22.5.07

responsabilidade civil. corpo estranho (cabelo) encontrado incrustado em medicamento. dano moral verificado. quantum indenizatório

Hipótese em que presente um corpo estranho (fio cabelo) incrustado em um comprimido do remédio produzido pelo laboratório demandado implica em vício de qualidade do produto (art. 18 do CDC). Dano moral decorrente do próprio fato e pela frustração das expectativas da autora. Valor da indenização fixado de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, além da natureza jurídica da indenização.
apelo provido. unânime.

Apelação Cível

Nona Câmara Cível
Nº 70017258716

Comarca de Porto Alegre
CAREN REJANE SANTANA BENTACUR

APELANTE
LABORATÓRIO GLOBO LTDA

APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente e Revisora) e Des. Odone Sanguiné.
Porto Alegre, 14 de fevereiro de 2007.


DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY,
Relator.

RELATÓRIO
Des. Tasso Caubi Soares Delabary (RELATOR)

Trata-se de ação indenizatória ajuizada por CAREN REJANE SANTANA BENTACUR contra LABORATÓRIO GLOBO LTDA. Alega em síntese, que adquiriu na farmácia uma caixa do medicamento Nimesulida fabricado pela requerida. Afirma que encontrou um fio de cabelo que saia do interior de um dos comprimidos. Aduz que o fato de ter encontrado um cabelo no interior do medicamento, afronta a garantia de qualidade e segurança que o consumidor espera do produto, sendo passível de gerar lesão ao patrimônio moral do indivíduo. Aduz que resta clara a falta de higiene na fabricação e que a ingestão do produto poderia ter causado malefícios a sua saúde. Requer a condenação da demandada ao pagamento de R$ 15.000,00 a titulo de danos morais.
A requerida apresentou contestação (fls. 33/45). Referiu que nunca teve nenhuma reclamação sobre os seus produtos. Afirma que em virtude da fiscalização no manuseio de seus produtos seria impossível vislumbrar qualquer fio de cabelo humano no medicamento, pois os funcionários trabalham sob forte vigilância utilizando os equipamentos de higiene indispensáveis (máscara, macacão e luvas). Sustentou que os funcionários utilizam uma escova com pêlos para retirar qualquer resíduo dos medicamentos. Afirma que o fato da autora ter vislumbrado um suposto pelo não gera qualquer dever de indenizar, sobretudo porque não foi possível identificar que o suposto cabelo veio no processo de industrialização. Ressalta que inexistem provas da conduta maliciosa da ré.
Réplica as fls. 59/64.
As partes foram intimadas a respeito da provas que pretendiam produzir (fl. 66).
Inexitosa a audiência de conciliação. Na instrução, colheu-se o depoimento pessoal da autora e inquiram-se duas testemunhas (fls. 98, 100/106).
As partes apresentaram memoriais (fls. 107/108 e 110/114).
Sobreveio sentença de improcedência, restando a autora condenada ao pagamento das custas processuais e honorários devidos ao patrono da requerida fixados em R$ 500,00. A exigibilidade restou suspensa em face do deferimento a assistência judiciária gratuita.
Irresignada apela à autora (fls. 119/126), repisando os argumentos já expedidos nos autos, pugnando pela reforma da sentença, a fim de condenar a requerida a indenizá-la em razão dos danos sofridos em razão da falta de segurança na fabricação do produto.
Contra-razões acostadas às fls. 129/134, pugnando pela confirmação da sentença, pois não teve nenhuma responsabilidade pelos supostos danos causada a apelante.

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.
VOTOS
Des. Tasso Caubi Soares Delabary (RELATOR)

Inicialmente, verifico presentes os requisitos de admissibilidade: o recurso é próprio, tempestivo e desacompanhado do respectivo preparo em razão do deferimento da assistência judiciária gratuita (fl. 26). Portanto, apto a ser conhecido.
Em relação ao mérito, o recurso devolveu ao órgão ad quem amplamente a matéria debatida na origem, impondo analisar a forma como ocorreram os fatos que ensejaram o ajuizamento da ação e a ocorrência de dano na espécie.
A pretensão da autora está alicerçada no vício de qualidade do produto, pois afirma que ao tentar consumir o medicamento constatou a presença de um fio de cabelo no comprimido medicamentoso.
Segundo a exegese do Código de Defesa do Consumidor e de acordo com a melhor doutrina acerca do tema, a responsabilidade do fabricante pelos danos causados ao adquirente de seus produtos decorre do simples fato de ter colocado no mercado produto sem observar a qualidade esperada em sua fabricação, pondo em risco a saúde do consumidor.
A propósito do tema, preleciona Sergio Cavalieri Filho, (in Programa de Responsabilidade Civil, 6ª edição, 2ª tiragem, p. 497):

“Pela teoria do risco do empreendimento, todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como os critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos”.

