22.1.07

Responsabilidade civil por ato do empregado - acidente de transito resultante em morte - condenacao solidaria de empregadora e empregado

Apelação Cível n. 2003.009604-3, de Campo Erê.

Relator:a: Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA ULTRA E EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO DE EMPREGADO. ACIDENTE DE TRÂNSITO RESULTANTE EM MORTE. ALEGADA EXCLUDENTE DO NEXO CAUSAL. INVESTIDA CONFRONTANTE COM O PLEXO PROBATÓRIO. INFAUSTO NÃO IMPONÍVEL À CONDUTA EXCLUSIVA DA VÍTIMA, SENÃO À ATUAÇÃO DO PREPOSTO DA DEMANDADA. BOLETIM DE OCORRÊNCIA. PRESUNÇÃO DERRUÍVEL DE VERACIDADE. PERDA DE DESCENDENTE. CONDENAÇÃO AO RESSARCIMENTO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS, AMBOS PRESUMIDOS NA ESPÉCIE, ESTES ÚLTIMOS CASUISTICAMENTE. FILHO MAIOR DE IDADE, QUE DESEMPENHAVA ATIVIDADE LABORATIVA. FAMÍLIA DE ESCASSOS RECURSOS. DANOS MATERIAIS FIXADOS EM 2/3 DOS VENCIMENTOS ENTÃO AUFERIDOS PELO DE CUJUS, REDUZIDOS PARA 1/3 QUANDO DO CÔMPUTO DOS 25 ANOS DE IDADE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PARÂMETROS PARA O ARBITRAMENTO DE DANOS ANÍMICOS. PECULIARIDADES DO CASO. FIXAÇÃO DA VERBA LENITIVA NO EQÜIVALENTE A 200 SALÁRIOS MÍNIMOS, DIVIDIDOS EM IGUAL PROPORÇÃO ENTRE OS ASCENDENTES. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DE EMPREGADORA E EMPREGADO. INCIDÊNCIA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 1.518 DO CC/16. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 20, §§3O E ALÍNEAS, E 5O, DO CPC. MANUTENÇÃO. AMBOS OS RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2003.009604-3, de Campo Erê, em que são apelantes e apelados Olides Trevisan e outro e Reunidas S/A Transportes Coletivos, sendo somente apelado Gentil Antônio Karnoshi:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, dar provimento parcial a ambos os recursos.
Custas de lei.
I - RELATÓRIO:
Na Comarca de Campo Erê, Olides Trevisan e Jandira Guerini Trevisan aforaram "ação de indenização por danos materiais e morais" em face de Reunidas S/A - Transportes Coletivos, Gentil Antônio Karnoski, Alcir Dal Magro e Itacir Detofol, os dois últimos posteriormente excluídos da lide, visando a condenação da sociedade empresária e do respectivo empregado a, solidariamente, indenizá-los pelos danos materiais e morais decorrentes da morte de seu filho, envolvido em acidente de trânsito com empregado da demandada.
Em sua exordial, noticiaram os autores que, na data 26/06/1997, seu filho Lucimar Trevisan foi vitimado em acidente de trânsito na BR - 282, quando transportava produtos a serviço. Relataram que o acidente ocasionou-se pela imprudência e negligência de empregado/motorista da sociedade ré, o qual, como tencionando ultrapassar os veículos à frente, fê-lo invadindo a pista de rolamento em que trafegava seu filho, provocando abalroamento frontal. Informaram que o motorista, por conta do acidente, já responde a processo crime por homicídio culposo na Comarca de Cunha Porã.
Aludindo à responsabilidade civil do empregador por ato de preposto/empregado, narrando os suplícios morais suportados como corolário da perda de descendente, e historiando que o desvanecido lhes prestava mensalmente auxílio material, requereram os autores: a) a condenação solidária dos demandados ao ressarcimento dos danos materiais e morais decorrentes do infausto, b) a condenação de ambos, de forma igualmente solidária, ao pagamento de pensão mensal vitalícia no valor de 02 (dois) salários mínimos, c) a concessão da gratuidade de justiça, d) a produção de todas as provas em direito admitidas, mormente a testemunhal, e e) as demais cominações de estilo.
Contestando o feito, a Reunidas Transportes S/A aventou, em prefacial, a impossibilidade jurídica do pedido, de par com algumas outras argüições, omitidas em amor a economia, por irrelevantes que se afiguram. Sustentou a culpa exclusiva da vítima, de vez que, de acordo com as provas técnica e testemunhal, foi esta quem lhe invadira a pista de rolamento. Enfatizou a ausência de comprovação de vínculo de dependência econômica entre os pais e a vítima. Por fim, alegando a não ocorrência dos danos morais reclamados, requereu a extinção sem julgamento de mérito ou a improcedência dos pedidos.
Afastada, em despacho saneador, a prefacial agitada, e tomadas providências outras, cuja importância na transcrição esmaece, foi deferida a produção de prova testemunhal, designando-se audiência de instrução e determinando-se a expedição de cartas precatórias para a oitiva dos testigos.
Concluída a instrução processual e ultimadas as manifestações das partes, sobreveio sentença julgando procedentes os pedidos exordiais, nos seguintes termos: "A título de indenização por danos morais e patrimoniais, condeno os requeridos, na porcentagem de 50% cada um, ao pagamento do valor correspondente à contribuição mensal do falecido a seus familiares (R$ 500,00) até quando este completaria 65 anos, diminuída a pensão em R$ 200,00 a partir dos 25 anos quando presumidamente teria já outra família. (...) Condeno ainda os requeridos ao pagamento de pensão mensal aos requerentes no valor de dois salários mínimos, até o ano de 2020 quando o falecido completaria 65 anos de idade, indenização esta fulcrada no art. 1.537, II, do Código Civil Brasileiro. Custas e honorários advocatícios os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação, a serem satisfeitos pelos requeridos arcando cada um com a metade de referidos valores" (vide fls. 467-468).
Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a sociedade demandada interpôs, a tempo e modo, recurso de apelação repristinando parte dos argumentos expendidos na contestação e alegando, em acréscimo, a nulidade da sentença, ultra e extra petita que se lhe afigura. Reiterou a culpa exclusiva da vítima no evento, com base na circunstância de que o boletim de ocorrência e as provas técnica e testemunhal denotam a invasão, por ela, de sua pista de rolamento. Repisou as teses de ausência de comprovação de auferimento de rendimentos pela vítima, bem como de falta de dependência econômica dos pais em relação a ela, a qual não tinha, ademais disso, o dever legal de auxiliá-los materialmente. Sustentou a inexistência de quaisquer danos de ordem moral e a necessidade de minoração da condenação referente aos honorários advocatícios, arbitrando-se-os em percentual certo e determinado. Requereu, assim, "seja recebido o presente recurso, reconhecendo, em preliminar, a nulidade da r. sentença, ou assim não entendendo Vs. Exas., só para argumentar, no mérito seja provido para reformar a r. sentença atacada, reconhecendo-se a total improcedência da presente ação, ou, não sendo esse o entendimento, o que novamente se admite apenas para argumentar, sejam reduzidos os valores à efetiva perda sofrida pelos autores/apelados, nos moldes demonstrados no presente recurso, com a condenação desta em todas as cominações de estilo, inclusive a inversão da sucumbência" (fl. 484).
Por sua vez, os autores insurgiram-se contra o fracionamento da condenação em 50% relativamente a cada um dos demandados, requerendo-lhes a responsabilização solidária, na forma do art. 1.518, parágrafo único, do CC/16. Sustentaram que "o valor de R$ 500,00 mensais, a título de danos materiais e morais, há de ser fixado até que a vítima completaria 65 ou 60 anos de idade (não se reduzindo, assim, para R$ 200,00 a propósito do alcance dos 25 anos), ou então, ao menos, até que a vítima completaria 30 anos de idade". Patrocinaram, por fim, a necessidade de majoração da verba honorária para o percentual de 15% a 20% sobre o valor da condenação, levando em conta o trabalho desempenhado pelo profissional do direito. Pleitearam o conhecimento e provimento do recurso, nos termos supra.
Contra-arrazoados, ascenderam os autos a este Sodalício.
II - VOTO:
1. Recurso da demandada.
1.1 Decisão ultra e extra petita. Não ocorrência.
Ao tempo em que a sentença ultra petita transcende o conteúdo do pedido, concedendo à parte direito excedente ao reclamado, a extra petita dela dissocia-se por refugir às particularidades da causa, julgando lide - em desapego às causas de pedir ou aos pedidos - diversa daquela posta à apreciação jurisdicional. Esta é conducente à nulidade integral. Aquela invalida a decisão apenas em parte (cf. Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil. 41a ed. vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 204, págs. 470-471).
No caso sub studio, nenhum dos vícios de atuação (errores in procedendo) imputados à atividade jurisdicional logram subsistência. Segundo a apelante, embora o pedido condenatório exordial fosse um só, o magistrado "deferiu duas formas de pensão, uma com base contribuição mensal do falecido a seus familiares, outra com base no art. 1.537, II, do Código Civil". Acaso ocorrente o vício, tratar-se-ia, em rigor técnico, de decisão ultra (e não extra) petita, conduzindo à invalidade parcial e corrigindo-se com a supressão daquilo que excedente ao pedido. Ocorre, não obstante, ao revés do alegado, que a condenação de ordem dígona guarda exata correlação com os pedidos exordiais. Houve pleitos condenatórios por danos materiais e morais diretos do acidente (item 'c' do pedido, fl. 08) e, ademais, por aqueles danos materiais que se projetariam para o futuro (item 'd' do pedido), por conta da impossibilidade de o vitimado remanescer prestando auxílio material aos autores. Daí a condenação dupla levada a efeito na sentença, bastante clara ao distinguir as indenizações sob ambos os pretextos. Ao ignorá-los, fada-se ao insucesso a proemial.
À guisa de ilustração, haure-se excerto da parte dispositiva da decisão:
"A título de indenização por danos morais e patrimoniais, condeno os requeridos, na porcentagem de 50% cada um, ao pagamento do valor correspondente à contribuição mensal do falecido a seus familiares (R$ 500,00) até quando este completaria 65 anos, diminuída a pensão em R$ 200,00 a partir dos 25 anos quando presumidamente teria já outra família.
Condeno ainda os requeridos ao pagamento de pensão mensal aos requerentes no valor de dois salários mínimos, até o ano de 2020 quando o falecido completaria 65 anos de idade, indenização esta fulcrada no art. 1.537, II, do Código Civil Brasileiro"
Nulidade não há, ainda que parcial. Se existe alguma atecnia na forma de condenação respeitante aos danos morais, conforme perscrutar-se-á em momento oportuno, tal circunstância pode consistir, quando muito, em error in iudicando, que rende ensejo, uma vez denunciado em tempo hábil, à reforma da sentença. Nada existe, porém, que justifique preliminarmente a invalidação.
A propósito esta subscritora, quando judicando na Segunda Câmara de Direito Comercial, lavrou precedente cuja ementa é oportuna ao caso:
"Não é extra nem tampouco ultra petita a sentença de cujo segmento dispositivo ressai comando com implicações práticas idênticas às conclamadas pelo autor, guardando-lhes estreita correlação e conferindo-lhes a exata destinação" (ACv n. 2002.021654-8, de Itaiópolis).
1.2. Responsabilidade civil. Atribuição do evento danoso à conduta exclusiva da vítima. Insubsistência da excludente de causalidade.
A sentença objurgada, como condenando a recorrente a indenizar os autores em decorrência do ato lícito levado a efeito por empregado, naturalmente houve por preenchidos os pressupostos ao surgimento da responsabilidade civil extra-contratual. Sejam eles: a antijuridicidade (conduta desconforme o ordenamento) e a danosidade (efetiva lesão a bem juridicamente protegido) do fato descrito, o nexo de imputação (reprovabilidade, a pretexto de atuação culposa, ou do risco da atividade econômica), e o nexo de causalidade (relação entre fato e dano - teorias da causalidade adequada e necessária).
