23.5.07

Ilegal cobrança de tarifa básica mensal de telefonia móvel


ASSINATURA BÁSICA MENSAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. ASSINATURA BÁSICA MENSAL; TELEFONIA MÓVEL.
Abusividade da exigência de contraprestação por serviço não prestado. Nulidade absoluta em face da qual não se fala em ato jurídico perfeito.
Condicionamento quantitativo indevido; nulidade – CPC, 39, I.
Ausência de previsão legal à cobrança e prevalência das disposições da Lei 8078/90, de ordem púbica.
Repetição de indébito e devolução de valores,descabidas.
Prequestionamento inviável.
Demanda procedente.
APELO PROVIDo EM PARTE. Por maioria.



Apelação Cível

Décima Nona Câmara Cível
Nº 70017122979

Comarca de Passo Fundo
FRANCISCO ARTUR VIEIRA BORBA

APELANTE
CELULAR CRT S A

APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, deram parcial provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participou do julgamento, além dos signatários, o eminente Senhor Des. Guinther Spode.
Porto Alegre, 21 de novembro de 2006.


DES. MÁRIO JOSÉ GOMES PEREIRA,
Relator.



Des. José Francisco Pellegrini (Presidente e Revisor)
VOTO VENCIDO.


RELATÓRIO
Des. Mário José Gomes Pereira (RELATOR)
Trata-se de Apelação Cível interposta por FRANCISCO ARTUR VIEIRA BORBA, em face da decisão de fls. 124/130, que julgou improcedente a ação declaratória que move contra BRASIL TELECOM S/A, para o fim de declarar a legalidade da cobrança de valores a título de assinatura básica mensal.
Apela o autor alegando, em síntese, o descabimento da cobrança de valores relativos à tarifa de assinatura básica mensal, em face da ausência de previsão legal e contratual (fls. 132/145).
Contra-razões (fls. 149/165).
É o sucinto relatório.



VOTO
Des. Mário José Gomes Pereira (RELATOR)
O recurso merece prosperar.
Com efeito, a cobrança de “assinatura básica mensal’ significa cobrar por serviço não prestado.
Cuida-se de desrespeito ao consumidor, com a imposição, pela fornecedora, de taxa sem justificativa, a refletir prática comercial abusiva.
Nem se diga que tal rubrica destina-se a cobrir custos de manutenção do sistema de telefonia; para tanto, as empresas de telecomunicações já auferem lucros vultosos que cobrem toda e qualquer despesa de que se possa cogitar. O argumento é débil.
O cancelamento da cobrança da assinatura básica não comprometerá o funcionamento dos serviços prestados pelas operadores, aliás todas empresas supranacionais de porte. Data vênia. A tarifa, que não é módica, deverá cobrir eventuais custos, é certo; não se pode imaginar seja de outro modo, vinculada a prestação de serviços (ou mesmo a sua ‘boa’ qualidade) à cobrança da assinatura, apenas. Dita argumentação, por pueril, não pode vicejar.
Como tampouco imagina-se colha o argumento de que haveria obrigatória disponibilidade do serviço e que, assim, se o consumidor dele não se utiliza, porquanto assim não o quer, não há remuneração alguma para a concessionária. Assim não é. Cada ligação recebida pelo consumidor equivale a tarifa cobrada do outro, de quem a efetua; a telefônica cobrará os pulsos devidos de quem faz a ligação, independentemente de quem a recebe.
Jamais haverá serviço sem cobrança porque mesmo que algum consumidor nunca efetue ligações, e somente as receba, quem as faz já pagará pelo serviço, pelos pulsos, à prestadora de serviços. Logo, inimaginável possa haver serviço não remunerado; haverá tarifa sempre que houver ligação. Por isso é que a alegação defensiva de possibilidade de ‘colapso’ no sistema ou argumento ad terrorem desta estirpe carece de solidez.
Somente é autorizada a cobrança, pela fornecedora, do que é usufruído modo concreto pelo consumidor. A tarifa já remunera razoavelmente à Companhia, inexistindo justificativa prática ou jurídica para a cobrança de qualquer plus, a que título for, e baixo qualquer efúgio; paralelamente à tarifa, a presente cobrança por serviço não prestado fere, dentro outras, a norma do CDC, 39, I.
Nem se diga que a Lei nº 9.472/97 dá margem a cobrança de tal estirpe porquanto assim não é. Dita lei, em seu art. 93, inciso VII, p.ex, somente prevê a exigência da TARIFA, não havendo falar-se em estabelecimento de rubrica pela disponibilidade do serviço ainda que o mesmo não seja utilizado. A prática, como se disse, é abusiva; não pode prosperar. Em termos, poder-se-ia caracterizá-la como ‘venda casada’, até. E não seria exageração dizer-se que as Companhias telefônicas, com dito proceder, estão a malferir o artigo 39, IV, do CDC, porquanto, de certa forma, estão valendo-se da fraqueza ou ignorância do consumidor para impor-lhe produtos e serviços.
Apenas para argumentar, outrossim, relativamente à Resolução nº 85, de 30/12/1998, da ANATEL, é oportuno referir que jamais resolução sobrelevará LEI de ordem pública como o é a Lei 8078/90. Idem, quanto a Portarias do Ministério das Comunicações. Por qualquer ângulo que se veja, resolução ou portaria não é lei.
Então.
É parte da Política Nacional de Relações de Consumo a coibição e repressão de abusos praticados no mercado de consumo (CDC, 4º, VI).
Inclusive é pertinente assinalar que é nula de pleno direito (CDC, 51, § 1º, III) a cláusula contratual que se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e as circunstância peculiares do caso concreto. Como na hipótese.
Veja-se, de outra banda, que consumidor algum saberá justificar porque está a pagar pelo que não comprou, não usufruiu, não requereu; no ponto, carece o serviço da paralela e imprescindível informação (sobre quantidade, composição, preço – CDC, 6º, III).
Enfim.
Na linha do presente voto cita-se precisa decisão do 1º Colégio Recursal – JEC/SP (recurso 13.261/58):

