2.6.07

APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. BEBIDA SERVIDA EM RESTAURANTE. CORPOS ESTRANHOS ENCONTRADOS NO INTERIOR DA GARRAFA.

APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. BEBIDA SERVIDA EM RESTAURANTE. CORPOS ESTRANHOS ENCONTRADOS NO INTERIOR DA GARRAFA. dano moral. ocorrência. prova. prescindiblidade. dano in re ipsa. majoração da verba indenizatória 20 smn, para se adaptar à capacidade do ofensor, bem como para atender ao caráter pedagógico-punitivo da pena.
AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE.
primeiro apelo PARCIALMENTE PROVIDo.
SEGUNDO APELO IMPROVIDO.

Apelação Cível

Nona Câmara Cível
Nº 70011902202

Comarca de Porto Alegre
PAULA NICHTERWITZ SCHERER

APELANTE/APELADO
VONPAR REFRESCOS S/A

APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao primeiro apelo, e em negar provimento ao segundo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), as eminentes Senhoras Desa. Íris Helena Medeiros Nogueira e Desa. Marilene Bonzanini Bernardi.
Porto Alegre, 30 de novembro de 2005.



DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA,
Relator.

RELATÓRIO
Des. Luís Augusto Coelho Braga (RELATOR)
Adoto e transcrevo parte do relatório da sentença de fls. 228/231.
PAULA NICHTERWITZ SCHERER menor impúbere, representada por sua mãe, DANIELA DANI NICHTERWITZ, ajuizou ação de indenização por dano morais, em face de COCA-COLA INDÚSTRIAS LTDA, objetivando ressarcimento em razão de que, “(...) no dia 26/04/2002 foi jantar com a família em restaurante nesta Capital e pediu um refrigerante SPRITE, que foi aberto na mesa e servido pelo garçon da casa. Afirma que após ingerir um pouco da bebida, ao servi-la novamente, encontrou uma embalagem de plástico do doce de leite mumu repleta de fungos. Alega que o incidente lhe causou profundo mal estar, e inclusive, registrou ocorrência policial recolhendo o produto para perícia, conforme documento. Aduz a aplicabilidade do CD ao caso, qualificando o produto como impróprio para o consumo. Pede a indenização por danos morais, sugerindo a condenação em 100 salários mínimos”.
Opinou o Ministério Público pela procedência da ação.
Instruído regularmente o feito, sobreveio sentença (fl. 228) onde o Magistrado julgou parcialmente procedente a ação, condenando a ré a pagar à autora a quantia de 10 SMN em razão dos danos morais sofridos, sob o fundamento de que a autora não demonstrou os fatos constitutivos de seu direito.
Inconformada, apelou, regular e tempestivamente, PAULA NICHTERWITZ SCHERER (fl. 235), pedindo a reforma do decisum para majorar a verba indenizatória para 100 SMN, entendendo não levado em consideração a capacidade econômica da ofensora e o caráter punitivo e preventivo da pena.
Também, irresignada, apelou a VONPAR REFRESCOS S/A (fl. 243), pleiteando a modificação da sentença. Questionou a ocorrência do fato e, quanto ao dano, afirmou não ter sido provado. Discutiu e ponderou sobre as conseqüências sobre a parte psicológica da autora, decorrente da abertura de uma garrafa de refrigerante contendo corpos estranhos.
Os recursos foram contra-arrazoados.
Opinou a douta Procuradoria de Justiça pelo conhecimento e parcial provimento da apelação da autora.
É o relatório.
VOTOS
Des. Luís Augusto Coelho Braga (RELATOR)
Para evitar tautologia, adoto como razões de decidir o parecer da Douta Procuradoria de Justiça, da lavra da Promotora Sônia Mara Frantz, cujo exame das questões de fato e de direito bem resolvem a lide, verbis:
“Os recursos preenchem os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual devem ser conhecidos”.
Merece provimento a apelação da autora e improvimento o recurso da demandada.
Trata-se de ação de indenização por danos morais atribuídos à Vompar Refrescos S/A, decorrentes do fato de ter sido encontrada uma embalagem de doce de leite ‘mumu’ em estado de decomposição no interior de uma garrafa de refrigerante ’sprite’, ingerido pela demandante em um restaurante.
Como é consabido, a responsabilidade civil dotada pelo Código do Consumidor, em relação ao fabricante é objetiva, somente sendo afastada nas hipóteses previstas no § 3° do art. 12, senão vejamos:
‘O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - sua apresentação;
II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi colocado em circulação.
(...)
§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro’.
Nesse passo, conclui-se que o dever indenizatório do fabricante de refrigerante, por danos causados ao consumidores, decorrentes de defeitos da fabricação, montagem, fórmula, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, só pode ser afastado caso restar provado que este não colocou o produto no mercado ou que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexista, ou ainda, em caso de haver culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro no evento danoso.
E outro não é o entendimento do festejado jurista Arruda Alvim ao tratar da primeira excludente:
‘Exonera-se da responsabilidade o fabricante, o produtor, o construtor, o produtor ou o importador, quando provar não ter colocado o produto no mercado, ou seja, embora o tenha produzido, este tenha sido introduzido no mercado de consumo sem seu conhecimento. Trata-se aqui de verdadeira presunção legal de que quando os produtos se encontram em circulação, houve introdução voluntária dos mesmos, por parte do fornecedor, no mercado de consumo, presunção esta que somente se infirma com a produção de prova em contrário pelo fornecedor responsável. (OBRA CITADA EM ACÓRDÃO DA APELAÇÃO CÍVEL N° 70003081957, SEXTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. CARLOS ALBERTO ÁLVARO DE OLIVEIRA, JULGADO EM 28/11/01.)