Relativamente ao nexo causal, a hipótese guarda curiosidade adicional, à medida em que enreda responsabilidade civil por ato de empregado. Nesses casos, "o nexo de causalidade, que é pressuposto da obrigação de indenizar, será estabelecido entre a atuação da pessoa por quem se responde e o dano registrado. Por exemplo, na responsabilidade do proprietário do veículo pelos atos do condutor, o nexo e causalidade terá de ser estabelecido entre a atividade do segundo e o dano. A atuação da pessoa que é responsabilizada por via indireta só vai ser necessária para caracterizar como objetiva ou subjetiva a responsabilidade em que incorre: no caso de responsabilidade do proprietário do veículo, será subjetiva se for exigido que ele tenha procedido com culpa na entrega do veículo ao condutor, será objetiva se aquele responder independentemente de ter procedido culposamente. E a este respeito veremos oportunamente que a responsabilidade do patrão ou comitente é tipicamente objetiva" (Fernando Noronha. O Direito das Obrigações, Parte II, pág. 302).
Bem, no caso, a presente insurgência recursal, limitando-se a devolver a alegação de que foi a atuação da própria vítima (fato do lesado) que ocasionou o infausto, propende exclusivamente, na qualidade de excludente, ao rompimento do nexo de causalidade. Sobre o assunto o catedrático Fernando Noronha, alertando para a visão não raro distorcida em torno do assunto, leciona:
"Todos os casos que caibam na noção de caso fortuito ou de força maior em sentido amplo, abrangendo o próprio fato do lesado e ainda o de terceiro, excluem o nexo causal entre o fato e atribuído ao indigitado responsável e o dano ocorrido. Excluem a causalidade, não a culpa. A invocação de caso fortuito ou de força maior significa afirmar que o dano se ficou devendo a algo que por definição é independente da atuação, culposa ou não, da pessoa a quem em princípio ele era atribuído.
Não é correta a afirmação, muito corrente, de que a ocorrência de caso fortuito ou de força maior exclui a culpa. A existência ou ausência de culpa diz respeito a um requisito da responsabilidade civil, o nexo de imputação (que aponta o responsável pelo dano, seja a título de culpa ou do risco), ao passo que a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, fato de terceiro ou do próprio lesado, diz respeito a outro requisito, o nexo de causalidade (que indica quais são os danos que podem ser considerados conseqüência do fato em questão. Aliás em termos lógicos, a apuração do nexo de causalidade precede o juízo de imputação. Verificado um determinado dano, primeiro é preciso apurar qual foi a sua causa. Só depois de determinado o fato causador, levanta-se a questão de saber se este pode ou não ser imputado a alguém.
(...)
Pode haver uma atuação culposa sem que exista responsabilidade, quando a existência do nexo de imputação não for acompanhada do de causalidade. É o que acontece quando o dano tiver por causa não essa atuação, mas fato de terceiro, do próprio lesado, ou um caso fortuito ou de força maior. Por exemplo, teremos um dano causado por fato que não tenha nada a ver com atuação culposa do indigitado responsável, quando uma pessoa estaciona irregularmente o seu automóvel do outro lado da via, contra o sentido do trânsito, e alguém vem embater no veículo, mas também embateria se este estivesse estacionado corretamente, isto é, no sentido do trânsito".
Se o evento não foi causado pela atuação da pessoa (nem por sua ação, nem por omissão de cuidados exigíveis), não pode ser responsabilidade dela, mas não pela inexistência de culpa, e sim pela falta de causalidade. Se o evento não era conseqüência adequada dessa atuação (...), não haverá responsabilidade, mesmo que tenha havido eventual conduta omissiva do indigitado responsável (isto é, ainda quando se possa atribuir-lhe uma conduta culposa)" (ob. cit. págs. 388/389).
Transpassadas as considerações acadêmicas, empreendidas tão apenas à guisa de melhor contextualização do assunto num plano teórico, fácil é perceber que a excludente aventada não guarda procedência. Sustenta a recorrente que, ao revés do consagrado pela sentença, foi a vítima quem invadira a pista de rolamento do ônibus, conforme os elementos de convicção produzidos. Forte nisso tenciona interligar o dano à conduta exclusiva do filho dos autores.
Não é o que denota o plexo probatório. Note-se, conforme habilmente diagnosticado pela sentença, que as testemunhas oculares depuseram coerentemente em juízo, afirmando, todas, versões similares quanto à pista em que ocorreu o abalroamento e a imprevidência do motorista do ônibus:
"que o depoente avistou o ônibus da Empresa Reunidas que trafegava na BR - 282 no sentido Maravilha São Miguel d'Oeste, que descia uma ladeira; que o ônibus foi se aproximando de uma camionete F-1000 'amarelinha, que se deslocava no mesmo sentido, em velocidade inferior a sua; que ao invés de reduzir a velocidade, o ônibus continuou trafegando em alta velocidade e, ao alcançar a F-1000, ingressou na contra mão de direção para efetuar a ultrapassagem; que viu o momento em que o ônibus tentou ultrapassar a caminhonete F-1000; que a F-1000 transitava normalmente no sentido Maravilha-São Miguel d'Oeste; que o local do acidente apesar de ser uma descida, era uma reta, tendo o motorista plena visão da pista a sua frente; que quando o motorista do ônibus adentrou na contra mão de direção a fim de ultrapassar a F-1000, a camioneta dirigida pela vítima já se encontrava no seu campo de visão, trafegando em sentido contrário; que mesmo vendo que a camionete F-4000 branca se aproximava, o ônibus ainda assim tentou forçar a ultrapassagem; que o ônibus não consegui ultrapassar e acabou colidindo frontalmente com a F-4000; (...) que quando o ônibus saiu de trás da F-1000 para ultrapassá-la, a caminhonete F-4000, branca, já estava próxima, a uma distância de aproximadamente 50 metros; que mesmo assim o motorista do ônibus não retornou para trás da F-1000, pois estava em velocidade muito grande para tanto, jogando, então, o ônibus para a contra mão de direção, forçando a ultrapassagem; (...) que viu o momento do impacto; que o impacto se deu na contra mão da direção do ônibus, ou seja, no sentido São Miguel-Maravilha; que o depoente estava a uns 20 metros do local de impacto; que ficou no local uns vinte minutos após o acinte até a polícia chegar; que o impacto foi na contra mão de direção, porém ao colidir com a camionete, o ônibus passou por cima da camionete e tombou lateralmente para a direita, caindo na suma mão de direção, com o lado do carona para baixo e o lado do motorista para cima" (Gilberto Moreira Sotelli, fls. 346/347).
"(...) que o depoente viu o acidente; que o ônibus pertencente à primeira requerida fazia a ultrapassagem de uma camioneta quando foi atingido pelo veículo conduzido pelo filho dos autores; (...) que estava a 50 metros do local do impacto" (José Tacílio Rodrigues de Moura, fl. 348).
