16.5.07

Leia o voto que devolve cargo a policial homossexual


Órgão: 6ª Turma Cível

Classe: RMO/APC – Remessa Oficial e Apelações Cíveis

N. Processo: 2004.01.1.117350-9

Apelante: DISTRITO FEDERAL

Apelante: MARCOS ANTÔNIO DE OLIVEIRA ALVES

Apelado (s): OS MESMOS

Relator Des.: DIVA LUCY IBIAPINA

Revisor Des.: BENITO AUGUSTO TIEZZI

VOTO REVISOR

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.

Adoto o RELATÓRIO já constante dos autos (fls. 199/207) da lavra da eminente Relatora Desembargadora DIVA LUCY IBIAPINA.

Analiso primeiramente o recurso de apelação do réu, que suscita a preliminar de julgamento extra petita.

Avaliando atentamente a narração contida na petição inicial, em confronto com a fundamentação utilizada pela digna magistrada singular, verifico inexistir a alegada ausência de correlação entre a causa de pedir da exordial e os fundamentos da sentença.

Como se depreende das alegações do réu/apelante (fls. 157/178): a) a causa de pedir declinada na inicial calca-se no argumento de que a sua exclusão das fileiras da Polícia foi ocasionada por punições disciplinares motivadas unicamente em perseguição decorrente de sua opção sexual e religiosa; b) a r. sentença afirmou não haver prova da referida discriminação, rejeitando, portanto, o fundamento fático utilizado pelo requerente como supedâneo para seu pedido; e, c) em violação à norma processual, a digna juíza monocrática julgou o caso admitindo a existência de pressuposto de fato diverso do narrado da peça de ingresso.

Data maxima venia, não é o que se infere da leitura atenta da petição inicial.

Com efeito, reconheço que o principal fundamento de fato utilizado pelo autor em sua exordial para respaldar seu pedido é que a sua exclusão dos quadros da PM foi ocasionada por punições disciplinares relacionadas exclusivamente à perseguição que sofria em razão de sua opção sexual e religiosa. Esse pressuposto fático, realmente, não guarda correlação com aquele declinado na r. sentença.

Todavia, a abusividade das punições disciplinares e a desproporcionalidade do ato de exclusão do quadro da Polícia Militar, pressupostos fáticos reconhecidos na sentença, também foram temas ventilados na petição inicial, como se depreende da leitura das seguintes passagens:
O ato do Comandante-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal, excluindo o autor da corporação, foi arbitrário, tendencioso e ilegal, eis que: a) feriu o princípio da razoabilidade – uma vez que essa punição foi desproporcional à infração tida por praticada; (fl. 05)
(...)
2.1.3. Some-se a tudo isso, Excelência, como mais uma prova das injustiças, perseguições e discriminações sofridas pelo autor devido à sua orientação sexual, o seguinte motivo tido como ensejador de uma punição experimentada pelo requerente (Doc. 5):
“(...) deixar de cumprir as normas internas inerentes ao atendimento de pacientes na clínica de fisioterapia desta Policlínica, quando da exigência de prescrição médica para ministrar-lhes sessões de fisioterapia e, ainda, ter dado causa às lesões em queimaduras ao SD Zenildo Braz da Silva, lotado no BOPE, o CB em tela demonstrou desinteresse e despreparo profissional e, de forma negligente, contribuiu para que outro companheiro da Corporação fosse vitimado em sua integridade física pelo seu atendimento (...)”
2.1.4. Ora, Excelência, o autor fora designado, apesar de sua relutância, para EXERCER FUNÇÃO DE FISIOTERAPEUTA, SEM POSSUIR A QUALIFICAÇÃO LEGAL, TAMPOUCO PRÁTICA, PARA TANTO. Despreparado, o fez cumprindo ORDENS SUPERIORES, e, ainda, foi PUNIDO pelas conseqüências de seu “despreparo”. (Ou melhor, por causa da desídia de seus superiores!).
2.1.5. Punições por motivos absurdos (como o demonstrado) fizeram com que o autor ingressasse no comportamento MAU, o que desembocou na malfada decisão de exclusão. (fls. 06/07)

Para melhor ilustrar e facilitar o cotejo entre a causa de pedir próxima declinada na inicial e os fundamentos de fato reconhecidos na r. sentença, transcrevo algumas passagens do édito recorrido:

Não há como afirmar se o autor foi vitimado pelo preconceito no meio militar em virtude de se dizer homossexual ou adepto de determinada religião. Mas, a motivação utilizada para fundamentar as referidas punições levam a crer que, seguramente, o requerente não gozava da simpatia de seus superiores, o que sem sombra de dúvidas influenciou não só na aplicação das penalidades, como também na posterior exclusão.
Como já salientado, os atos administrativos gozam de presunção de veracidade, cabendo ao prejudicado por estes demonstrar sua contrariedade à verdade.
O rígido regime disciplinar das forças militares exige de seus membros total observância às ordens superiores. Porém, não pode esse poder se converter em abusivo arbítrio.
Encontra-se entre os fundamentos para as punições razões como o simples questionamento quanto ao local correto que deveria ocupar o soldado em sua formatura ou, mesmo, por meras ponderações impertinentes. Apesar de referidas condutas, dentro da ordem castrense, representarem comportamento inconveniente, faz-se consentâneo questionar sua adequação, quando tomadas dentro de ambiente totalmente desfavorável ao requerente, que evidentemente preponderava no interior da policlínica, como bem asseveram os testemunhos colacionados nos presentes autos.
(...)
É certo que as punições nasceram mais da intolerância do que realmente de motivos justificados. As punições, como se pode observar das próprias justificativas, não se orientavam pelos preceitos relativos à disciplina, mas sim de comezinhas razões pessoais, fruto de valores que não se coadunam com a ordem jurídica, tanto que os outros militares percebiam o nítido tratamento disciplinar diferenciado que ao autor era outorgado, o que aponta a desarrazoabilidade das punições justamente a partir da designação do Sargento Maronite como chefe imediato do Reqte.

