2.6.07

SEGURO OBRIGATÓRIO. DPVAT. INVALIDEZ PERMANENTE.

SEGURO OBRIGATÓRIO. DPVAT. INVALIDEZ PERMANENTE.
Preliminar de falta de interesse processual rejeitada. A quitação dada pelo autor não tem o condão de obstar o direito de cobrar a diferença entre o valor efetivamente indenizado e o previsto na Lei nº 6.194/74.
De acordo com a redação do art. 5º da Lei nº 6.194/74, dada pela Lei nº 8.441/92, o pagamento da indenização está condicionado apenas à prova do acidente e do dano decorrente. Outrossim, comprovada a invalidez permanente, o valor da indenização deve corresponder a até 40 vezes o salário mínimo vigente da época da liquidação do sinistro, porquanto a alínea ‘b’ do art. 3º da Lei nº 6.194/74 não faz diferenciação quanto ao grau da invalidez.
Fixação da indenização em salários mínimos como critério de cálculo.
Juros incidentes no percentual indicado pelo art. 406 do novo CC, combinado com o art. 161, § 1º, do CTN. Correção monetária, no caso, devida desde o pagamento a menor.
Verba honorária mantida.
Apelo provido em parte.

Apelação Cível

Quinta Câmara Cível
Nº 70019465889

Comarca de Porto Alegre
CENTAURO SEGURADORA S.A.

APELANTE
MARCELO SILVA DE SOUZA

APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em indeferir o pedido de intimação da seguradora para juntar documentos, bem como o adiamento do julgamento, em rejeitar a matéria preliminar e dar provimento, em parte, ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Pedro Luiz Rodrigues Bossle e Des. Umberto Guaspari Sudbrack.
Porto Alegre, 23 de maio de 2007.


DES. LEO LIMA,
Relator.

RELATÓRIO
Des. Leo Lima (RELATOR)
MARCELO SILVA DE SOUZA ajuizou ação dita ordinária de cobrança securitária contra CENTAURO SEGURADORA S/A. Refere que foi vítima de acidente de trânsito, ocorrido em 07.08.2003. Diz ter resultado com invalidez permanente. Informa que recebeu R$ 1.077,40, a título de seguro obrigatório DPVAT. Salienta que, segundo a Lei nº 6.194/74, a indenização deve corresponder à quantia equivalente a quarenta salários mínimos. Pede a condenação da ré ao pagamento de R$ 10.922,60, acrescidos de juros e correção monetária. Por fim, pugna pela gratuidade de justiça.
A gratuidade de justiça foi deferida.
Na contestação, a ré argúi, preliminarmente, carência de ação por falta de interesse de agir, diante da quitação e carência de ação por falta de documento imprescindível ao exame da questão. De resto, discorre sobre a competência do Conselho Nacional do Seguro Privado – CNSP para baixar instruções e expedir circulares relativas à regulamentação das operações de seguro. Entende que não há valor a complementar. Frisa ser impossível a vinculação da indenização ao salário mínimo. Salienta ser necessária a realização de perícia a fim de comprovar a incapacidade do autor. Acrescenta que os juros moratórios, de 0,5%, devem ser fixados a partir da citação e a correção monetária, a partir do ajuizamento da ação.
O autor se manifestou sobre a contestação.
Lançada a sentença, julgou procedente o pedido para condenar a ré ao pagamento de R$ 10.922,60, corrigidos pelo IGP-M desde a data do sinistro e acrescidos de juros de 12% ao ano, contados da citação. Condenou-a, também, ao pagamento das custas e honorários de 20% sobre o valor da condenação.
Inconformada, a seguradora apelou, reiterando preliminares e reforçando argumentos para requerer a improcedência do pleito.
Respondido o recurso, os autos vieram à apreciação desta Corte.
À fl. 106, o autor requereu a intimação da seguradora para juntar documentos, bem como o adiamento do julgamento.
É o relatório.
VOTOS
Des. Leo Lima (RELATOR)
De início, indefiro o pedido de intimação da seguradora para juntar documentos, bem como o adiamento do julgamento, porque não se trata de fato novo a justificar tal medida.
Rejeito a preliminar de falta de interesse processual, repelida na sentença, mas reiterada pela ré em razões recursais.
Acontece que o fato de o autor já ter recebido parte do valor do seguro DPVAT (fl. 22), não o impede de cobrar, da ré, a diferença entre o valor efetivamente indenizado e o valor legalmente previsto.
A propósito, a jurisprudência, tanto do Superior Tribunal de Justiça, quanto deste Tribunal, já assentou que vale o recibo pela quantia que nele se contém, sem excluir pretensão futura por eventual saldo, como mostram as ementas que seguem:

“DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONHECIMENTO SOB O RITO SUMÁRIO. SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT). COMPLEMENTAÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ADMISSIBILIDADE.
- O recibo de quitação outorgado de forma plena e geral, mas relativo à satisfação parcial do quantum legalmente assegurado pelo art. 3º da Lei n. 6194/74, não se traduz em renúncia a este, sendo admissível postular em juízo a sua complementação. Precedentes.” (RESP nº 363604/SP, apreciado em 02.04.2002, pela Terceira Turma do STJ, sendo relatora a Ministra Nancy Andrighi).

“RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DPVAT. SENTENÇA ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA.
(...) Direito à indenização decorrente da diferença entre o valor pago à beneficiária e os 40 (quarenta) salários mínimos a que fazia jus, não afastado em decorrência de alegada quitação, a qual não impede a possibilidade de complementação.
Precedentes do STJ. Apelação desprovida” (Apelação Cível nº 70007064630, apreciada em 05.02.2004, pela 12ª Câmara Cível do TJRS, sendo relator o Desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro)

Afasto, pois, a referida preliminar.
Quanto à preliminar de ausência de perícia médica e comprovação da alegada invalidez, confunde-se com o mérito e com ele será analisada.
De resto, a inconformidade da seguradora prospera apenas em parte.
O art. 5º e §§ 1º e 2º, com a alteração da Lei nº 8.441/92, prevêem:
“Art. 5º O pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado.
§ 1º - A indenização referida neste artigo será paga com base no valor da época da liquidação do sinistro, em cheque nominal aos beneficiários, descontável no dia e na praça da sucursal que fizer a liquidação, no prazo de quinze dias da entrega dos seguintes documentos:
a) certidão de óbito, registro da ocorrência no órgão policial competente e a prova de qualidade de beneficiários no caso de morte;
b) Prova das despesas efetuadas pela vítima com o seu atendimento por hospital, ambulatório ou médico assistente e registro da ocorrência no órgão policial competente - no caso de danos pessoais.
§ 2º Os documentos referidos no § 1º serão entregues à Sociedade Seguradora, mediante recibo, que os especificará”.

Como visto, a indenização está condicionada à simples prova do acidente e do dano decorrente.
No caso, a ocorrência policial das fls. 17/18, aliada ao comprovante de pagamento da fl. 22, dá conta de que o acidente, do qual o autor foi vítima, causou-lhe seqüelas funcionais.
Convém registrar que o pagamento parcial indica que a seguradora reconheceu a invalidez permanente do autor, caso contrário, nada teria lhe disponibilizado a importância de R$ 1.077,40. Tal circunstância também afasta a alegação da seguradora, de que há carência de ação, por ausência de perícia e de prova da invalidez.
Ademais, o art. 3º da Lei nº 6.194/74 não exige que a invalidez seja total, mas apenas permanente, sendo que o grau da incapacidade, nas circunstâncias, não interfere no valor da indenização.
Tudo, porque a alínea “b” do mencionado art. 3º estabelece que, tratando-se de invalidez permanente, esse valor corresponde a até 40 (quarenta) vezes o salário mínimo vigente.
Como se pode observar, especialmente, da redação da apontada alínea “b”, inexiste, na Lei nº 6.194/74, diferença quanto ao grau da invalidez.
Assim, não podendo, a ré, eximir-se do pagamento da indenização perseguida.
E não há falar que a fixação da indenização, tendo como base o salário mínimo, é vedada, visto que se cuida somente de critério de cálculo.
A jurisprudência, ademais, não destoa desse entendimento:

“CIVIL. SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT). VALOR QUANTIFICADO EM SALÁRIOS MÍNIMOS. INDENIZAÇÃO LEGAL. CRITÉRIO. VALIDADE. LEI Nº 6.194/74. RECIBO. QUITAÇÃO. SALDO REMANESCENTE.
I. O valor de cobertura do seguro obrigatório de responsabilidade civil de veículo automotor (DPVAT) é de quarenta salários mínimos, assim fixado consoante critério legal específico, não se confundindo com índice de reajuste e, destarte, não havendo incompatibilidade entre a norma especial da Lei n. 6194/74 e aquelas que vedam o uso do salário mínimo como parâmetro de correção monetária. Precedente da 2ª Seção do STJ (Resp n. 146.186/RJ, Rel. p/ acórdão Min. Aldir Passarinho Junior, por maioria, julgado em 12.12.2001).
II. (...)
III. Recurso especial conhecido e provido” (RESP 296675/SP, Quarta Turma, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior, j. 23.09.2002).

“AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO DPVAT. MORTE DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 3º DA LEI 6194/74.
Em caso de morte por acidente de trânsito, a indenização decorrente do seguro obrigatório deve obedecer aos valores fixados no artigo 3º da lei 6194/74. As Leis nºs 6205/75 e 6423/77 não revogaram o critério de fixação da indenização com base no valor do salário mínimo, quer pelo marcante interesse social e previdenciário desta modalidade de seguro, quer por estabelecer a Lei 6194/74 um simples critério de cálculo de valor indenizatório, não se constituindo no fator de correção monetária que as leis supervenientes buscaram afastar. Sentença que julgou procedente a ação. Apelo improvido” (Apelação Cível º 70002217875, 6ª Câmara Cível do TJRS, Rio Pardo, Rel. Des. Cacildo de Andrade Xavier.j. 29.08.2001).

Ademais, é a própria Lei nº 6.194/74 que estabelece essa indenização em salários mínimos.
Nesse contexto, então, perdem relevo disposições de Resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, invocadas pela seguradora.
Ora, por serem hierarquicamente inferiores à Lei nº 6.194/74, não podem se contrapor à norma superior, nem estabelecerem restrições à mesma, quando não há autorização legal para tanto. Quanto mais, diante do princípio da legalidade, insculpido no art. 5º, II, da Constituição Federal.
Quanto aos juros, há de restar mantido o percentual fixado na respeitável sentença, tendo presente o disposto no art. 406 do novo CC, combinado com o art. 161, § 1º, do CTN.
Relativamente à correção monetária, assiste razão apenas em parte à seguradora, sendo devida desde a data do pagamento a menor (20.10.2005), não desde a data do sinistro.
A verba honorária, outrossim, não merece alteração, porquanto atendidos os parâmetros do § 3º do art. 20 do CPC.
Ante o exposto, dou provimento, em parte, ao apelo.

Des. Pedro Luiz Rodrigues Bossle (REVISOR) - De acordo.
Des. Umberto Guaspari Sudbrack - De acordo.

DES. LEO LIMA - Presidente - Apelação Cível nº 70019465889, Comarca de Porto Alegre: "INDEFERIRAM O PEDIDO DE INTIMAÇÃO DA SEGURADORA PARA JUNTAR DOCUMENTOS, BEM COMO O ADIAMENTO DO JULGAMENTO, REJEITARAM A MATÉRIA PRELIMINAR E DERAM PROVIMENTO, EM PARTE, DO APELO. UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: SANDRO LUZ PORTAL

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