2.6.07

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. CLIENTE SUSPEITO DE FURTO EM SUPERMERCADO.

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. CLIENTE SUSPEITO DE FURTO EM SUPERMERCADO.
Preliminar de nulidade do feito ou extinção sem julgamento do mérito, com fulcro no art. 267, IV, do CPC, por ausência de recolhimento das custas iniciais, afastada, porquanto, além de se tratar de mera irregularidade, o autor não foi intimado para supri-la.
Restando suficientemente demonstrado, pela prova testemunhal, que o autor foi exposto a situação vexatória, quando abordado pelo segurança da ré, por suspeita de furto, tem, a mesma, o dever de indenizar o dano moral provocado. Situação em que o segurança insinuou que o autor furtou um desodorante do estabelecimento comercial, na frente das demais pessoas, quando o mesmo já tinha passado pela caixa resgistradora. Presença da Brigada Militar no local.
Valor da reparação majorado.
Apelação da ré desprovida e recurso do autor provido.

Apelação Cível

Quinta Câmara Cível
Nº 70012958054

Comarca de Canoas
ALESSANDRO MACHADO ARAUJO

APELANTE/APELADO
VIEZZER & CIA LTDA

APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover o apelo da ré e prover o recurso do autor.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Desa. Ana Maria Nedel Scalzilli e Des. Pedro Luiz Rodrigues Bossle.
Porto Alegre, 30 de novembro de 2005.


DES. LEO LIMA,
Relator.

