caso de dano moral in re ipsa, que dispensa comprovação da extensão dos danos, sendo estes evidenciados pelas circunstâncias do fato.
5. Manutenção da verba indenizatória arbitrada em primeiro grau – R$ 4.000,00 -, pois importância que se mostra suficiente e adequada para a recomposição dos danos.
6. Explicitação da sentença no que diz com o indexador da correção monetária e com a incidência de juros de mora.
APELO E RECURSO ADESIVO DESPROVIDOS. SENTENÇA EXPLICITADA. UNÂNIME.

Apelação Cível

Nona Câmara Cível
Nº 70018094037

Comarca de Porto Alegre
CEEE - COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELÉTRICA

APELANTE/RECORRIDO ADESIVO
AGUINALDO OSMAR DEON

RECORRENTE ADESIVO/APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo e ao recurso adesivo, com explicitação da sentença.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores Des. Odone Sanguiné e Des. Tasso Caubi Soares Delabary.
Porto Alegre, 14 de fevereiro de 2007.


DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA,
Relatora.

RELATÓRIO
Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (RELATORA)
Trata-se de apelo e recurso adesivo interpostos, respectivamente, por AGUINALDO OSMAR DEON e CEEE – COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELÉTRICA na ação de indenização que aquele moveu em desfavor desta, contra sentença que julgou procedentes em parte os pedidos.
Relatou o autor, na inicial, que é proprietário do Restaurante Deon e que, em 09.06.2005, por volta das 13 horas, um funcionário da ré adentrou no estabelecimento, apresentou uma conta de energia elétrica vencida e efetivou o corte de energia. Asseverou que o funcionário da requerida disse, na presença dos clientes, que o demandante deveria pagar suas dívidas, comentando: “vai pagar a conta seu calaveira”. Aduziu que a conduta da ré foi ilícita e lhe causou danos materiais – perda de clientes do restaurante – e morais. Pediu a condenação da ré ao pagamento de indenização. Procuração à fl. 10 e documentos às fls. 11-16.
Concedido ao demandante o benefício da gratuidade da justiça (fl. 20).
A requerida contestou (fls. 34-47). Esclareceu que o eletricista executou o corte da energia elétrica em prédio equivocado, contudo, percebido o erro, foi restabelecido o fornecimento de energia em poucos minutos. O incidente iniciou-se às 13hs15min e findou-se às 13hs28min. Argumentou acerca da inexistência de regular identificação das unidades consumidoras – quais sejam, o prédio que efetivamente estava em débito e o prédio do autor -, destacando que ambas foram notificadas para corrigir a numeração dos prédios. Suscitou a preliminar de inépcia da inicial. Argumentou, no mérito, sobre a insuficiência da prova dos autos e a não configuração de dano moral. Acostou jurisprudência. Pela improcedência. Procuração às fls. 32-33 e documentos às fls. 48-69.
Houve réplica (fls. 71-73).
Realizada audiência de instrução, foi tomado o depoimento pessoal do autor (fls. 101-103) e ouvidas duas testemunhas (fls. 104-106). Proferida sentença em audiência (fls. 89-100), foram julgados procedentes em partes os pedidos, restando a ré condenada a pagar R$ 4.000,00 (quatro mil reais) ao autor a título de indenização por danos morais, valor acrescido de correção monetária desde a data da sentença. A ré, ainda, ficou onerada com o pagamento de 2/3 das custas processuais e honorários ao procurador do autor, fixados em 20% da condenação. Outrossim, o demandante foi condenado ao pagamento de 1/3 das custas e honorários ao procurador da ré, fixados em 1/3 do valor fixado ao procurador da parte autora. Foi suspensa a exigibilidade da condenação em relação ao autor, pelo fato de litigar sob o pálio da Assistência Judiciária Gratuita, bem como permitida a compensação de honorários.
A requerida, inconformada, apelou (fls. 108-119). Reeditou os argumentos de defesa, enfatizando que o equívoco cometido foi causado, em grande parte, pelo autor, e que o corte de energia perdurou por apenas quinze minutos. Argumentou que as circunstâncias do caso concreto tratam-se de meros dissabores, que, assim, não configuram dano moral. Impugnou o valor da indenização fixado em primeiro grau, porque demasiado. Postulou a reforma da sentença.
Contra-razões às fls. 124-126.
O autor interpôs recurso adesivo (fls. 127-130), objetivando a majoração do quantum indenizatório.
Contra-razões ao recurso adesivo às fls. 134-137.
Subiram os autos a este Tribunal, e vieram a mim conclusos, para julgamento, em 20.12.2006 (fl. 138).
É o relatório.
VOTOS
Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (RELATORA)
Eminentes Desembargadores.
O autor, conforme se extrai da petição inicial, busca ser indenizado pelos danos materiais e morais decorrentes da suspensão irregular do fornecimento de energia elétrica de seu estabelecimento comercial.
