2.6.07

QUEIMADURA EM RESTAURANTE. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO. dano moral .

APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. QUEIMADURA EM RESTAURANTE. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO. dano moral . ocorrência. INCIDÊNCIA DO CDC. LUCROS CESSANTES. NÃO CONFIGURAÇÃO.
AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE.
sentença mantida.
PRIMEIRA APELAÇÂO PROVIDA EM PARTE.
SEGUNDA APELAÇÃO NÃO PROVIDA.

Apelação Cível

Nona Câmara Cível
Nº 70013527130

Comarca de Porto Alegre
ALEXANDRE TIGRE

APELANTE/APELADO
ELEONORA MARIA GUIMARÃES OLIVEIRA RIZZO

APELANTE/APELADO
BIRRA E PASTA LANCHERIA E RESTAURANTE LTDA

APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao primeiro recurso e negar provimento ao segundo recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Desa. Marilene Bonzanini Bernardi e Des. Odone Sanguiné.
Porto Alegre, 14 de dezembro de 2005.


DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA,
Relator.

RELATÓRIO
Des. Luís Augusto Coelho Braga (RELATOR)
Adota-se o relatório de fls. 166/172.
ALEXANDRE TIGRE ajuizou ação de indenização em face de ELEONORA RIZZO BIRRA E PASTA LANCHERIA E RESTAURANTE LTDA., em decorrência de explosão ocorrida no estabelecimento da segunda requerida que acabou gerando queimaduras na autora. Aduziu que as rés agiram com culpa no caso concreto. Pediu danos morais e lucros cessantes.
Em contestação, os réus colocaram que por infortúnio ocorreu a explosão e que o autor recebeu todos os cuidados médicos exigidos. Disseram que não houve os pressupostos da responsabilidade civil no caso em análise. Pediram a improcedência da ação.
Instruído regularmente o feito, sobreveio sentença, fl. 172, julgando parcialmente procedentes os pedidos do autor contra as rés, fixando o valor indenizatório em R$ 6.000,00 (seis mil reais), corrigidos pelo IGP-M a partir da data da sentença e acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, além da sucumbência recíproca, que dividiu pela metade, às partes, os honorários fixados em 12% sobre o valor atualizado da condenação, suspensa a exigibilidade ao autor, dada a AJG.
Apelou o autor, requerendo a majoração do valor indenizatório, pela gravidade das queimaduras, além da condenação dos réus pelos lucros cessantes, por ser o autor modelo fotográfico, tendo o mesmo deixado de fazer inúmeros trabalhos.
Os réus apelaram requerendo a modificação do decisum, uma vez que não houve lesão grave ou de caráter permanente na vítima, além de não haver os requisitos necessários para a responsabilização dos apelantes. Requereram, alternativamente, a redução do quantum indenizatório.
É o relatório.
VOTOS
Des. Luís Augusto Coelho Braga (RELATOR)
Passo a apreciar os apelos interpostos.
Primeiramente, é de importância ímpar colocar que a relação que envolve as partes no caso concreto é consumerista.
Destarte, como analisa CLÁUDIO BONATTO E PAULO VALÉRIO DAL PAI MORAES, in “Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor: Principiologia, conceito e contrato”, Ed. Livraria dos Advogados, 2001, pág. 63:
“(...) Relação Jurídica de consumo é o vínculo que se estabelece entre um consumidor, destinatário final, e entes a ele equiparados, e um fornecedor profissional, decorrente de um ato de consumo ou como reflexo de um acidente de consumo, a qual sofre a incidência da norma jurídica específica, com o objetivo de harmonizar as interações naturalmente desiguais da sociedade moderna de massa (...)”.
Portanto, o art. 12 e o art. 14 não exigem culpa ou prova de culpa e, sim, defeito de fabricação ou de serviço, dano e o nexo causal. Até mesmo porque mais do que uma atividade de risco é dever geral de segurança dos produtos ou dos serviços.
Da alegação de que meros transtornos não ensejam indenizações, é de ser esclarecido que, no caso em pauta, tratando-se de relação de consumo, onde a responsabilidade do fornecedor do serviço é objetiva, não interessa a conduta do fornecedor. Tendo prestado serviço defeituoso, tem o dever de indenizar. Nestes termos preceitua o artigo 14 do CDC.
Nesse raciocínio, o autor sofreu queimaduras, dentro do estabelecimento comercial, causados por ação culposa da ré ao reabastecer os recheauds (fogareiros) da mesa do buffet, que acabou provocando uma explosão, fato que restou incontroverso, provado o defeito do serviço, posto que as testemunhas não lograram demonstrar que a culpa tenha sido exclusiva da autora. Pelo contrário, não resta claro o motivo pelo qual a explosão se deu e, nesse caso, o ônus da prova de culpa exclusiva era dos requeridos, o que inocorreu.
Outrossim, a teoria do risco, ou da falha do serviço, inerente a essa atividade, distinta da culpa presumida ou da própria responsabilidade subjetiva, baseada na culpa lato sensu, poder-se-ia aplicar à espécie.
Nesse sentido, ficando comprovada a responsabilidade civil na espécie, pela violação do dever de segurança, no fornecimento do serviço, SÉRGIO CAVALIERI FILHO, in “Programa de Responsabilidade Civil”, 2ª edição, Ed. Malheiros, pág. 176, estabelece, verbis:
“(...) Quem desenvolve atividade perigosa só terá obrigação de indenizar objetivamente quando violar o dever de segurança, e isso ocorre quando o serviço é prestado com defeito.
(...) Diz-se ali que o fornecedor responde objetivamente pelos danos causados por defeitos dos serviços, e que o serviço é defeituoso quando não oferece a segurança legitimamente esperada.
(...) A noção de segurança tem também uma certa relatividade; depende do casamento de dois elementos: a desconformidade com a expectativa legítima e a intensidade do risco criado pela atividade, isto é, a probabilidade que ela tem da causar o dano. Caberá ao aplicado da norma aferir, em cada caso concreto, o grau dessa periculosidade e a exigência de segurança legitimamente esperada. O que se quer é uma segurança dentro dos padrões da legitima expectativa da coletividade (...). (grifei)