“a cobrança de assinatura mensal não está autorizada pelo contrato celebrado entre as partes, cuja execução subordina-se à Lei 8078, de 1990, violando a transparência que a concessionária está obrigada a observar por juízo de mera equidade. Também não tem previsão legal. Em outras palavras, dá-se sem causa (art. 5º, III da Constituição Federal). E mesmo que se firme que é indispensável à continuidade do serviço, não respeita a chamada tarifa mínima que violando a transparência possibilita a cobrança em dobro de parte do serviço”.

À luz do CDC, sempre e ainda, considera-se que a assinatura básica mensal – que atinge patamar nada desprezível: mais de 30 reais/mês, ou mais de 1 S.M. anual – é vantagem excessiva e exagerada cobrada indevidamente do consumidor aderente (art. 39, V), ademais de representar condicionamento quantitativo ilegal (na forma do inciso I do artigo 39, já referido anteriormente), que também é prática comercial abusiva, vedada ao consumidor, que merece o devido repúdio e combate, aqui.
É o que se faz, agasalhando-se na íntegra o pedido autoral, inclusive com a devolução dos valores já pagos, na forma do CDC, 42, parágrafo único.
Note-se, a final, que a indigitada ‘assinatura’ vem a punir sobremaneira àqueles consumidores de baixa renda, de baixo consumo e utilização do serviço telefônico. Quem menos consome mais pagará, proporcionalmente, no cotejo, pelo que não consome.
A irrazoabilidade da prática, além de sua antijuridicidade, é patente, pois.
Não há falar-se, de outra sorte, em repetição de indébito. As cobranças, anteriormente à presente decisão, eram válidas, regulares, vez que alicerçadas no contrato. Ainda não se tinha o decreto de ilicitude; somente com a presente é que se declarou a ilegalidade da prática e das cobranças; logo, cobranças anteriores eram lícitas; e não há falar-se, também, em devolução de valores.

Por fim, necessário esclarecer que o julgamento em sede de recurso, desde que fundamentado, não precisa reportar-se especificamente a toda legislação apontada ou discutida no processo. Basta que se indiquem, no julgado, os motivos que formaram o convencimento (art. 131 do CPC).
Sucumbência invertida, nos termos do artigo 21, parágrafo único, do CPC.

Do exposto, dou parcial provimento ao apelo.

É como voto.





Des. José Francisco Pellegrini (PRESIDENTE E REVISOR)
Eminentes colegas:
Pedi vistas destes autos preocupado com certa distinção que sinto se deva fazer entre assinatura básica mensal, na telefonia fixa, que, juntamente com os colegas, tenho vedado a cobrança, e a contratação feita de telefonia móvel. Nesta, em primeiro lugar, abre-se a possibilidade de contratação do serviço pré-pago, em que se compra o cartão correspondente ao número de chamadas pretendido realizar, paga-se pelo que foi usado, e nada mais. Nos outros planos, assina-se pelo uso de determinado tempo de no tráfego de telefonia, adquire-se o pacote que dá direito ao tempo correspondente ao valor pago. A parte calcula o tempo de uso de seu telefone e, dentro daquele tempo, realiza tantas ligações, quantas entender fazê-las. Se forem breves, fará mais chamadas, se mais longas, menos. Só pelo que exceder do tempo contratado, pagará pela extrapolação. Assim, vejo que se dá tratamento diferente para a telefonia fixa relativamente à móvel. Naquela o usuário realiza as chamadas e paga por elas, mas, independentemente de usar do serviço ou não, fica sujeito a um pagamento mínimo, que temos vedado. Só se pode ter telefone se for assim. Já a telefonia móvel se assemelha à contratação da televisão paga em que contratamos determinados canais que podemos utilizar ou não e por eles pagamos. No caso concreto, verifica-se que o plano contratado é o chamado “Plano 20 minutos”, em que o contratante tem o direito de usufruir determinado tempo no tráfego de telefonia no período estabelecido, pagando pelo que exceder do plano. No entanto, ainda assim, não consigo tratar igualmente a questão, trate-se de telefonia fixa ou móvel, posto que esta admite várias formas de contratação, conforme o interesse do cliente. De qualquer forma não vejo como, com os elementos que se tem nos autos, proclamar a tese de que indevido o valor cobrado, razão pela qual mantenho a douta sentença, negando provimento ao apelo, pedindo vênia ao eminente relator que sempre merece homenagens pela sua judiciosa jurisdição.


Des. Guinther Spode - De acordo com o relator.

DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI - Presidente - Apelação Cível nº 70017122979, Comarca de Passo Fundo: "POR MAIORIA, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO, VENCIDO O PRESIDENTE."


Julgador(a) de 1º Grau: DULCE ANA GOMES OPPITZ
Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

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