Em primeiro grau os pedidos foram julgados procedentes em parte, restando a ré condenada a pagar ao autor R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de indenização por dano moral, valor acrescido de correção monetária desde a data do decisum.
Tanto o autor como a ré, em sede recursal, discutem apenas a configuração e quantificação dos danos morais, restando precluso, portanto, o ponto referente aos danos materiais.
Com efeito, na forma do artigo 6°, § 3°, II, da Lei n° 8.987/95, o fornecimento de serviço público pode ser interrompido, após prévio aviso, sem a caracterização da descontinuidade quando configurado o inadimplemento do usuário. Na esteira de tal dispositivo legal o Superior Tribunal de Justiça, em sua jurisprudência mais atualizada, tem assentado a legalidade do corte de energia elétrica diante do inadimplemento do consumidor.
Ocorre que, no caso concreto, o requerente não se encontrava em débito, tendo o corte do fornecimento de energia ocorrido por equívoco confessado da ré, cujo preposto confundiu os endereços.
A própria requerida esclareceu, em contestação, que o Restaurante Deon, de propriedade do autor, constitui unidade consumidora localizada na rua Voltaire Pires, n° 1.030, bairro Antônio Prado, na cidade de Porto Alegre. A unidade localizada na rua Dr. Malheiros, n° 32, bairro Santo Antônio, em Porto Alegre, estava indicada na lista de cortes por falta de pagamento. Estas duas unidades são vizinhas, pois formam uma esquina, o que se pode visualizar no mapa de fl. 39.
O preposto da ré confundiu o prédio indicado para o corte com o prédio em que funcionava o restaurante do autor. Daí que o fornecimento de energia elétrica do restaurante foi suspenso às 13h15min, e, tão logo identificada a falha no procedimento, foi restabelecido, às 13h28min.
Não prospera a tese, apresentada pela requerida, de culpa exclusiva do autor. De fato, como se vê nas fotografias de fls. 61-62, o prédio do restaurante está numerado erroneamente, constando, em sua fachada, o n° 32, quando, na verdade, o correto é o n° 1030. Tal não justifica, todavia, o equívoco da ré, uma vez que os prédios se localizam em ruas diversas, bastando a mínima diligência para identificá-los corretamente.
As notificações ao cliente apresentadas pela requerida (fls. 66-68) também não afastam ou diminuem sua atuação culposa. Primeiro porque a notificação encaminhada ao autor (fl. 66) se refere ao ramal de entrada, que estaria em mau estado, e não à numeração do imóvel. E segundo porque não é possível identificar a data da documentação (só possui dia a mês, não se sabendo o ano) nem se chegou ao acesso do usuário.
Nesse passo, resta configurada a atuação ilícita da ré, que, sem qualquer fundamento, por erro de procedimento de seu preposto, cortou a energia do estabelecimento comercial do requerente.
É de se destacar que tal estabelecimento trata-se de um restaurante e que o corte ocorreu das 13hs15min às 13hs28min, período que, mesmo curto, é bastante significativo, considerada a natureza da atividade explorada e o horário.
Além disso, a testemunha Henry Zaslavsky (fls. 104-105), que almoçava no restaurante quando os fatos ocorreram, atestou que o estabelecimento estava cheio naquele horário e que, diante da escuridão e da falta de funcionamento das máquinas – televisão, chapa da comida, churrasqueira, etc. -, os clientes começaram a sair. Além disso, o depoente confirmou a alegação do autor de que teria sido chamado de “sem vergonha” porque “não paga as contas” pelo funcionário da ré que efetivou o corte.
Evidenciados, assim, os danos morais ocorridos, que, no caso, se configuram in re ipsa.
Em relação à prova dos danos morais, por tratar-se de dano imaterial, ela não pode ser feita nem exigida a partir dos meios tradicionais, a exemplo dos danos patrimoniais. Exigir tal diligência seria demasia e, em alguns casos, tarefa impossível.
Tradicionalmente, o diploma processual civil brasileiro, divide a carga probatória entre os componentes da demanda, ainda que lhes permita a propositura genérica de provas. Cumpre mencionar que os sistemas específicos que versam sobre a questão do ônus probatório, em diversas hipóteses optam pela inversão do encargo. O exemplo clássico desta hipótese é o Código do Consumidor (artigo 6º, VIII do CDC).
A questão do encargo probatório assume relevância nas situações em que nos deparamos com a incerteza e/ou insuficiência de meios e elementos probatórios nos autos do processo. Ou ainda, quando existe certa resistência processual das partes em produzir algum elemento de prova. Constatadas essas dificuldades de ordem prática, a decisão judicial precisará valer-se da questão do encargo probatório, isto é, verificar quem possuía o dever legal de produzir a prova naquele lide específica.
O encargo probatório é uma regra que deve ser sopesada no ato de decidir. No Código de Processo Civil, a regra geral, está prevista no artigo 333, incisos I e II, que determina que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito, e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo.