"que a depoente era passageira do ônibus que se envolveu no acidente em destino para Dionísio Cerqueira; na rodoviária de Maravilha trocou de assento passando para a poltrona de n. 21 que fica na janela do ônibus. Comentou com a sua mãe que iria trocar de lugar porque o ônibus estava correndo muito. O motorista do ônibus tentou por diversas vezes ultrapassar os outros carros que estavam a sua frente. Em determinado momento, ao ultrapassar uma caminhonete carregada com madeira, antes de retornar para a pista de sua mão de direção bateu com outra caminhonete que trafegava em sentido contrário e o ponto de impacto aconteceu sobre a pista de conta mão de ônibus; (...) que a depoente presenciou o impacto porque estava olhando para a frente no momento (Ivete dos Santos, fls. 375).
"que a depoente esclarece que, no dia do sinistro, iria embarcar em um ônibus da empresa Reunidas na localidade de Maravilha e Guaraciaba, sendo que estas cidades distam aproximadamente 60 Km; sendo que no trajeto a depoente pôde perceber que o condutor do ônibus não trafegava em velocidade compatível com a estrada e um veículo de passageiros, sendo que em determinado trecho o motorista do ônibus chegou a ser imprudente ao tentar ultrapassar duas carretas, isto próximo a balança de pesagem desativada no caminho indo no mesmo ritmo até ocorrer o acidente; que a depoente esclarece que na hora do sinistro, o ônibus em que estava empreendia uma velocidade elevada pelo que pôde auferir, ao sair de uma curva, aparentemente perdendo o controle e invadindo a mão de direção contrária, vindo a colidir com uma caminhonete que trafegava normalmente em sua mão de direção, ocorrendo o acidente fora da mão de direção do ônibus; que estava sentada do lado direito do ônibus, na terceira fila, sendo que o veículo que a transportava não possuía divisão entre o motorista e os passageiros; que com a colisão não sobrou nada da caminhonete, sendo que o ônibus subiu em cima daquele veículo, tombou e ainda seguiu arrastando por alguns metros no asfalto. Dada a palavra ao procurador dos autores, respondeu: (...) que o motorista saiu do local porque a turma queria pagá-lo" (Jani Rosália Enck, fls. 411/413).
Por outro lado, houve, é verdade, testemunhas não presenciais, como os policiais que elaboraram o boletim de ocorrência, dentre outros, que chegando ao local logo após o acidente, formaram sua impressão dos fatos de acordo com a situação e a localização dos veículos logo após o choque:
"... que pôde o depoente concluir que pelo que observou no local do acidente, que o ônibus envolvido no acidente transitava no sentido Maravilha/São Miguel d'Oeste, quando nas proximidades do rio das Antas, 'provavelmente', um veículo invadiu sua pista de rolamento, obrigando o condutor do ônibus a convergir para a direita, lançando o veículo para o acostamento" (policial Luiz Osório Graniel Ferraz, fls. 387/388).
"...que era impossível precisar a parte em que houve o abalroamento no veículo F-4000 porque estava o mesmo totalmente destruído; que pela posição dos veículos acredita o depoente que provavelmente é possível que tenha o veículo F-4000 invadido a pista de rolamento do ônibus provocando o acidente" (Plaudinei Irono Mallmann, fls. 385/386).
E assim por diante, manifestaram-se alguns outros testigos em favor da ré. Ocorre que as testemunhas oculares que depuseram em juízo, em coro orquestral, consignaram que o motorista do ônibus vinha dirigindo de forma imprudente, colocando em riscos a segurança pública e levando a efeito ultrapassagens arriscadas em série, numa das quais deu-se o acidente em questão. O fato de a impressão deixada pela situação dos veículos após a batida ter dado a entender, a alguns dos que chegaram ao local logo após o evento, como os policiais, que o choque ocorrera na pista de rolamento do ônibus da Reunidas, invadida pelo filho dos autores, não suporta suficientemente a excludente. A localização dos veículos e a situação imediata após a colisão são associados a fatores de ordem física, como o local de choque, a inclinação das curvas e as forças centrífuga e centrípeta, as respectivas velocidades, dentre outros fatores vislumbráveis, elementos cujas variabilidades, se não estudadas, como no caso, com a habitual cautela, podem abrir margem a dubiedades. Não podem prevalecer em face do depoimento coerente de testemunhas oculares.
Acresça-se, à guisa de remate, que o caderno processual denota a recognição da culpa do motorista em ação enredando o mesmo acidente (fls. 419-427). Não fora isso, responde ele por homicídio culposo na Comarca de Cunha Porã (o atual estado do processo é desconhecido, não constando do acompanhamento eletrônico viabilizado pelo site do Tribunal de Justiça), e evadiu-se do local logo após o acidente. Tais particularidades apenas fortificam as conclusões ora aferidas, de que o acidente só se lhe pode assacar.
Em tal conjuntura, por certo, considerando que o Boletim de Ocorrência de fl. 49 foi produzido em sentido contrário ao depoimento uníssono das testemunhas presenciais, esmaece a presunção relativa de veracidade que lhe é ínsita (RT 482/209), até porque o laudo técnico de fl. 34, embora também inconclusivo, conforta, antes, a versão do acidente apresentada pelos autores.
A propósito:
"RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DECISÃO QUE REJEITOU A ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DE UM DOS RÉUS - INEXISTÊNCIA DE INSURGÊNCIA NA PRIMEIRA OPORTUNIDADE CABÍVEL - PRECLUSÃO EVIDENCIADA - LEGITIMIDADE PASSIVA DO PROPRIETÁRIO DO BEM SINISTRADO DEMONSTRADA - PRELIMINARES REJEITADAS - AUTOMÓVEL QUE AO SAIR DE UM ESTACIONAMENTO EM MARCHA A RÉ AGUARDA A PASSAGEM DE VEÍCULO QUE TRANSITAVA NA PISTA DE ROLAMENTO - DESATENÇÃO DA CONDUTORA DESTE - COLISÃO - BOLETIM DE OCORRÊNCIA INCONCLUSIVO PARA A ELUCIDAÇÃO DOS FATOS - PROVA TESTEMUNHAL HÁBIL PARA CORROBORAR A VERSÃO DO AUTOR - PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ - RESPONSABILIDADE DA CONDUTORA DO VEÍCULO EM MOVIMENTO DEVIDAMENTE CARACTERIZADA - DANOS MATERIAIS COMPROVADOS - DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO - RECURSO DESPROVIDO" (Apelação Cível n. 2000.017288-0, de Itajaí. Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato) (o grifo não consta da versão original).