E nesse sentido vem decidindo o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado:
REFRIGERANTE COM ALTERAÇÕES. AFETAÇÃO DA SAÚDE DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA, CUJA PROVA DE EXCLUDENTES CABE AO FABRICANTE. VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ESTES REDUZIDOS EM CONSIDERAÇÃO À SINGELEZA DO FATO E AOS PARÂMETROS DO COLEGIADO. DISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. Há que se convir que com o advento do Código de Defesa do Consumidor consagrou-se em nosso ordenamento jurídico o princípio da responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e/ou serviços. Tal responsabilidade restou mitigada pela inserção das excludentes enumeradas no § 3o., do art. 14, do referido Diploma Legal. Não comprovadas quaisquer dessas exceções legais, ônus que competia ao fabricante, mas evidenciado o prejuízo resultante do consumo do produto, cabe àquele indenizar o consumidor lesado, tanto com relação aos danos materiais como aos morais. No caso dos autos, a versão oferecida na inicial encontra repercussão probatória que lhe confere foros de verossimilhança. Indenização patrimonial que vai mantida, reduzindo-se a extrapatrimonial para adequá-la à singeleza do fato, não desconsiderada a sua finalidade inibitória. Princípio da razoabilidade. Critérios da Câmara. Distribuição da sucumbência que deve valorizar sobremaneira o reconhecimento do dever de indenizar. APELAÇÃO DA RÉ PARCIALMENTE PROVIDA, IMPROVIDA A DO AUTOR. (Apelação Cível Nº 70003631108, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 24/04/2003)

APELAÇÃO CÍVEL. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR PELO FATO DO PRODUTO. Nos termos do art. 12 da lei 8.078/90, cumpre ao agente econômico a reparação do abalo psicológico sofrido pelo consumidor que encontra fragmentos de barata no interior de uma garrafa de refrigerante. Dano moral caracterizado. Quebra da confiança. Sentimento de vulnerabilidade e impotência. Nexo de causalidade evidente entre a lesão e o produto defeituoso. Presunção do defeito, em consonância com o art. 12, § 3º, II, do CDC, e maciço entendimento doutrinário. Ausência de demonstração por parte da ré da sua inexistência. Não conhecimento do agravo retido. Falta de reiteração nas contra-razões recursais. Apelo provido. (Apelação Cível Nº 70002240265, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 04/10/2001)

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. CORPO ESTRANHO EM GARRAFA DE REFRIGERANTE - INSETO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Demonstrado pela perícia a existência de uma "barata americana" no interior da garrafa de refrigerante. Prova testemunhal que comprova que os autores verificaram a existência do corpo estranho na garrafa logo após ingerirem parte do líquido, corroborando a narrativa da exordial. A responsabilidade civil, no caso, é objetiva, não sendo necessária a prova da culpa. APELAÇÃO DESPROVIDA. RECURSO ADESIVO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70003998242, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado de Souza Júnior, Julgado em 17/11/2004)