E segue o eminente doutrinador da responsabilidade civil:

“A responsabilidade por vício do produto e do serviço, disciplinada nos arts. 18 e 20 do Código de Defesa do Consumidor, não se confunde com a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, da qual já tratamos. Cuida-se, aqui, de defeitos inerentes aos produtos ou serviços, vícios in re ipsa, e não de danos por eles causados – acidentes de consumo –, como ali se cogitou.
Dividem-se em vícios de qualidade, por inadequação do bem de consumo à sua destinação (arts. 18, 20 e 21), e de quantidade (art. 19), que têm a ver com seu peso e medida. (...). Conquanto não tenha a lei repetido, aqui, a locução ‘independentemente da existência de culpa’, inserida nos arts. 12 e 14, não há dúvida de que se trata de responsabilidade objetiva, tendo em vista que o texto dos arts. 18 a 20 não faz nenhuma referência à culpa (negligência ou imprudência), necessária para a caracterização da responsabilidade subjetiva. Ademais, se nem o Código Civil exige culpa tratando-se de vícios redibitórios, seria um retrocesso exigi-la pelos vícios do produto e do serviço disciplinados no Código do Consumidor, cujo sistema adotado é o da responsabilidade objetiva.” (Ob. cit., p. 520.)

Trata-se, portanto, de responsabilidade objetiva que, evidentemente, não dispensa o nexo de causalidade entre a conduta do fabricante do produto e os danos invocados pelo consumidor para que se perfectibilize o dever de indenizar.
Na casuística, pelo que se verifica do comprimido objeto da ação (fl. 12), conclui-se de forma clara que há um fio (possivelmente de cabelo) incrustado, anexado, embutido na cápsula do comprimido Minesulida 100mg. Nestas condições, evidente que tal fato somente pode ter ocorrido no linha de produção do laboratório responsável, não obstante as certificações conferidas de “boas práticas de fabricação farmacêutica” (fls. 55/56). Ressalto que o fato de ter sido violada a embalagem de acondicionamento do remédio não tem qualquer efeito para alterar o desfecho do caso ora em exame. É que somente após a abertura da cartela dos comprimidos é que poderia ter sido verificada a presença do corpo estranho, já que voltada para o lado não exposto da embalagem. Ademais, a violação da embalagem também não altera a convicção ora exposta porque, como anteriormente referido e constatado ictu oculi, o pelo está envolvido pelo medicamente, algo que não poderia ter sido se não pelo laboratório réu no momento da produção.
Evidente que o fato apresentado pela incrustação de corpo estranho no comprimido de medicamento quebra o conceito de qualidade do produto e coloca em xeque a sua eficiência para o fim colimado, frustrando a expectativa do consumidor.
Inarredável, portanto, eu meu sentir, a responsabilização da ré pelo evento inegavelmente causador de dano moral, já que teve frustradas suas expectativas com o medicamento acostado, inclusive tendo interrompido o tratamento.
Veja-se o depoimento pessoal da autora, em que resta satisfatoriamente demonstrado os sentimentos decorrentes da situação ora em exame (fls. 101/102):

J: A senhora adquiriu uma medicação que cuja cartela juntada fl. 12, comprimido de 100mg, e o produto apresentou um problema visível no interior da cartela O que aconteceu e no que a Senhora se sentiu atingida para formalizar o pedido indenizatório? T: Eu estava em tratamento com esta medicação onde comprei na Farmácia Santa Helena, no momento eu usei outros comprimidos antes, quando eu fui usar este a parte do cabelo estava virado para o lado do laminado e quando eu tirei o comprimido do envelope que eu constatei, que a gente pode pegar o cabelo pelo fio que está lá dentro, puxa o comprimido, o comprimido fica pendurado pelo fio de cabelo. Eu tive que interromper. Como vou continuar tomando um remédio onde eu achei um fio de cabelo, posso achar outros fios?
(...).
J: A Senhora suspendeu o tratamento em função disso? T: Sim. Como vou continuar tomando um remédio de um laboratório onde eu encontrei fio de cabelo.
(...).
J: Intimamente, a Senhora disse ter sido atingida? T: Sim. Eu parei de tomar o remédio, marcar uma nova consulta para o médico aí me dar novo remédio, neste meio tempo, curto espaço de tempo eu fiquei sentindo dor.