A regra não tem caráter absoluto, comportando exceções, tais como a verossimilhança, a presunção, a notoriedade do fato.
Considerando que o dano moral diz respeito à violação dos direitos referentes à dignidade humana, a doutrina especializada e a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça vêm entendendo que a conseqüência do dano encontra-se ínsita na própria ofensa, porquanto deflui da ordem natural das coisas, tomando-se como parâmetro a vida comum das pessoas.
Nessa perspectiva, para a demonstração do dano moral basta a realização da prova do nexo causal entre a conduta (indevida ou ilícita), o resultado danoso e o fato. Não se trata de uma presunção legal, pois é perfeitamente admissível a produção de contraprova, se demonstrado que não consiste numa presunção natural.
O artigo 335 do CPC é a abertura legal do nosso ordenamento jurídico para o reconhecimento desta espécie de prova, ao afirmar que diante da falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum, subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.
No caso dos autos, é preciso levar-se em consideração o fato de que a discussão envolve danos morais puros e, portanto, danos que se esgotam na própria lesão à personalidade, na medida em que estão ínsitos nela. Por isso, a prova destes danos restringir-se-á à existência do ato ilícito, devido à impossibilidade e à dificuldade de realizar-se a prova dos danos incorpóreos. Trata-se de dano moral in re ipsa, que dispensa a comprovação da extensão dos danos, sendo estes evidenciados pelas circunstâncias do fato.
Nesse sentido, destaca-se a lição do Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Sérgio Cavalieri Filho:
“Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vitima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.
Neste ponto, a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum.” (Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed., Malheiros, 2004, p. 100/101).
Não é diferente a orientação do Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL. DANO MORAL. REGISTRO INDEVIDO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que, na concepção moderna do ressarcimento por dano moral, prevalece a responsabilização do agente por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto, ao contrário do que se dá quanto ao dano material. (...) Recurso não conhecido.(RESP 556200/ RS; Recurso Especial 2003/0099922-5, Quarta Turma do STJ, Relator Min. César Asfor Rocha (1098), Data da Decisão 21/10/2003, DJ Data:19/12/2003 PG:00491).
Dessa forma, evidente a ocorrência de dano moral pela suspensão indevida do fornecimento de energia elétrica. Demonstrada, assim, a presença dos requisitos do dever de indenizar, passa-se à quantificação da indenização.
Para se fixar o valor indenizatório ajustável à hipótese fática, deve-se sempre ponderar o ideal da reparação integral e da devolução das partes ao status quo ante. Este princípio encontra amparo legal no artigo 947 do Código Civil e no artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor.
No entanto, não sendo possível a restitutio in integrum em razão da impossibilidade material desta reposição, transforma-se a obrigação de reparar em uma obrigação de compensar, haja vista que a finalidade da indenização consiste, justamente, em ressarcir a parte lesada.
Em relação à quantificação da indenização, é necessário analisar alguns aspectos para se chegar a um valor justo para o caso concreto, atentando-se à extensão do dano, ao comportamento dos envolvidos, às condições econômicas e sociais das partes e à repercussão do fato.
Consideradas as peculiaridades do caso, assim como as diretrizes que comandam a quantificação dos danos, entendo que a importância arbitrada no decisum a quo – R$ 4.000,00 (quatro mil reais) - não merece reparos.
Apenas explicito, diante da omissão da sentença, que o indexador da correção monetária é o IGP-M e que, além desta, também os juros de mora são consectários da condenação, e incidem no montante de 1% ao mês desde a data da sentença.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo e ao recurso adesivo, explicitando, de ofício, a sentença, para que seja adotado o IGP-M como indexador da correção monetária e para que incidam juros de mora de 1% ao mês sobre a condenação, desde a data da sentença.
Por derradeiro, determino ao Sr. Secretário de Câmara que confira e altere a numeração das folhas destes autos, uma vez que, logo após a fl. 90, vem a fl. 100 e seguintes.
É o voto.




Des. Odone Sanguiné (REVISOR) - De acordo.
Des. Tasso Caubi Soares Delabary - De acordo.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível nº 70018094037, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO AO APELO E AO RECURSO ADESIVO, COM EXPLICITAÇÃO DA SENTENÇA. UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: LUIZ AUGUSTO GUIMARAES DE SOUZA

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