"O laudo do acidente, conforme realizado pela autoridade policial, como órgão encarregado do trânsito, firma, por suas conclusões, presunção iuris tantum ilidível por prova em contrário, especialmente por testemunhas presenciais do fato" (RT 482/209).
Insubsistente a investida recursal e incontestes os demais pressupostos para o surgimento do dever de indenizar, mantém-se a sentença, comprovados que se afiguram os fatos constitutivos do direito - art. 333, I, CPC.
1.3. Danos materiais e morais diretos. Pensão vitalícia. Ponderações iniciais.
Previamente à análise do tópico, importa acentuar que a sentença incorreu em certo enleio ao condenar a recorrente ao pagamento de danos diretos do evento, materiais e morais, e também daqueles danos certos que se projetariam para o futuro (art. 1.537, II, CC/16). Fê-lo, quanto a ambos, sob a forma de uma pensão mensal. Condenou a ré ao pagamento contínuo de danos materiais e morais diretos com base no salário então percebido pela vítima (R$ 500,00), reduzindo-o (R$ 200,00), ademais, na data em que a vítima viesse a alcançar 25 anos de idade. Impôs-lhe, também mensalmente, o pagamento de dois salários mínimos, com base no art. 1.537, II, do CC/16, a pretexto de compensar os pais pelo auxílio material que o filho lhes deixou de prestar.
Melhor seria, não obstante, tivesse procedido diferentemente, conforme vem se inclinando a jurisprudência. A condenação referente ao art. 1.537, II, é que, projetando-se para o futuro, deveria afixar-se mensalmente e com esteio no salário percebido pela vítima, reduzido para 1/3 quando da sobrevinda dos 25 anos de idade, ensejo em provavelmente haveria a constituição de família própria. E à condenação por danos morais e materiais diretos (despesas com funeral, etc.) decorrentes do evento, por outro lado, era de rigor arbitrar-se um valor uno, a ser pago de uma só vez, nada impedindo se utilizasse, casuisticamente, o salário mínimo como parâmetro. A propósito:
"CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MORTE. DANOS MORAIS. FORMA DE PAGAMENTO. NATUREZA DISTINTA DA PENSÃO MENSAL. CULPA CONCORRENTE. REDUÇÃO DO QUANTUM. RECURSO DESACOLHIDO.
I - A indenização por danos morais deve ser paga de uma só vez, preferencialmente, e não em forma de pensionamento.
II - O reconhecimento da culpa concorrente tem o condão de reduzir o valor da indenização, sabido, outrossim, que, entre outros critérios, o grau de culpa deve ser observado no arbitramento do dano moral" (RESP 403940/TO, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
O corpo do acórdão guarda passagem incisiva:
"Em primeiro lugar, na linha da jurisprudência deste Tribunal, mais recomendável se apresenta a orientação que determina o pagamento por danos morais de uma só vez, tendo em vista a natureza jurídica diversa que esse tipo de indenização possui em relação àquela prevista nos arts. 1.537, II do Código Civil e enunciado n. 490 da súmula/STF.
Com efeito, os danos morais, no caso de perda de parente, traduz-se em abrandamento da dor emocional sofrida pela parte, enquanto a pensão mensal visa à recomposição do patrimônio e tem fundamento no prejuízo objetivo, decorrente da perda da renda mensal que a vítima poderia produzir.
Assim sendo, diversa a natureza das indenizações, a forma de pagamento e o arbitramento dos danos morais não merecem seguir o mesmo critério utilizado para os danos materiais".
Em virtude dessa excêntrica particularidade, a recorrente ataca o comando da sentença referente a ambas as condenações de forma absolutamente confusa. Ora trata dum como se fosse outro, ora os agrupa alegando que "Não houve, no caso ora deparado, pedido certo e determinado de indenização a título de danos morais, conseqüentemente, também não houve condenação a esse título", e aventando que "entende a requerida/apelante que os danos morais mencionados pelo MM. Juiz a quo no dispositivo da sentença apelada estão traduzidos na forma de pensão deferida e acima atacada".
Desempenhando esforço intelectual hercúleo na tentativa de conciliar a confusão que, a um só tempo, estabeleceram sentença e recurso, impõe-se partir diretamente dos pedidos, deixando em segundo plano a fundamentação recursal - iura novit curia, e daí averiguar-lhes a (im)procedência.
1.3.1 Danos materiais diretos e danos morais. Redução. Determinação a que sejam pagos de uma só vez.
Relativamente à indenização por danos morais e materiais diretos, não entendida desta forma pelo recurso, porque erroneamente fixada, sob a forma de pensão, com base na verba com que a vítima contribuía para o sustento da família, requer-se-lhe a exclusão ou minoração (fl. 480, c/c fl. 483).
Bem, quanto aos danos materiais documentados nas despesas carreadas à fl. 15, destes não há que se cogitar de exoneração, porquanto "As indenizações a título de luto e construção de jazigo perpétuo têm natureza patrimonial, uma vez que são concedidas com o objetivo de cobrir os gastos materiais do funeral da vítima (aluguel da capela, publicação em jornais, compra do caixão, impressão dos "santinhos" etc), pelo que repercutem sobre o patrimônio do lesado" (REsp 125127, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
Por outro lado, em face da perda de descendente o dano moral é presumido, constatação cuja pacificidade dispensa maiores delongas argumentativas. Basta consignar, em torno do assunto, que "O dano moral é devido aos pais quando da morte dos filhos" (REsp n. 172335/SP), porquanto "Sobrevindo, em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos entendimentos, nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização" (REsp n.º 8.768, rel. Min. Barros Monteiro).
Consabido que a quantificação do montante destinado à reparação dos danos tem sido feita de acordo com as peculiaridades que circundam cada caso concreto, levando-se em conta, sobretudo: a malícia, o dolo ou o grau de culpa do ofensor; a intensidade do sofrimento psicológico gerado pelo ilícito; a finalidade admonitória da sanção, para que o evento não se repita; e o bom senso, para que a indenização não seja irrisória, nem extremamente gravosa, a ponto de gerar um enriquecimento sem causa do ofendido.
