31.5.07

produto alimentício com prazo de validade vencido. mal-estar (náuseas, vômitos, dor de estômago) causado pela ingestão do produto.

ação de reparação por danos morais. ACIDENTE DE CONSUMO. produto alimentício com prazo de validade vencido. mal-estar (náuseas, vômitos, dor de estômago) causado pela ingestão do produto. caso em que não se sustenta a decisão exarada na origem, de extinção do feito sem resolução de mérito, com fulcro no art. 40, inc. II, da lei nº 9.099/95. processo suficientemente instruído. julgamento de plano pelo colegiado. INOCORRÊNCIA DE EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO COMERCIANTE. recurso parcialmente provido para levantar o decreto extintivo e, no mérito, reconhecendo a ocorrência do DANO MORAL puro (“IN RE IPSA”), fixar a reparação em patamar inferior ao postulado na inicial.


Recurso Inominado

Segunda Turma Recursal Cível - jec
Nº 71001215524

Comarca de Uruguaiana
CLECI VAZ DE ANDRADE

RECORRENTE
SUPERMERCADO SIMONE LTDA

RECORRIDO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Juízes de Direito integrantes da Segunda Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores Dr. Eduardo Kraemer e Dr. Clóvis Moacyr Mattana Ramos.
Porto Alegre, 18 de abril de 2007.


DR.ª MYLENE MARIA MICHEL,
Relatora.

RELATÓRIO
(Oral em Sessão.)

VOTOS
Dr.ª Mylene Maria Michel (RELATORA)

A autora, ao apresentar o cupom de compra do produto (fl. 08) e o pote plástico do doce parcialmente consumido (a própria julgadora menciona, na fl. 57, 1º parágrafo, a embalagem “com tampa de doce de pêssego cremoso, marca CBS”, embora o receptáculo não tenha subido com os autos), fez a prova que lhe era possível no sentido de indicar o prazo vencido da mercadoria. Tenho, por outro lado, que não se encontra amparado por prova escorreita o argumento defensivo, de que “o produto alegado pela autora não pertencia ao estoque de venda da empresa ré, pois os produtos da marca CBS com a codificação de barra descrita na inicial e demonstrada na nota fiscal (doc. acostado) venceriam apenas em setembro de 2006.”. Restou insatisfeita a condição de que fala o art. 333, inc. II, do Código de Processo Civil.
Tudo leva à conclusão de que o produto adquirido pela recorrida apresentava-se impróprio ao consumo, uma vez estando com o prazo de validade expirado em aproximadamente dois meses. Não apresentou a segurança que dele era esperado.
Ao contrário do que aduz o comerciante na contestação, que os sintomas sofridos pela autora “são exatamente os sintomas apresentados por quem sofre dessas alterações secundárias causadas pela hipoglicemia”, (fl. 41, 3º parágrafo), a consumidora aduziu na inicial ter experimentado “muita dor de estômago, náusea, vômitos” (fl. 02), nada a ver, portanto, com os sintomas da hipoglicemia que o recorrido elencou na fl. 41, tais como visão turva, pensamento lento, formigamentos, dificuldade de concentração etc.
Evidente, portanto, que a sintomatologia dada a conhecer nos autos (roborada pela prova documental nas fls. 19/23), guarda relação com o consumo de alimento em condições impróprias, e não com o quadro de hipoglicemia apresentado pela consumidora. De qualquer maneira, restando consubstanciado o vencimento do produto, o dano moral é presumido, porquanto configurado “in re ipsa”, nos termos do aresto cuja ementa transcrevo a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ALIMENTO COM PRAZO DE VALIDADE VENCIDO. PROBLEMAS ESTOMACAIS. ACIDENTE DE CONSUMO. FATO DO PRODUTO. DEVER DE QUALIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL IN RE IPSA. INOCORRÊNCIA DE EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO COMERCIANTE. QUANTUM INDENIZATÓRIO. A venda de alimento com prazo de validade vencido, que causa sérios danos à saúde do consumidor, configura acidente de consumo por defeito do produto, uma vez que este não ofereceu a segurança que dele podia legitimamente se esperar. A mais nova e moderna doutrina aponta o dever de qualidade nas relações de consumo como um dos grandes nortes instituídos pelo código de defesa do consumidor. Considerando-se a aplicação da legislação especial ao caso em tela, impõe-se a responsabilização do fornecedor na forma objetiva, o que significa a dispensa da prova de culpa para restar evidenciado o dever de indenizar, bastando a existência do dano e do nexo de causalidade. Não pode o consumidor ser responsabilizado de forma concorrente pela grave negligência praticada pelo comerciante, ao manter em suas prateleiras e comercializar produto com prazo de validade vencido há mais de vinte dias, considerando também a condição de hipossuficiente do consumidor na relação de consumo. Mesmo porque, segundo ensinamento de Carlos Roberto Gonçalves, na obra responsabilidade civil, Editora Saraiva, 2003, pág.31: ‘só se admite como causa exonerativa da responsabilidade a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, não a culpa concorrente, adotando-se o mesmo sistema do decreto legislativo n. 2.681, de 1912, que trata da responsabilidade das estradas de ferro.’
(...)
APELO PARCIALMENTE PROVIDO.
(Apelação Cível Nº 70011135241, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 18/05/2005)