Nessa linha de raciocínio, CLÁUDIO BONATTO E PAULO VALÉRIO, op. cit, pág. 37/38, ratificam, quanto à responsabilidade pelo fato do produto e do serviço:

“(...) Importa frisar, desde já, que não é fundamental para esta norma (art.14), a existência de relação contratual, já que o resultado final, ou seja, um dano em uma das três modalidades inicialmente declinadas (incolumidade física, psíquica ou dano exterior ao produto ou serviço) é suficiente para o reconhecimento do dever de indenizar (...)”.

O dano moral, como prática atentatória aos direitos da personalidade, traduz-se num sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida, capaz de gerar-lhe alterações psíquicas ou prejuízos à parte social ou afetiva de seu patrimônio moral, conforme bem delineado por SÉRGIO CAVALIERI FILHO, in “Programa de Responsabilidade Civil”, 2ª edição, Ed. Malheiros, pág. 78, estabelece verbis:

“(...) Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio no seu bem-estar (...)”.

Em tais condições, face à natureza do dano, torna-se a meu ver difícil, senão mesmo impossível, sua prova, razão pela qual filio-me à corrente que o considera in re ipsa, dispensada sua demonstração em juízo.
SÉRGIO CAVALIERI FILHO, in “Programa de Responsabilidade Civil”, 5ª edição, Editora Malheiros, p. 101, ao examinar o tema refere, verbis:
“· Essa é outra questão que enseja alguma polêmica nas ações de indenização. Como, em regra, não se presume o dano, há decisões no sentido de desacolher a pretensão indenizatória por falte de prova do dano moral”.
Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação, através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorna à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.
Neste ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo de tal modo que provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum. Assim, por exemplo, provada a perda de um filho, do cônjuge, ou de outro ente querido, não há que se exigir a prova do sofrimento, porque isso decorre do próprio fato de acordo com as regras de experiência comum; provado que a vítima teve seu nome aviltado, ou a sua imagem vilipendiada, nada mais ser-lhe-á exigido provar, por isso que o dano moral está in re ipsa; decorre inexoravelmente da gravidade do próprio fato ofensivo, de sorte que, provado o fato, provado está o dano moral (...). (grifei)