É certo que qualquer espécie de arbitramento prefixado tendo por base, aprioristicamente, o valor do salário mínimo ou qualquer outro parâmetro, revela-se inadequado à míngua de análise casuística. Mas nada estorva que se usem ditos critérios tão-somente como referência, confrontando-os com o que realmente importa, que são as minudências do caso em particular.
Analisando o caso à luz de ditos parâmetros, parece que a condenação (a título, insista-se, de danos morais) em R$ 500,00 mensais durante aproximados quatro anos, reduzindo-se para R$ 200,00, daí por diante até a data em que a vítima completaria 65 anos de idade, suplanta o quantum que se vem arbitrando por esta Câmara em casos análogos. Tal quantia representaria R$ 96.000,00 somente no período dos 25 aos 65 anos, afora os aproximados R$ 24.000,00 que renderiam os 04 anos iniciais, totalizando cerca de R$ 120.000,00. Isso sem sequer atualizar tais valores para as datas dos respectivos pagamentos.
Melhor parece, conforme ponderado por esta subscritora em caso similar (Ap. Cív. n. 2005.001205-5, de São José), afixar a verba no eqüivalente a 100 salários mínimos para cada ascendente, totalizando 200 salários mínimos para a família da vítima - hoje R$ 60.000,00, quantia que serve como lenitivo razoável aos suplícios suportados, punindo, ademais, devidamente a empresa civilmente responsável pelo ilícito praticado por empregado.
Enfrentando hipótese cuja dissensão remontava justamente à importância adequada da quantia a ser fixada a pretexto de danos morais decorrentes da perda de parente próximo, esta Primeira Câmara de Direito Civil, em decisão da lavra da Desa. Salete Sommariva, manteve a condenação em 200 salários mínimos para cada família das vítimas, em precedente que, considerando os valores globais da condenação, se afeiçoa ao caso em tela:
"De outra banda, insurge-se, também, a recorrente quanto ao valor indenizatório fixado na sentença hostilizada, ou seja, 200 (duzentos) salários-mínimos para cada família dos mortos, salientando que a indenização arbitrada neste patamar acarretaria o enriquecimento indevido dos apelados
A esse respeito, é imperioso salientar que a indenização possui dupla função. A primeira é a função reparadora ou compensatória, por intermédio da qual o julgador pretende reconstituir no patrimônio do lesado aquela parte que ficou desfalcada, procurando restabelecer o status quo anterior à ocorrência da lesão, devendo ser fixada, ainda que impossível a reconstituição da integridade psíquica e moral violada. A segunda, é a chamada função punitiva, através da qual se objetiva castigar o causador do dano, como forma de atuar no ânimo do agente, impedindo que prossiga na sua conduta danosa. Atenta a essa realidade, a indenização deve considerar todas as circunstâncias envolvidas no evento, devendo ser proporcional ao agravo sofrido (art. 5°, V, CRFB).
É evidente que o dano moral suportado pelos apelados, porquanto, indubitavelmente, a perda de um ente querido, in casu, pais, esposos e filho, provoca dor, insegurança e revolta que jamais serão apagados. Essas particularidades devem conduzir o magistrado à aferição de um juízo de valor, observando a realidade social das partes envolvidas, visando a propiciar o bem comum.
Por tudo isso, o valor indenizatório de 200 (duzentos) salários-mínimos para cada família, equivalente, nesta data, a R$ 48.000,00 (quarenta e oito mil reais), revela-se razoável em relação ao dano por eles suportado, mormente considerando, como já dito, a gravidade e a extensão dos males, além da experiência comum e do bom senso (art. 335 CPC)" (corpo da Apelação cível n. 2002.023821-5, de Lauro Müller)
Assim, em epílogo, relativamente à indenização por danos materiais e morais ocasionados pelo acidente, os primeiros remanescem abrangendo as despesas atestadas à fl. 15. Os segundos, por sua vez, são reduzidos, acatando-se parcialmente o pedido, para o eqüivalente a 200 salários mínimos. Ambas as quantias, não obstante e em interpretação mais consentânea com a finalidade dos institutos (RESP 403940/TO), devem ser pagas de uma só vez, e não sob a forma de pensão mensal. Note-se que o pedido inicial era nesse sentido (cf. fl. 08, item 'd') e que a adoção da providência não implica, em essência, incidir em reformatio in pejus, eis que imersa numa conjuntura em que determinada considerável redução do valor da indenização, sendo fator incisivo para tanto. Do contrário, remanescendo o pagamento diferido no tempo, certamente haver-se-ia de cogitar de valor maior, como forma de lenitivo eficaz, ainda que nem tanto expressivo como o eleito pela d. sentença objurgada.
1.3.2 Pensão mensal. Exoneração ou redução. Acolhimento deste último. Precedentes.
No concernente ao particular, a sentença condenou "os requeridos ao pagamento de pensão mensal aos requerentes no valor de dois salários mínimos, até o ano de 2020 quando o falecido completaria 65 anos de idade, indenização esta fulcrada no art. 1.537, II, do Código Civil Brasileiro". Há pedidos recursais, enleados nos tópicos "Da pensão aos familiares" e "Da pensão do art. 1.537, II, CC", tanto de exclusão quanto de redução (fl. 479 c/c fl. 481).
O dever de assistência entre pais e filhos, no atual estágio de desenvolvimento da sociedade, afigura-se constitucionalmente mútuo - art. 229. No mais das vezes, e em famílias de parcos recursos (os autores são, inclusive, beneficiários da assistência judiciária gratuita, sendo que nada indica em sentido contrário), o dano patrimonial resultante da morte de filho maior e trabalhador é presumido, sentido em que o par de precedentes retro é bastante ilustrativo:
"RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRANSITO. MORTE DE FILHO MAIOR. AÇÃO PROPOSTA PELOS PAIS. DANO PRESUMIDO. PENSÃO MENSAL DEVIDA.
