22.5.07

Consumidor pode optar entre usar o CDC ou o Código Civil, decide 5ª Câmara Cível do TJRS

responsabilidade civil. tabagismo. relação de consumo. prescrição QüINQüENAL. não configurada. viabilidade de eleição do sistema a ser utilizado na investigação da responsabilidade da empresa fumageira. responsabilidade civil aquiliana.

Por força do art. 7º do Diploma Consumerista, pode o hipossuficiente eleger o sistema que melhor atenda às suas necessidades, nada impedindo que opte pela tutela de seus direitos valendo-se da responsabilidade civil aquiliana regulada pelo Código Civil, incidindo, corolário, o prazo prescricional vintenário para a sua pretensão.
DERAM PROVIMENTO.

Apelação Cível

Quinta Câmara Cível
Nº 70018322149

Comarca de Porto Alegre
NARCISO DOS SANTOS DIAS

APELANTE
SOUZA CRUZ S A

APELADO
PHILIP MORRIS BRASIL INDUSTRIA E COMERCIO LTDA

APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Pedro Luiz Rodrigues Bossle (Presidente e Revisor) e Des. Umberto Guaspari Sudbrack.
Porto Alegre, 11 de abril de 2007.


DES. PAULO SERGIO SCARPARO,
Relator.

RELATÓRIO
Des. Paulo Sergio Scarparo (RELATOR)

No desiderato de evitar tautologia, adoto o relatório da sentença de primeiro grau, in verbis:

NARCISO DOS SANTOS DIAS propôs ação indenizatória contra CIA DE CIGARROS SOUZA CRUZ e PHILIP MORRIS BRASIL S/A, ambos qualificados no intróito dos autos. Narra começou a fumar com 13 anos de idade. Iniciou quando o cigarro era sinônimo de “status”, no tempo em que as propagandas davam incentivo ao uso do cigarro. Em 1997 ficou constatado no autor DPOC e enfisema pulmonar, teve tumor nas cordas vocais e glândulas salivares. Sua saúde é cada vez mais debilitada. É extremamente dependente do cigarro. É aplicável o CDC. Pedem reparação por danos morais, pelo intenso sofrimento dos fatos narrados, a ser arbitrado pelo juízo. Pede indenização por danos materiais pelas despesas com remédios. Postula AJG. Causa valorada em alçada.
Deferido o benefício da AJG ao autor, fl. 264.
Em contestação, a demandada Philip Morris alega ilegitimidade passiva, prescrição. No mérito, da inexistência do dever de indenizar. Não houve propaganda enganosa ou abusiva. Não há defeito no produto. Não é aplicável a teoria do risco. Deixar de fumar é uma decisão pessoal. Pede total improcedência.
Em contestação, a Souza Cruz alega, preliminarmente, prescrição pelo CDC. No mérito, que não há provas de que a doença foi ocasionada pelo fumo. Atividade é lícita. Não há defeitos no produto. Inexistência do nexo causal. Não há dever de indenizar. Requer a improcedência da demanda.
Houve réplica.

Acrescento que, nas fls. 1488-1491, sobreveio sentença, pronunciando a prescrição qüinqüenal do direito do autor, forte no art. 27 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor combinado com o art. 269, IV, do CPC.

Irresignado, o demandante apelou nas fls. 1501-1508. Aduziu, em apertada síntese, que a ação não tem como fundamento o defeito do produto, mas sim os malefícios provenientes do uso reiterado do tabaco, o que afasta a incidência do art. 27 do CPDC. Assevera que a questão deve ser solvida pelas disposições do Código Civil e não sob as normas do Diploma Consumerista, em face do princípio da irretroatividade da lei. Ressalta que as disposições contidas no CPDC não revogaram o art. 177 do Código Civil de 1916, devendo, pois, ser aplicado ao caso em debate. Postulou, a reforma da sentença, com o conseqüente afastamento da prescrição qüinqüenal pronunciada pelo juízo a quo.

A Souza Cruz S.A. apresentou contra-razões nas fls. 1517-1560; a co-ré Philip Morris Brasil indústria e Comércio Ltda. às fls. 1688-1712.