Em situações análogas, em que são encontrados corpos estranhos em produtos, a jurisprudência também manifestou este mesmo entendimento acerca da caracterização do dano moral:

“Sofre o autor, sem dúvida, dano moral, consistente na dor psicológica de saber ter ingerido refrigerante estragado, dentro do qual havia um batráquio em putrefação, fato notoriamente suficiente para uma grande repugnância, o que lhe causou, além do nojo e da humilhação, a preocupação com sua saúde, a ponde de procurar socorro médico. Deve, pois, ser indenizado de tal dano, independentemente de ter ou não prejuízo material.” (TJSP – 2ª C. – Ap. – Rel. Lino Machado – j. 07.03.1995 – RT 718/102)

“Indenização. Responsabilidade civil. Dano moral. Consumidor que ingere refrigerante com corpo estranho, de aparência abjeta. Repugnância e transtornos psicossomáticos experimentados. Verba devida. Ação julgada, em parte, procedente. Improvimento do recurso. – ‘Sofre induvidoso dano moral, susceptível de reparação, o consumidor que ingere refrigerante com corpo estranho, cujo aparência abjeta lhe provoca repugnância.’ (TJSP – 6ª C. Dir. Público – Ap. 78.455-4 – Rel. César Peluso – j. 21.12.1999 – JTJ-LEX 230/96)”.

“Consumidor. Presença de larvas de inseto em bombom que estava sendo ingerido pela consumidora. Responsabilidade civil. Indenização por danos morais. Ação julgada improcedente. Aplicabilidade do CDC. Responsabilidade do fabricante pelo fato do produto, independentemente de culpa. Ausência de comprovação de que o fato ocorreu por culpa exclusiva de consumidor ou de terceiro. Recurso parcialmente provido, com acolhimento parcial da demanda. (TJSP – 8ª C. Dir. Privado – Ap. 105.615-4 – Rel. César Lacerda – j. 31.07.2000 – JTJ LEX 233/76)”.

Inafastável, portanto, a caracterização do dano moral, com o que passo ao exame do quantum indenizatório que, à vista da inexistência de parâmetros legais para sua fixação, deve ser arbitrado de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade[1]. Outrossim, o valor da condenação deve atentar para a natureza jurídica da indenização[2], que constitui uma pena ao causador do dano e, concomitantemente, compensação ao lesado, além de cumprir seu cunho pedagógico sem caracterizar enriquecimento ilícito. Partindo de tais premissas, entendo por adequada a quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais), que deverá ser corrigida monetariamente pelo IGP-M a partir da data do acórdão, eis que fixada nesta instância. Outrossim, ao valor deverá ser acrescido juros legais de mora, também a partir da data do acórdão, sem olvido do disposto na Súmula 54 do STJ, porquanto a repercussão da mora já é sopesada no momento do arbitramento do valor principal da condenação.

Por todo o exposto, o voto é por dar provimento ao apelo e condenar a ré ao pagamento de indenização no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), mais correção monetária pelo IGP-M e juros legais de mora 1% ao mês, ambos a contar da data do acórdão.



Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE E REVISORA) - De acordo.
Des. Odone Sanguiné - De acordo.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível nº 70017258716, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: EDSON JORGE CECHET
[1] REsp 797.836/MG, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, j. 02.05.2006.
[2] “A reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena e satisfação compensatória. (...). Penal, constituindo uma sanção imposta ao ofensor. (...). Satisfatória ou compensatória, (...) a reparação pecuniária visa proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenue a ofensa causada.” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 94, V. 7)
"Segundo nosso entendimento a indenização da dor moral, sem descurar desses critérios e circunstâncias que o caso concreto exigir, há de buscar, como regra, duplo objetivo: caráter compensatório e função punitiva da sanção (prevenção e repressão), ou seja: a) condenar o agente causador do dano ao pagamento de certa importância em dinheiro, de modo a puni-lo e desestimulá-lo da prática futura de atos semelhantes; b) compensar a vítima com uma importância mais ou menos aleatória, em valor fixo e pago de uma só vez, pela perda que se mostrar irreparável, ou pela dor e humilhação impostas." (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: RT, 2004, p. 1709.)
Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

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