NÃO MAIS SE DISCUTINDO SOBRE A OCORRÊNCIA DELITUOSA E OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR, CABE FIXAR A INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS. PRESUME-SE O DANO RESULTANTE DA MORTE DE FILHO ADULTO, QUE RESIDIA EM COMPANHIA DOS PAIS, FIXANDO-SE O VALOR DA PENSÃO MENSAL, DIANTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS RETRATADAS NO PROCESSO, EM UM TERÇO DO QUE A VÍTIMA PERCEBIDA PELO EXERCICIO DAS SUAS ATIVIDADES LABORATIVAS" (RESP 57732/DF, rel. Min. Hélio Mosimann).
"RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. DANO PATRIMONIAL. DANO MORAL. EM FAMÍLIA DE POUCOS RECURSOS, O DANO PATRIMONIAL RESULTANTE DA MORTE DE UM DE SEUS MEMBROS É DE SER PRESUMIDO. A SATISFAÇÃO DE UM DANO MORAL DEVE SER PAGA DE UMA SÓ VEZ, DE IMEDIATO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO" (RESP 58519 / DF, rel. Min. Cesar Asfor Rocha).
Em casos similares ao presente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem-se firmando no sentido de que a pensão mensal tem por base de cálculo os vencimentos do de cujus à época do falecimento, ponderado o percentual com que presumivelmente contribuía para a subsistência da família. Assim, até os 25 anos de idade, a verba a ela destinada (por presunção) eqüivale a 2/3 dos respectivos vencimentos. A partir dessa idade, como provável a constituição de família própria, com prole e os dispêndios daí decorrentes, o importe da contribuição presumida é reduzido para 1/3. De modo que "A contribuição dos filhos não alcança a totalidade do salário, razão pela qual deve o pensionamento comportar abatimento de acordo com as circunstâncias de fato, no caso, pertinente a fixação em 2/3 (dois terços) do salário mínimo até a idade em que a vítima completaria 25 (vinte e cinco) anos, e a partir daí reduzido para 1/3 (um terço)" (STJ, REsp 172335, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).
No mesmo diapasão:
"Pensionamento estabelecido em 2/3 do salário mínimo, a contar da data em que seria admitido o início do trabalho do menor (14 anos), até quando atingiria 25 anos de idade. Daí para frente e até os prováveis 65 anos da vítima, a pensão é reduzida a 1/3 daquele mesmo salário" (REsp 113989/SP, rel. Min. Waldemar Zveiter).
No caso em comento, o pedido inicial, sem distinção entre marcos temporais, era uniforme no sentido de que a pensão fosse fixada em 02 (dois) salários mínimos, pleito, como visto, acolhido irrestritamente pela sentença objurgada. Na mesma ocasião, informaram os autores que o desvanecido percebia, como motorista, algo em torno de R$ 500,00 mensais (cf. fl. 03).
Note-se que o plexo probatório é incisivo quanto à remuneração auferida pela vítima. Embora não houvesse um contrato de trabalho formalmente assinado (circunstância de somenos importância, de vez que, no direito trabalhista, essencialmente protetivo, há prevalência da realidade fática), a Convenção Coletiva de Trabalho acostada às fls. 123-128 denota que motoristas como o falecido, à época do infausto, percebiam a quantia mensal de R$ 518,40. E os depoimentos de fls. 284-286 aludem a uma média de R$ 400,00 a 500,00, sendo adequado, assim, tomar como base o valor declarado na peça inicial.
Na linha da orientação jurisprudencial, 2/3 de R$ 500,00 - devidamente corrigidos, é claro, na data do pagamento - seriam devidos até por ocasião de 22/12/2000, passando, a partir daí, a 1/3 até 22/12/2040. Em matéria de responsabilidade civil, informada por regime jurídico de direito privado, há adstrição do juiz ao pedido inicial (cf. ACv n. 2000.022922-9, desta relatora; REsp n. 196398/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira), de modo que, havendo pedido de pensão de dois salários mínimos, a prestação jurisdicional não pode outorgar-se superiormente a esse limite, sob pena de decidir ultra petita. Sob outro prisma, não se pode reformar a sentença e impingir ao recorrente gravame maior em relação ao anteriormente existente - reformatio in pejus. Assim, há duas restrições à análise do recurso e à afixação da pensão mensal: não se pode, por um lado, mudar a indenização de forma a agravar a situação do recorrente, nem tampouco, por outro, de molde a transcender o pedido inicial.
À guisa de ilustração, o valor de R$ 500,00, atualizado para a data de registro do último indexador, segundo a tabela da Corregedoria-Geral de Justiça, importa em R$ 899,19. Arredondado para R$ 900,00, 2/3 desse valor representam R$ 600,00, e 1/3 dele, por conseguinte, consiste em R$ 300,00. Por outro lado, dois salários mínimos, atualmente, a partir do mês de maio de 2005, refletem-se na quantia de R$ 600,00, coincidindo com os 2/3 da remuneração.
Como há proximidade de valores, importando respeitar a proibição à reformatio in pejus e à decisão ultra petita, a condenação levada a efeito pelo magistrado a quo deve ser fixada no correspondente a 2/3 do salário atualizado da vítima, da data do evento até 22/12/2000, observado, sempre, contudo, eventual limite de dois salários mínimos. De 22/12/2000 à 22/12/2040, a indenização deve representar 1/3 do salário atualizado da vítima, quantia atualmente inferior a dois salários (daí o provimento parcial do recurso), espreitando, outrossim, na execução da sentença, sempre esse mesmo limite.
Por fim, as parcelas vencidas devem ser pagas de uma só vez, aplicando-se o sistema de pensão relativamente, tão apenas, às vincendas.
1.4. Honorários advocatícios. Redução. Descabimento.
Alega-se que "A exorbitância das verbas deferidas justifica o arbitramento em valor certo e determinado dos honorários advocatícios, sem ser apurado através da aplicação de percentual, como deferido na sentença".
No relativo à fixação de honorários advocatícios, a sistemática adotada pelo Código de Processo Civil é clara ao dispor, nos termos do §3o do art. 20, que em ações de natureza condenatória o percentual de 10% a 20%, mensurado conforme os critérios constantes das alíneas do aludido dispositivo, deve incidir sobre o valor da condenação. Tal regra é legislativamente consagrada, outrossim, nos casos específicos de demandas condenatórias decorrentes de ato ilícito, na forma do §5o, do art. 20, do CPC, especificando que "o valor da condenação será a soma das prestações vencidas, com o capital necessário a produzir a renda correspondentes às prestações vincendas".