É o relatório.
VOTOS
Des. Paulo Sergio Scarparo (RELATOR)

Eminentes Colegas: adianto que estou votando pelo afastamento da prescrição qüinqüenal no caso em tela. Senão, vejamos:

Fundou-se a sentença recorrida no art. 27 do CPDC, que dispõe: Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

Todavia, no caso, inviável o pronunciamento da prescrição com base no referido dispositivo da lei consumerista.

É que preceitua o art. 7º do CPDC:

Art. 7º. Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

Ou seja, nada impede que ― estando prescrito o direito sob o enfoque do direito do consumidor (inversão do ônus da prova, etc.) ― opte a parte por buscar seu direito pela via da responsabilidade civil aquiliana, fulcrada nas disposições do Código Civil que, dentre elas, prevê a prescrição vintenária para as demandas que buscam tutelar direitos pessoais. Não é outra a doutrina do ilustre Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino

Normalmente, o microssistema do CDC é o mais vantajoso para o consumidor. Eventualmente, porém, o sistema tradicional do Código Civil pode tornar-se mais interessante para o consumidor, como ocorre nessa hipótese.
A solução para esse curioso conflito normativo está no próprio Código de Defesa do Consumidor, que, em seu art. 7º, estabelece uma cláusula geral de integração inter-sistemática, determinando a aplicação da norma mais favorável ao consumidor. Essa norma pode ser buscada no direito internacional, no direito interno ou ser identificada pelos modos de integração do ordenamento jurídico (analogia, costumes e princípios gerais do direito).
O art. 7º do CDC deixa clara a intenção do legislador de que o microssistema normativo instituído pela Lei n. 8.078/90 não seja fator de limitação, mas de ampliação dos direitos do consumidor. Por isso, a prescrição qüinqüenal do art. 27 do CDC não impede que o consumidor ajuíze a demanda indenizatória com base nas regras do sistema tradicional de responsabilidade civil, conforme previsto pelo art. 159 do Código Civil de 1916[1]

Também esse o posicionamento da 9ª Câmara Cível, ao apreciar a eleição pelo consumidor do Código Civil em detrimento do CPDC, consoante se afere do aresto que segue:

PRESCRIÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. MA PRATICA ADVOCATÍCIA. CONSUMIDOR. FACULDADE DE OPÇÃO PELA VIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL AQUILIANA, INSTITUÍDA NO ARTIGO 159 DO CCB. PRAZO VINTENÁRIO. DO PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DE AMPLA DEFESA DO CONSUMIDOR DECORRE, EM SEU BENEFICIO, A FACULDADE DE OPÇÃO PELO MEIO, QUE, A SEU JUÍZO, LHE PARECER MAIS FAVORÁVEL, DE SORTE QUE O SISTEMA DE RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO INSTITUÍDO NO ARTIGO 14 DO CDC NÃO OBSTA ELEIÇÃO DA VIA COMUM, DE RESPONSABILIDADE CIVIL AQUILIANA ASSENTADA NO ARTIGO 159 CCB, CUJO PRAZO PRESCRICIONAL E VINTENÁRIO. DECISÃO MANTIDA. (4 FLS) (Agravo de Instrumento Nº 70000073650, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mara Larsen Chechi, Julgado em 22/09/1999).


Assim, à medida que o autor fundamenta sua pretensão com base na responsabilidade civil aquiliana, evidente que as disposições aplicáveis à hipótese são aquelas insertas no Código Civil, inclusive no que pertine ao prazo prescricional.

Desse modo, impõe-se o afastamento da prescrição pronunciada pelo juízo a quo, devendo retornarem os autos à origem para oportuna dilação da fase instrutória, apreciando-se a petição das fls. 1248-1249 especialmente.

Dessarte, voto pelo provimento do apelo.


Des. Pedro Luiz Rodrigues Bossle (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo.
Des. Umberto Guaspari Sudbrack - De acordo.

DES. PEDRO LUIZ RODRIGUES BOSSLE - Presidente - Apelação Cível nº 70018322149, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: CARLOS FRANCISCO GROSS
[1] Responsabilidade Civil no Código do Consumidor e a defesa do Fornecedor. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. págs. 303-304.
Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

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