Assim, restando caracterizado o vencimento da data de validade do produto comestível, bem como o fato de que a autora apresentou problemas estomacais logo após consumi-lo, necessitando ser medicada e realizar exame endoscópico, tem-se que o mesmo deixou de apresentar a segurança que dele era esperado, colocando em risco a integridade física (a saúde) da consumidora. Caracterizado o acidente de consumo pelo fato do produto, modo a ensejar a responsabilização do estabelecimento demandado - na condição de fornecedor -, nos termos do artigo 18, “caput” e seu §6º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. Verbis:

Art. 12 - O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§ 1º - O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - sua apresentação;
II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi colocado em circulação.
§ 2º - O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.
§ 3º - O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Art. 13 - O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:
I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;
III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Responde o recorrido, nos termos do CDC, de forma objetiva, sendo desnecessária a prova da culpa, porquanto suficiente a existência do dano e o nexo causal para que exista o dever de reparação. A rigor, sequer seria exigível que a irresignada demonstrasse o consumo do alimento; competia-lhe – ônus do qual se desincumbiu – a prova da compra do produto com a validade vencida, sendo presumível, portanto verossímil, a ingestão. Completamente despiciendo e equivocado o entendimento de que que seria necessário providenciar laudos médicos/periciais para apurar o nexo causal.
No que tange aos danos morais, considerando que estes se deram na modalidade “in re ipsa”, sem que se perquira sobre a real extensão dos mesmos (as circunstâncias do fato é que lhes configuram), tenho que não autorizam deferimento de verba muito elevada, mesmo para os parâmetros do JEC. Suficientemente reparatória, na espécie, a quantia de R$ 3.000,00.
Julga-se o mérito de plano, na esteira do art. 515, § 3º, do CPC, uma vez que o processo se encontra suficientemente instruído.
Comporta parcial reforma, ante o exposto, a r. sentença recorrida.

Voto pelo parcial provimento do recurso, no sentido de levantar o decreto extintivo e, no mérito, condenar o réu a indenizar a autora em R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de dano moral, valor a ser corrigido monetariamente pelo IGP-M da data do ajuizamento, acrescido de juros legais de 1% ao mês da citação.
Sem sucumbência, na exegese do art. 55, da Lei nº 9.099/95.


Dr. Eduardo Kraemer - De acordo.
Dr. Clóvis Moacyr Mattana Ramos - De acordo.

DR.ª MYLENE MARIA MICHEL - Presidente - Recurso Inominado nº 71001215524, Comarca de Uruguaiana: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME."


Juízo de Origem: 1. VARA CIVEL URUGUAIANA URUGUAIANA - Comarca de Uruguaiana

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