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, todavia, malgrado o §5o do art. 20 aluda à soma das prestações vincendas como um todo, vem flexibilizando-lhe a regra em casos de ilícitos relativos (responsabilidade objetiva e ilícitos contratuais), e aplicando-a somente nos casos de ilícito absoluto (responsabilidade aquiliana). Tal propensão é inferível das ementas dos Recursos Especiais n. 565290/SP, 242598/RJ, 97667/SP, 31797/RS, 157912/RJ, alguns deles nos quais se limitaram as prestações vincendas, para fins de determinação do valor da condenação, ao período de um ano (12 prestações).
No caso, fácil é perceber que o quantum condenatório, considerado em sua amplitude, no silêncio da sentença e na intelecção da legislação pertinente, abarca não apenas os danos materiais diretos, senão os morais e os valores do pensionamento vencidos e vincendos, sem limitação temporal quanto a estes. Não há, contudo, como reduzi-lo, de vez que a ação é preponderantemente condenatória, incidindo os §3o e 5o, do art. 20 do CPC e, particularmente, falecendo respaldo ao arbitramento de valor certo com base no §4º: Ademais disso, a hipótese é de ilícito absoluto, na linha da orientação supra, avultando a impertinência quanto à limitação temporal das prestações vincendas.
Isto posto, o voto é pelo provimento parcial do recurso da ré, a) mantendo-se a condenação ao ressarcimento das despesas constantes da fl. 15, b) arbitrando-se os danos morais no eqüivalente 200 salários mínimos, a serem pagos de uma só vez, c) reformando a sentença para o fim de determinar que a indenização fulcrada no art. 1.537, II, do CC/16, tenha como base de cálculo a remuneração percebida pelo autor à época do evento, atualizada até o dia do pagamento, no importe de 2/3 até a data de 22/12/00, reduzindo-se para 1/3 até a data de 22/12/40, observado, em qualquer caso, o limite de dois salários mínimos. As prestações vencidas, obviamente, devem ser pagas desde logo.
2. Recurso dos autores.
2.1 Condenação de empregador e empregado em caráter solidário. Acolhimento.
Prescreve o parágrafo único, do art. 1.518, do CC/16, que "São solidariamente responsáveis com os autores os cúmplices e as pessoas designadas no art. 1.521", dentre as quais reside o patrão, por ato de empregado. A condenação em face do lesado é, assim, solidária entre empregador e empregado, não se distribuindo meio a meio entre cada um. Pagas as prestações, os direitos dos condenados devem discutir-se regressivamente.
Comentando o dispositivo, Maria Helena Diniz ministra:
"Haverá solidariedade entre o autor do dano e as pessoas arroladas no art. 1.521, no que atina à reparação do prejuízo causado, desde que tenha sido cúmplice ou co-autor. Deveras, há responsabilidade por ato de terceiro, sendo que tal responsabilidade apenas se caracterizará se houver prova de concorrência de culpa do responsável e do agente, embora, hodiernamente, a jurisprudência, p. ex., tenha entendido que basta a presunção de culpa do patrão, no prejuízo causado por ato de seu empregado, para que ele seja responsabilizado pela indenização à vítima" (Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 1995, pág. 877).
No mesmo sentido, e tecendo apenas algumas críticas à terminologia do dispositivo correspondente no CC/02, cf. Rui Stocco. Tratado da Responsabilidade Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 245.
Acolhe-se o recurso no particular.
2.2 Pedido de majoração dos danos morais. Insurgência contra a minoração quando do alcance dos 25 anos de idade. Confusão analisada em tópicos anteriores. Prejudicialidade.
A questão em foco foi objeto de análise quando do recurso da demandada, ocasião em que se tentou, tanto quanto possível, proceder às correções quanto ao critério de indenização adotado pela sentença. A solução lá prescrita, arbitrando os danos morais adequados à espécie e determinando-lhes a forma de pagamento, é transponível para o pedido em foco. É-lhe prejudicial.
2.3 Honorários advocatícios. Majoração. Descabimento.
Como visto, a base de cálculo para o estabelecimento do valor da condenação, nos termos dos §3o e 5o, do art. 20, do CPC, é composto pelos danos materiais (despesas de fl. 15), morais (200 s.m..), e pelas quantias corrigidas relativas às prestações vencidas e vincendas da pensão mensal. Requer-se a majoração do percentual de 10% incidente sobre esses valores.
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, ao discorrerem a respeito da fixação do estipêndio advocatício, chamam atenção para a necessidade de observância aos critérios constantes das alíneas do §3o:
"São objetivos e devem ser sopesados pelo juiz na ocasião da fixação dos honorários. A dedicação do advogado, a competência com que conduziu os interesses de seu cliente, o fato de defender seu constituinte em comarca onde não resida, os níveis de honorários na comarca onde se processa a ação, a complexidade da causa, o tempo despendido pelo causídico desde o início até o término da ação, são circunstâncias que devem ser necessariamente levadas em conta pelo juiz quando da fixação dos honorários de advogado. O magistrado deve fundamentar sua decisão, dando as razões pelas quais está adotando aquele percentual na fixação da verba honorária." (Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 3. ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 297).
Levando em conta tais critérios, quer parecer que a importância final do valor devido a título de honorários remunera condignamente o profissional do direito. O tempo por que se arrasta o processo, se é grande, não é anormal, e a demanda, em princípio, não envolvia matéria de maior complexidade. O tempo despendido pelo advogado no comparecimento a audiências em Comarcas diversas é o único fator que, em certo ponto, destoa da vulgaridade, mas que finda por bem compensar-se com a incidência do percentual de 10% sobre a base de cálculo visualizada linhas acima. Essa mesma conclusão é válida, por fim, se encarado o grau de zelo do profissional, também significativo, porém contrabalançado pelos honorários, tais como estão.
Isto posto, o voto é pelo provimento parcial do recurso dos autores, condenando empregadora e empregado em caráter solidário, e pelo provimento também parcial do recurso da primeira, na forma do tópico 1 e respectivos itens supra.
III - DECISÃO:
Ante o exposto, à unanimidade, a Câmara dá provimento parcial a ambos os recursos.
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Des. Carlos Prudêncio e Dionísio Jenczak.
Florianópolis, 31 de maio de 2005.
Carlos Prudêncio
Presidente
Maria do Rocio Luz Santa Ritta
Relatora
Fonte: TJSC

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