No caso dos autos, a perícia de fls. 154/159 dá conta de que efetivamente existia uma embalagem de doce de leite dentro da garrafa de refrigerante consumida pela demandante. Além disso, o laudo refere que o corpo estranho apresentava sujidades que tornavam o liquido impróprio para o consumo.
De outra banda, o perito atesta que a garrafa não sofreu adulteração, fato que permite concluir não tenha havido contato do refrigerante com fatores de externos, induzindo ao entendimento de que a embalagem foi inserida ou mantida no recipiente durante sua fabricação e acondicionamento.
Outrossim, a prova oral é uníssona ao asseverar que foi verificada a presença de objeto na bebida logo após a abertura do recipiente e a conseqüente ingestão de parte de seu conteúdo pela demandante, o que também demonstra que a garrafa veio da fábrica com objeto estranho em seu interior, atestando que o fabricante não tomou os devidos cuidados durante a produção e embalagem do produto.
Nesse sentido é a declaração das testemunhas que acompanharam a menor ao restaurante, bem como o relato do garçon do estabelecimento onde foi consumido o refrigerante, Sr. Darci Sidnei Monteiro (fls. 116/117):
‘(...)
J: E foi o senhor que serviu: T: Sim, fui eu que servi a bebida.
J: O Senhor tem certeza que aquele mu-mu estava dentro da garrafa: T: Sim, eu a abri na mesa e ela serviu, quando eu fui abrir outra garrafa de coca-cola, a menina serviu e tomou, a gente olhou e viu que estava subindo o saquinho de mu-mu. (...)’
Logo não se têm dúvidas de que houve falha no processo de fabricação e acondicionamento do refrigerante, fato que gera o dever de indenizar os danos morais causados à autora, tendo em vista que defeito no produto causou evidente repugnância e colocou em risco a saúde da autora.
E aqui é importante gizar que a jurisprudência dos tribunais pátrios consagram o entendimento no sentido de que é desnecessária qualquer prova de prejuízo na espécie, por se tratar de dano moral puro.
Nesse sentido:
‘RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. BEBIDA SERVIDA EM RESTAURANTE. CORPOS ESTRANHOS ENCONTRADOS NO INTERIOR DA GARRAFA. (...) 2; RESPONDE O FABRICANTE PELOS PREJUÍZOS EXTRA-PATRIMONIAIS CAUSADOS AO PROPRIETÁRIO DO RESTAURANTE, PELO FATO DE TER CAUSADO CONSTRANGIMENTO EM RAZÃO DA REAÇÃO INDIGNADA DO CLIENTE. 3. O DANO MORAL PURO PRESCINDE DE PRODUÇÃO PROBATÓRIA, POIS CONSIDERADO IN RE IPSA. (...)” (GRIFO NOSSO)

Desta forma, levando em consideração as peculiaridades do caso concreto, as conseqüências do evento, a capacidade econômica do ofensor e os precedentes da Câmara, entende o parquet que o valor arbitrado pela julgadora monocrática não é suficiente para o efeito de ressarcir o dano moral sofrido pela autora, razão pela qual manifesta-se o Ministério Público pela majoração do quantum indenizatório para o montante equivalente de 20 salários mínimos, quantia que considero adequada à hipótese dos autos, devendo ser acolhida parcialmente as irresignação recursal da autora neste tópico”.
Com base em tais fundamentos, dou parcial provimento ao primeiro apelo, majorando a indenização fixada para vinte (20) salários mínimos nacionais, e nego ao segundo, mantidas as demais cominações da sentença recorrida.

É o voto.


Desa. Íris Helena Medeiros Nogueira (REVISORA) - De acordo.
Desa. Marilene Bonzanini Bernardi - De acordo.


Apelação Cível n° 70011902202, de Porto Alegre: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E NEGARAM AO SEGUNDO. UNÂNIME”.



Julgador(a) de 1º Grau: RUTE DOS SANTOS ROSSATO

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