RELATÓRIO
Des. Leo Lima (RELATOR)
ALESSANDRO MACHADO ARAÚJO ajuizou ação de indenização por danos morais e materais contra VIEZZER & CIA LTDA. Diz que, no dia 15.06.2004, por volta das 19h20min, foi vítima de crime de calúnia, quando se encontrava nas dependências do estabelecimento comercial requerido. Refere que, ao passar pelo caixa do supermercado, foi abordado pelo segurança, o qual o acusou de ter furtado um desodorante, afirmando, na presença de todos os clientes, que o produto estava no bolso da jaqueta que vestia. Surpreso e constrangido com aquela situação, sem sair do caixa registrador, fez contato telefônico com a Brigada Militar, solicitando sua presença no local, para que o revistassem. Acrescenta que a Brigada Militar, atendendo ao chamado, compareceu ao local e, após revistá-lo e ouvir os envolvidos, concluiu ter ocorrido crime de calúnia, já que nada encontrara em seus pertences, exceto as compras que já tinham sido pagas. Aduz que, percebendo que tinha agido de forma imprudente e incorreta, o segurança e o gerente do estabelecimento requerido se limitaram a pedir desculpas pelo ocorrido. Salienta que é diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transportes Rodoviários Intermunicipais, de Turismo e de Fretamento da Região Metropolitana – SINDIMETROPOLITANO, tendo um nome a zelar, porquanto defende os interesses da categoria. Para tanto, é exigida conduta idônea, ilibada, já que, de certa forma, serve de exemplo à categoria. Além disso, afirma que é empregado da empresa Viação Canoense S.A., onde o fato já repercutiu, sendo alvo de comentários e piadinhas inconvenientes, que maculam sua imagem. Destaca que, para exercer o cargo de diretor sindical, precisa dos votos dos trabalhadores rodoviários. Observa que não há dúvida que o crime que lhe foi imputado pela ré repercute negativamente no meio sindical, sendo inevitável que sua imagem estará associada ao fato calunioso, podendo despertar desconfiança dos colegas e trabalhadores. Sustenta que o constrangimento por que passou merece reparação. Pede a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, em valor a ser arbitrado, retratação pública, a ser publicada em jornal de grande circulação, sob pena de multa diária, e a concessão da assistência judiciária gratuita.
Na contestação, a ré alega que o autor age de má-fé, distorcendo deliberadamente os fatos, para tentar receber indenização indevida. Esclarece que o autor estava efetuando compras no estabelecimento comercial e resolveu colocar um tubo de desodorante no bolso, o que foi visto por Argemiro. Após passar o caixa sem pagar o desodorante, Argemiro, educadamente e em tom baixo, questionou se ele havia esquecido de pagar o produto, quando o autor, irritadíssimo, encaminhou-se para o balcão de atendimento, onde ficou conversando com o gerente da loja. Frisa que conversaram por um bom tempo, sendo que o demandante, insistentemente, salientava que era presidente sindical, inclusive, conversou com o proprietário da loja. Mostrando-se irritado, diz que o autor resolveu chamar a Brigada Militar, a qual compareceu ao local e registrou ocorrência sobre a versão dos fatos do demandante, sem proceder à revista. Após, alega que o autor se retirou do estabelecimento comercial. Aduz que não houve qualquer desrespeito à pessoa do requerente e ninguém presenciou o questionamento sobre o pagamento, ou não, do desodorante, pois a pergunta foi dirigida somente a ele, educadamente e em tom baixo. Nega a alegação do autor de que vários clientes presenciaram o ocorrido. Enfatiza que, em nenhum momento, o autor foi desrespeitado ou tratado com indelicadeza. Registra que o procedimento adotado pelo segurança do estabelecimento foi de civilidade e urbanidade. Ressalta que não praticou ato ilícito a ensejar o dever de indenizar. Argumenta que, em caso de eventual condenação, o valor da indenização deve ser fixado de forma moderada e justa. Requer a condenação do autor nas penas da litigância de má-fé.
O autor se manifestou sobre a contestação.
Instruído o feito, inclusive, com a produção de prova testemunhal, as partes apresentaram memoriais.
Lançada a sentença, a ação acabou julgada procedente, para condenar a ré ao pagamento de R$ 5.000,00, a título de dano moral, corrigidos monetariamente na data do efetivo pagamento e acrescidos de juros de mora a partir do fato (15.06.2004). A requerida também foi condenada a suportar as custas processuais e a verba honorária de 10% sobre o valor da condenação.
Inconformadas, ambas as partes apelaram.
O autor requereu a majoração da indenização.
A ré, por sua vez, argúi, preliminarmente, a nulidade dos atos processuais, a partir da distribuição da ação, ou a extinção do feito com fulcro no art. 267, IV, do CPC, face à ausência de pagamento das custas iniciais. No mais, reforça os argumentos já externados. Requer a reforma da sentença ou a redução da verba indenizatória.
Com a resposta da ré, os autos vieram à apreciação desta Corte.
É o relatório.
VOTOS
Des. Leo Lima (RELATOR)
1. Inicialmente, afasto a alegada nulidade do feito, em virtude da falta de recolhimento das custas iniciais.
Começa que o autor, na inicial, requereu a concessão da assistência judiciária gratuita, conforme letra “g” (fl. 13).
Por outro lado, nem sempre a falta de pressuposto processual acarreta a extinção do processo (Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, CPC Cometando e Legislação Extravagante, nota 5 ao art. 267, IV, 7ª edição, 2003).
Ora, no caso, o autor, sequer, foi intimado para suprir a irregularidade.
Frise-se que o autor foi intimado apenas para providenciar o pagamento de R$ 23,67, relativos às despesas de condução do oficial de justiça, o que acabou recolhendo (fl. 22 e v.).
Independentemente do tempo decorrido desde a data da distribuição da inicial, é nula a sentença que extingue o processo sem julgamento de mérito, em face do não pagamento das custas, se o autor não foi intimado para fazer tal pagamento, com indicação do valor das custas devidas (obra citada, nota 28 ao art. 267).
Trata-se, portanto, de mera irregularidade, que pode ser sanada, não ensejando a nulidade do feito ou sua extinção sem julgamento de mérito.
Ademais, o não recolhimento das custas iniciais não trouxe prejuízo algum à ré, a qual, aliás, acabou vencida em primeiro grau.
Rejeito, pois, a referida preliminar.
2. De resto, melhor sorte não assiste à demandada, merecendo acolhida a inconformidade do autor.
Acontece que a prova testemunhal revela que o demandante foi mesmo exposto a situação vexatória, quando abordado pelo segurança da ré, que desconfiou que ele teria furtado um desodorante da loja, tudo, a oportunizar a reparação perseguida.
Segundo Marcos Roberto Terra da Silva, o qual presenciou o ocorrido, o segurança do estabelecimento comercial insinuou que o autor havia roubado um desodorante, depois de já ter passado pela caixa registradora (fl. 57).
A testemunha Marcos Roberto faz os seguintes esclarecimentos, em seu depoimento:
“(...) O depoente relata que estava na fila do caixa na ocasião dos fatos, (...) estava posicionado atrás do autor ocasião em que este passava no caixa para pagar as mercadorias. O depoente esclarece que o autor tinha em suas mãos várias sacolas das mercadorias que haviam sido pagas. O depoente esclarece que o fato ocorreu após o autor ter feito o pagamento. (...) Ouviu quando o segurança indagou ao autor se não havia esquecido alguma coisa em seus bolsos. Afirmando ao autor de que ‘roubou um desodorante’. O autor respondeu que não. Neste momento o autor abriu a sua jaqueta e as suas sacolas mostrando que não havia a mercadoria apontada. Nesta ocasião a fila parou aproximando-se funcionários do estabelecimento até o caixa. O depoente refere que o segurança se aproximou do autor tendo este dito que ‘não era para colocar as mãos nele’, fazendo imediatamente uma ligação telefônica, por uso de celular a quem o depoente acha que foi chamada a Brigada Militar. Em seguida, chegaram dois policiais militares fardados. Esclarece que os brigadianos não chegaram a revistar o autor, mas que este levantou a blusa e abriu a jaqueta. O depoente refere que se tratou de um fato curioso e de que nunca havia presenciado tal situação. Enquanto o autor não abriu a jaqueta e levantou a blusa os brigadianos permaneceram junto com o autor próximo do caixa.(...) Informou ter o autor ficado constrangido. O depoente informa que no local havia cerca de 20 a 30 pessoas pois se tratava de horário de pique tendo havido aglomeração em volta do local do fato. (...) O depoente informa que na primeira abordagem o segurança falou em tom de voz médio, mas depois alterou a voz o que constrangeu o depoente e também o autor” (fls. 57/58).