Importante ressaltar que o julgador não está adstrito aos fundamentos de direito (causa de pedir próxima) declinados pelo autor, mas apenas aos fundamentos de fato (causa de pedir remota).
Portanto, REJEITO a preliminar de julgamento extra petita suscitada pelo réu/apelante.

Quanto ao MÉRITO, melhor sorte não assiste ao réu/apelante.
Pretende a reforma da r. sentença para que se mantenha a decisão administrativa impugnada, e, subsidiariamente, se admita a ocorrência de sucumbência recíproca. Alega que houve invasão do mérito administrativo pela sentença e que não houve sucumbência mínima do autor.
Com efeito, não é dado ao Poder Judiciário, nos atos administrativos de cunho discricionário, emitir juízo sobre a conveniência e oportunidade das escolhas do administrador.
Todavia, não implica invasão do mérito administrativo e sim verdadeiro juízo sobre a sua legalidade, quando o Poder Judiciário, com base no princípio da proporcionalidade, analisa a adequação entre os motivos declinados pelo administrador como supedâneo à prática do ato e os fins de interesse público por ele colimados. Verificando-se desproporção entre os meios escolhidos pelo Administrativo e a finalidade almejada, há verdadeiro ato ilegítimo, hipótese em que o administrador exorbita seu poder de livre escolha conferido pelo ordenamento jurídico.

Esse é o entendimento adotado por abalizada doutrina e jurisprudência, capitaneada pelos ensinamentos do Professor Celso Antônio Bandeira de Melo. Confira-se a seguinte lição do mestre:

Princípio da razoabilidade
Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas - e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis -, as condutas desarrazoadas e bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada.
Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu libito, de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou critérios personalíssimos, e muito menos significa que liberou a Administração para manipular a regra de Direito de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda. Em outras palavras: ninguém poderia aceitar como critério exegético de uma lei que esta sufrague as providências insensatas que o administrador queira tomar; é dizer, que avalize previamente as condutas desarrazoadas, pois isto corresponderia irrogar dislates à própria regra de Direito.
(...)
Fácil é ver-se, pois, que o princípio da razoabilidade fundamenta-se nos mesmos preceitos que arrimam constitucionalmente os princípios da legalidade (arts. 5º, II, 37 e 84) e da finalidade (os mesmos e mais o art. 5º, LXIX, nos termos já apontados).
Não se imagine que a correção judicial baseada na violação do princípio da razoabilidade invade o "mérito" do ato administrativo, isto é, o campo de "liberdade" conferido pela lei à Administração para decidir-se segundo uma estimativa da situação e critérios de conveniência e oportunidade. Tal não ocorre porque a sobredita "liberdade" é liberdade dentro da lei, vale dizer, segundo as possibilidades nela comportadas. Uma providência desarrazoada, consoante dito, não pode ser havida como comportada pela lei. Logo, é ilegal: é desbordante dos limites nela admitidos.
(...)
Sem embargo, o fato de não se poder saber qual seria a decisão ideal, cuja apreciação compete à esfera administrativa, não significa, entretanto, que não se possa reconhecer quando uma dada providência, seguramente, sobre não ser a melhor, não é sequer comportada na lei em face de uma dada hipótese. Ainda aqui cabe tirar dos magistrais escritos do mestre português Afonso Rodrigues Queiró a seguinte lição: "O fato de não se poder saber o que ela não é." Examinando o tema da discrição administrativa, o insigne administrativista observou que há casos em que "só se pode dizer o que no conceito não está abrangido, mas não o que ele compreende."
(...)
Princípio da proporcionalidade.
Este princípio enuncia a idéia - singela, aliás, conquanto frequentemente desconsiderada - de que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que realmente seja demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas. Segue-se que os atos cujo conteúdo ultrapassem o necessário para alcançar o objetivo que justifique o uso da competência ficam maculados de ilegitimidade, porquanto desbordam do âmbito da competência; ou seja, superam os limites que naquele caso lhes corresponderiam.
Sobremodo quando a Administração restringe situação jurídica dos administrados além do que caberia, por imprimir às medidas tomadas uma intensidade ou extensão supérfluas, prescindendas, ressalta a ilegalidade de sua conduta. É que ninguém deve estar obrigado a suportar constrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis à satisfação do interesse público.
Fonte: Consultor Jurídico, 15 de maio de 2007

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