Esta a orientação adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, de que é exemplo o acórdão unânime da 4a. Turma (Resp 58.151-Es, j. em 27-3-1995, relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 29.5.1995), assim ementado:


RESPONSABILIDADE CIVIL. BANCO. SPC. DANO MORAL E DANO MATERIAL. PROVA.
O Banco que promove a indevida inscrição de devedor no SPC e em outros bancos de dados responde pela reparação do dano moral que decorre dessa inscrição. A exigência de prova de dano moral (extrapatrimonial) se satisfaz com a demonstração da existência da inscrição irregular.
Já a indenização pelo dano material depende de prova de sua existência, a ser produzida ainda no processo de conhecimento.
Recurso conhecido e provido em parte.

Ademais, princípios consagrados no CDC, como o princípio da boa fé objetiva onde se acredita estar o produto ou o serviço adequado a padrões de procedimento que não levem a um resultado danoso ao indivíduo e outro princípio, o da confiança, que assegura ao consumidor o ressarcimento em caso de riscos ou prejuízos advindo de um defeito pelo fato do produto ou serviço, norteiam o caso em concreto.
Desta feita, não havendo dúvidas quanto à autoria, ilicitude e do dano – que no caso é presumido, por ser in re ipsa -; estabelecido o nexo de causalidade entre a ação e o abalo sofrido, passo a fixar o quantum.
O valor a ser determinado pelo Julgador deve levar em conta: as condições econômicas e sociais da empresa ofensora; a gravidade da falta cometida; e as condições da ofendida; não devendo a verba enriquecê-la ilicitamente, nem causar constrangimento econômico à empresa-ré, sem perder de vista o caráter punitivo-pedagógico.
Ademais, entendo deva a indenização estar alinhada ao entendimento dominante desta Colenda Câmara para a espécie, conforme ementa, entre tantas, ora transcrita:
“DANO MORAL IN RE IPSA. LANÇAMENTO EM BANCO DE DADOS DE INADIMPLENTES EM VIRTUDE DE ERRO TIDO COMO ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. Tendo o réu, CARREFOUR, reconhecido erro administrativo no lançamento do nome da autora no SPC, bem como descumprido o disposto no art. 43, par. 2º, do CDC, merece reforma a sentença para condenar o réu a indenizar a autora em 30 salários mínimos. DERAM PROVIMENTO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70006415483, NONA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA, JULGADO EM 05/05/2004)”.

Assim, atento aos aspectos antes referidos e aos precedentes desta Colenda Câmara, verifico que a indenização fixada pelo Magistrado – R$ 6.000,00 (seis mil reais)– ficou dentro dos parâmetros adotados por este Colegiado, razão para qual deve ser mantida a verba.
Em relação aos lucros cessante, à luz do art. 333, I, do CPC, deveria o autor provar as prováveis ofertas de emprego perdidas pelo requerente, que trabalhava de modelo, o que não se verificou nos autos.
Quanto à verba honorária, elevo a mesma para 15% sobre o valor da condenação.
Com base em tais razões, dou parcial provimento ao primeiro recurso e nego provimento ao segundo recurso, mantidas as demais cominações da sentença de 1º grau.
É o relatório.

Desa. Marilene Bonzanini Bernardi (REVISORA) - De acordo.
Des. Odone Sanguiné - De acordo.

Apelação Cível n.º 70013527130 de PORTO ALEGRE – A decisão é a seguinte: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E NEGARAM PROVIMENTO AO SEGUNDO RECURSO. UNÂNIME”.


Julgador(a) de 1º Grau: JULIANO ROSSI

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