Marcos Roberto referiu que, no jogo de futebol, no bairro onde mora, ouviu comentários sobre o ocorrido e a abordagem dos seguranças do supermercado (fl. 58).
Por sua vez, Alex Dorneles Pereira, informou:
“(...) que houve um incidente entre o Sr. Alessandro e um colega ocasião em que este colega o ‘taxou de ter furtado um desodorante no supermercado’ (...) a questão envolvendo o autor e o colega se deu quando tratavam de questões de dissídio, ocasião emque este colega disse ‘vão acreditar em pessoa que rouba desodorante em supermercado’ o depoente prossegue que o autor e o colega se empurarram, ocorrendo uma briga. O depoente refere que há uma briga sindical e que o outro sindicato aproveita deste fato para denegrir a imagem do autor. (...) O assunto é geral com relação aos fatos referidos na inicial, dizendo que dentro da empresa apontam o autor como ‘aquele que furta desodorante em supermercado’’ (fl. 59).

Não há dúvida, portanto, que o autor foi exposto a situação vexatória, tendo sido visto, mesmo que por alguns instantes, como autor de furto pelas demais pessoas que se encontravam no local, bem como pelos colegas de trabalho.
O segurança da ré não podia ter abordado o cliente sem a certeza da prática do ilícito. Até porque, ao que consta, tudo não passou de engano, já que não há notícia, nos autos, de que o desodorante tenha sido encontrado no bolso do demandante.
Nas circunstâncias, o simples fato de o autor ter sido abordado pelo segurança do supermercado já gerou constrangimento e humilhação.
Como se isso não bastasse, o autor foi levado a chamar a Brigada Militar e a registrar ocorrência (fls. 16/18). Por certo, para afastar qualquer dúvida sobre o apontado furto.
Embora não se possa ignorar que, para evitar os inúmeros furtos que ocorrem nesse tipo de estabelecimento comercial, a presença de seguranças seja vital, em contrapartida, é imperioso que haja cautela por parte dos empregados, quanto à abordagem aos seus clientes.
Trata-se da dignidade de uma pessoa, colocadas indevidamente em cheque.
Induvidosa, portanto, nas circunstâncias, a grave ofensa à honra do autor, a ensejar o dever de indenizar o dano moral, à luz do art. 159 do Código Civil de 1916 e do art. 186 do novo CC.
Quanto ao valor da reparação, fixado em R$ 5.000,00, assiste razão ao autor, quando pretende sua majoração.
De fato, o montante fixado pela julgadora de primeiro grau não é suficiente a reparar o dano provocado pelo preposto da ré, devendo ser elevado para R$ 9.000,00, equivalentes a 30 (trinta) salários mínimos nacionais, corrigidos pelo IGP-M, a partir desta data, e acrescidos de juros de mora, desde a data do evento danoso (15.06.2004), como consignado na sentença (fl. 79).
A propósito, conforme conhecida lição de Caio Mário da Silva Pereira:
“A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva” (Responsabilidade Civil, nº 49, pág. 60, 4ª edição, 1993).
Não parece ser outra, a preocupação de Sergio Cavalieri Filho, ao tratar do arbitramento do dano moral:
“Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes” (Programa de Responsabilidade Civil, item 19.5, págs. 97/98, 3ª edição, 2002).
3. Ante o exposto, rejeitada a preliminar, nego provimento ao apelo da ré, restando provido o recurso do autor.



Desa. Ana Maria Nedel Scalzilli (REVISORA) - De acordo.
Des. Pedro Luiz Rodrigues Bossle - De acordo.


Julgador(a) de 1º Grau: GINA WALESKA NICOLA DE SAMPAIO

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1 Comentários:

Blogger Felipe Ribeiro Porto disse que...

Parabéns pelo blog. É com muita satisfação que encontro jurisprudência gaúcha abrindo horizontes, ainda mais no campo da tão apreciada Responsabilidade Civil.
Felipe Porto http://www.portoemaldonado.adv.br

1:16 PM  

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